Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


22 Agosto 2008

Um Dia Traremos Televisores no Pulso. Pode ter acontecido ontem. Um minúsculo LCD no relógio, uma ligação wireless, um hotspot. Nada de excepcional. O choque do futuro é não darmos valor à tecnologia que ontem nos maravilhou. Hoje perguntamos o que havia de tão especial na super-modelo com quem estamos fartos de viver. Seria preciso ficarmos sem, impedidos de usar ou inibidos da liberdade de aceder, para sentirmos o valor. Ou ir para a China e tentar navegar na internet. É quase banal dizer que escrevo estas linhas à experiência num novo brinquedo - que efectivamente pouco mais é que um brinquedo -, delicado, desajeitado e com pouco vigor, apesar de boa durabilidade. 4Gb de disco dão para pouco, e tapo todo o ecrã com a mão, o que causa uma sensação de claustrofobia intensa. Imagens do Brazil ocorrem-me de imediato, dos escriturários debruçados sobre os pequenos visores de raios catódicos que observavam através de com telas de aumentar. E contudo é rápido a iniciar e a fechar, mesmo com XP, e a bateria tem uma longa capacidade de actuação. O teclado obviamente que requer uma paciência e destreza de relojoeiro. Escrever durante bastante tempo é castigo. Até o Spectrum era maior do que isto. Mas aquece pouco, pesa menos que o último King, e é deliciosamente silencioso. Serve para blogues e para relatos de viagem. E para ler livros digitais e ver booktrailers. O futuro daqui a cinco minutos, portanto.

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O Sentido do Olfacto, ou melhor dizendo, o inverso do sentido, pois não posso efectivamente defender que se trate de marketing de bom gosto. Motivado por uma entrada no Bibliotecário de Babel a respeito do acondicionamento do cheiro dos livros em pequenos frascos (e poucos odores serão mais evocativos do que o do livro novo e das tonalidades específicas da tinta e da qualidade do papel - ainda hoje me recordo do prazer com que fazia correr sob as narinas as páginas da edição da Europa-América do Blade Runner), recordei-me prontamente de um bizarro acontecimento relatado pela revista Locus, há bastantes anos, no qual o incendiário de uma livraria teria morrido queimado por virtude de incompetência ao executar a própria sabotagem, ficando o cheiro de carne humana impregnado em alguns exemplares de um romance da Poppy Z Brite - autora que sempre me «cheirou» ser mais parra e pouca uva, escrevendo livros de fantasia gore e dada a sado-masoquismos (por outro lado, poderia ser apenas fachada promocional, cada qual escolhe a sua). Esses exemplares teriam então sido embrulhados em celofane para preservar o «aroma» e vendidos por uma quantia substancial. Uma breve pesquisa no fenomenal google levaram a um comentário no blogue, o qual levou o Zé Mário a destacar em post autónomo, que desde já muito agradeço. Da autora, resta-me dizer que já tive oportunidade - ou melhor, desprazer - de assistir a uma entrevista ao vivo. Aconteceu em Nantes, em 2004, ano em que Brite participou como autora convidada. Naquela forma de ser «estou-aqui-mas-é-como-se-estivesse-ali-para-mim-esta-conversa-leva-a-o-vento» que me enfada encontrar em todas as entrevistas ao Lobo Antunes, mas usando de maior rudeza e de quase desprezo pelo entrevistador, a dita autora ia respondendo enfadada ao fã francês que teve a pouca sorte de conversar com ela em público. Segundo percebi queria apenas conversar sobre os últimos livros, que nada tinham de horror, e esquecer uma fase anterior da vida literária - como se o mercado francês não a conhecesse precisamente dessa forma nem tivesse sido convidada com esse propósito. A meu ver, de evitar.

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21 Agosto 2008

Os Mistérios do Marketing Promocional. E a recepcionista indicou, São cinquenta euros por noite, e o potencial cliente quis saber, O pequeno-almoço está incluido, e a recepcionista informou, Não se encontra nesta promoção, e o potencial cliente que suspeitou de uma possível e impraticável lonjura da hospedaria ao lugar de repasto mais próximo ponderou, E existe alguma promoção que inclua pequeno-almoço, e a recepcionista consultou, Por sinal temos uma outra promoção de verão com pequeno-almoço, e o potencial cliente ficou interessado, Podia dar-me mais detalhes, e a recepcionista especificou, Apenas é válida se ficar pelo menos mais uma noite que na primeira promoção, e o potencial cliente pretendeu fazer contas de cabeça, Fica por quanto esta promoção, e a recepcionista quantificou, Por noventa e cinco euros, e o potencial cliente mostrou-se confuso, Valor total do número mínimo de noites, e a recepcionista foi mais explicita, Não, é o valor por noite do quarto, e o potencial cliente aí ficou mais intrigado, Inclui serviços ou acessos extra, e a recepcionista foi ainda mais clara, Inclui o pequeno-almoço, e o potencial cliente indagou mais, Então devo ter percebido mal, pois este quarto ficará certamente na hospedaria e o da promoção mais barata nas vossas outras instalações, e a recepcionista foi democrática, Trata-se do mesmo quarto na zona principal da hospedaria, e o potencial cliente julgou perceber, Então os cinquenta euros da promoção mais barata é por pessoa, e a recepcionista começou a ficar entediada, O valor que dei é por quarto por noite, e o potencial cliente pôs as coisas a claro, O quarto é o mesmo, e a recepcionista disse, Sim, e o potencial cliente volveu, Que numa promoção é cinquenta euros e na outra noventa e cinco, e a recepcionista disse, Sim, e o potencial cliente insistiu, Sendo a diferença o facto de a promoção mais cara incluir pequeno-almoço, e a recepcionista variou, Precisamente, e o potencial cliente incrédulo, E quanto custa um pequeno-almoço?, e a recepcionista envolveu-se numa perturbação da linha telefónica, Cincbzzzz, e o potencial cliente descansado, Ah, cinquenta euros, e a recepcionista atrapalhada, cinco, cinco euros, e o potencial cliente, O pequeno-almoço é de cinco euros?, e a recepcionista, Por pessoa, e o potencial cliente, E a única diferença entre uma promoção e outra é o pequeno-almoço, e a recepcionista, Sim, e o potencial cliente, Sendo que a promoção sem pequeno-almoço é metade da promoção com pequeno-almoço, e a recepcionista, Sim, e o potencial cliente, Para o mesmo quarto, e a recepcionista, Vai querer fazer uma reserva, e o potencial cliente que já se tinha informado, Sabe, vou pensar um pouco, e a recepcionista que já tinha percebido, Com certeza, e o potencial cliente desligou, contactou a agência de viagens e efectuou uma reserva para a hospedaria, aproveitando a promoção da agência que oferecia um quarto por cinquenta euros por noite com pequeno-almoço incluído. (As identidades, palavras efectivamente trocadas e valores hoteleiros desta história foram ligeiramente alterados para proteger a privacidade dos envolvidos e ajudar a transmitir a essência da situação insólita.)

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31 Julho 2008

Crónicas de Praga. Ficção científica. Não vim preparado. Saber que existe um Ondrej Neff e que foi seleccionado pelo Morrow como um dos representantes da FC europeia no seu recente Hall of Fame, a par do João (livro que por sinal acaba de ser editado em checo, pelo que pelo menos três nomes portugueses são mencionados oficialmente, mesmo que by proxy) não é decididamente o mesmo que entrar numa livraria comum - ou seja, não especializada do género - e encontrar uma secção inteira (ou seja, um enorme espaço de loja) dedicada apenas à Ficção Científica. Perceber que esta secção é separada da Fantasia, e em alguns estabelecimentos, do Horror. Descobrir ao ponto da emoção que a FC ultrapassa a Fantasia (I kid you not)! E prostrar-me de joelhos perante um conjunto de estantes reservadas a obras de autores checos, dezenas, publicadas nos últimos quinze anos. Space opera de Robert Fabian. Sátira de Martin Antonín. Os romances de Ondrej Neff. Antologias anuais, antologias comemorativas de encontros, antologias temáticas. Uma colecção dedicada exclusivamente à FC polaca. A versão traduzida da Fantasy & Science Fiction em edição mensal. E depois as traduções: Bucknell, Reynolds, Miéville, Morgan, Stross. As Dangerous Visions do Ellison. Sarah Zettel. Poucos vestígios de Asimov ou Heinlein, apenas um Silverberg antigo. A série completa da continuação de Dune pelo Kevin Anderson e Herbert fils. Desconhecendo a língua, nada sei dizer a respeito da qualidade. Talvez não passem de imitadores dos americanos, como praticamente todos os europeus. Mas a mera existência destes tomos de 500 páginas com ciber-guerreiros e naves interestelares nas capas é suficiente para redespertar um sonho antigo que se tem vindo a desvanescer neste mundo tecnófobo e efeminado da fantasia pseudo-medieval.

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Crónicas de Praga. Actualização do comentário anterior: os checos adoram a Nelly Furtado. Ouvem-se selecções dos albuns em diversas lojas, restaurantes e rádios. E as papelarias estão repletas de material escolar Ambar. Ao menos isso.

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30 Julho 2008

Crónicas de Praga. De entre as experiências humildificantes (se o termo não existia, passa a existir, Silva gratia) da vida, entrar na Palác Knihy - Palácio dos Livros, o que por aqui passa por Bertrand, excepto com mais livros e andares - encontra-se certamente entre as primeiras, pelo menos no que respeita a todo o trabalho enquanto autor e leitor da língua portuguesa. A importância, ou falta dela, do povo cuja epopéia o coitado do Camões se esforçou por salvar das águas do Índico (se nos fiarmos nas lendas; o mais certo é que tenha sido logo socorrido por uma caravela e tenha chegado a bom porto refastelado numa cadeira e a sorver margaritas) é perfeitamente evidenciada no absoluto vazio em que se encontra (ou não) neste país europeu de dez milhões de habitantes: ausente das livrarias, ausente dos menus, ausente inclusive das variedades de dicionários de equivalência do checo. É plausível, obviamente, que a nossa superioridade futebolística no recente Euro os tivesse levado a enterrar todos os vestígios lusitanos neste país, e que seja apenas por despeito que ao saberem-nos portugueses nos tentem ajudar com instruções em espanhol... Talvez os tradutores automáticos venham salvar a nossa língua, mas não creio que cheguem a tempo. Mais umas centenas de anos e não passaremos de assunto de tese de mestrados. Ao menos canta-se em brasileiro nos centros comerciais; lembro-me que bastam mais três ou quatro acordos ortográficos e dois acordos gramaticais, e já ninguém dará pela diferença.

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Crónicas de Praga. Na principal praça da cidade, a Staromêstské, enfiada entre dois restaurantes armadilha-para-turistas (esquecem-se inocentemente de vos avisar que as bebidas são ali 5 vezes mais caras que numa mercearia), encontra-se uma singela livraria de ficção científica e fantasia, gerida por dois simpáticos ocupantes de aspecto marrão, como é regra mandatária em qualquer livraria especializada do género no mundo. A Mladá Fronta vai sobrevivendo por também vender livros de Praga a turistas, mas mais de dois terços estão dedicados a FC estrangeira, traduzida e nacional (ampla variedade de tudo). Pergunto se aquela é a única livraria do tipo, e informam-me que não, há pelo menos dez. Os joelhos tremem-me. A voz fica embargada. A única outra livraria da praça está dedicada a Kafka, um dos melhores autores de fantástico da História. A selecção deste sítio deve ser extremamente cuidada, pois não encontrei vestigios de Saramago. Cada vez mais me convenço que estou no Refúgio Paradisíaco para Amantes de FC.

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20 Julho 2008

Uma Sessão Com Ray Bradbury, de início de século, na qual o autor nos conta as histórias que geraram as histórias e que, de certa forma, as descodificam. Está aqui tudo, como ele próprio diria, As Crónicas Marcianas e o Homem Ilustrado e a Cidade Fantástica (que nem de longe se poderá considerar fantástico, embora seja uma extraordinária fábula sobre o encanto da infância e da redescoberta através da memória).

A meu ver, a melhor lição para autores acaba por estar contida em sugestões práticas, como a necessidade da leitura frequente e variada sobre uma multiplicidade aleatória de temas, tendo por meta um ensaio e um poema e um conto por dia; e a importante necessidade de praticar e praticar bastante através dos contos, através de histórias curtas, obter assim a satisfação imediata de ver algo acabado num curto espaço de tempo (segundo me lembro de outras paragens, uma história que era reescrita ao longo dos cinco dias úteis, de uma forma tosca inicial de segunda-feira para uma completa e acabada à sexta para submissão às revistas). Investir no conto antes do romance, ou ao invés deste.

Também uma descrição pungente de tempos bastante mais difíceis que os nossos (recordo-me sempre do que Woody Allen referia num dos seus filmes, «Não entendo a propensão actual para a depressão. A minha mãe andava sempre tão ocupada a tratar da família que não tinha tempo para pensar em depressões nem suicídio».)

Imagino o que faria um Bradbury rejuvenescido, regressado ao início da vida adulta por intermédio de uma máquina de feira ou por um bolinho chinês da sorte, com toda a tecnologia e a liberdade que hoje se nos depara? Toda aquela força de conseguir iria levá-lo mais além, ou como muitos, iria dispersar-se ante a falta de obstáculos e a facilidade de obter? Será esta uma história?

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08 Julho 2008

Apenas uma Breve Menção para apresentar um vídeo em que Neil Gaiman lê um dos seus contos no evento FLIP de 2008, encontro literário que nos últimos dias decorreu na cidade brasileira de Parati, e que foi inclusive bastante seguido por alguns dos nossos bloguistas. [Fonte]

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06 Julho 2008

Alguns dos Melhores Filmes Passam Despercebidos. Incluo este no lote. O trailer de The Fall oferece promessas de uma história densa, cheia de alegorias concretizadas em realidade e uma forte paixão pela narrativa, paralela à paixão da juventude pela vida (retirem os computadores e as canetas aos adultos, só escreverão sobre a monotonia, os deveres familiares e o desencanto! O mesmo se aplica à maioria dos autores de mainstream). Ecos do Labirinto de Pan e de um exotismo longínquo intensificado pela tradição oral. (Via Ecstatic Days)

E aqui uma curta viagem aos bastidores.

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