Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


27 Dezembro 2008

Cinquenta Anos Antes, cinzas cobriram Nova Iorque, nesta visão dantesca das ruínas da Big Apple após ser devastada por uma bomba atómica. Chesley Bonestell era mais conhecido pelos seus homens marcianos e espaçonaves cónicas em paisagens planetárias extraterrestres; nesta pintura de 1950, deixou-nos um monumento ao início da Guerra Fria, que o NY Times recorda.

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25 Dezembro 2008

Um Dia de Natal à Moda da Boa e Velha FC, no qual se recorda um clássico e uma história que se tornará num clássico. «A Estrela», já publicada em português numa das colectâneas de Arthur C. Clarke editadas entre nós (possivelmente uma das da Argonauta, se a memória não me falha), é um conto pungente e racional sobre a estrela de Belém e que implicações teria em termos cósmicos (e morais, a bem ver), e uma das narrativas mais conhecidas do autor britânico recentemente falecido. Num registo oposto, mais duro e mordaz, encontra-se o já famoso «Noite de Paz» de João Barreiros, onde nos deparamos com um Pai Natal muito diferente do habitual... Infelizmente não consegui encontrar nenhuma cópia do texto online em português, mas como não queria deixar passar o destaque, fica aqui o link para a versão internacional do Infinity Plus.

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24 Dezembro 2008

Pulp no Natal. Feliz Época Festiva, pessoal de todas as crenças e descrenças! Obrigado por seguirem este canal de texto. Espero que continuem por cá.

James sabia que quando abrisse a porta, o pequeno Tim correria ao seu encontro, anunciando a chegada do homem da casa, contente e feliz como sempre pelo seu retorno do seu dia de trabalho, ainda que a perna esquerda defeituosa lhe atrassasse o entusiasmo e dificultasse os movimentos. «Devias livrar-te dele», dizia-lhe a nova esposa, mas James não seria capaz de entregar a outros aquele petiz a que já se habituara desde o dia em que o tinha encontrado perdido no meio do glaciar de metano, decerto abandonado por outro dono.

Oxalá tivesse melhores notícias para a família. Mas era a noite de Natal e vinha de mãos a abanar.

- Pai! Pai! - os gritos ecoaram pela casa logo que abriu o compartimento estanque, entrando no habitáculo diminuto nas roupas que costumava envergar sob o fato de vácuo. Os gémeos galgaram o progresso do autómato coxo e saltaram para os braços de James.

Não pensava que ainda estivessem acordados. Como tinham crescido desde a última vez que voltara para casa! Cresciam ao ritmo dos dias da Terra, da sua herança genética, completamente alienígenas ao progresso do mundo em que habitavam. Mas que criança, pensou ele, não era alienígena em qualquer mundo governado e ditado por adultos?

- Rapazes, rapazes, acalmem-se - pousou-os no chão, afagou-lhes o cabelo, deu uma pancadinha no pequeno Tim, e viu-os afastarem-se, aos pulos na baixa gravidade, ressaltando de parede em parede, de volta à sala.

- Estou a ver que já se ambientaram... - comentou de passagem a Laura, que o recebia com a frieza do costume. O beijo foi casto, quase como se fossem irmãos.

- Chegas tarde - comentou ela. - E de mãos vazias.

- Houve um problema com a aterragem do Solaris, trinta tripulantes...

- Ouvi dizer - encolheu os ombros. - Aos menos estás presente para as famílias dos outros.

Ele não respondeu. Não iria arranjar discussões naquela noite.

- Os miudos estão à espera do Pai Natal? Tive problemas com os presentes...

- O pequeno Tim vai ser o nosso Pai Natal este ano. As prendas vêm da vizinhança... A ti cabe-te a honra de armares a árvore.

- Temos uma árvore?

- Temos a antena avariada da comunidade. Basta-lhe afixar varetas verdes. Todos os miúdos da zona contribuiram.

James olhou para trás, para o ecrã que mostrava a paisagem. De facto, via-se a estrutura da antena, a pouca distância, e um monte de galhos pintados, de metal, a brilhar na luz reflectida de Saturno.

- Tenho de voltar lá fora?... Vou ser eu a pendurar aquilo?

- Fizémos uma votação - sorriu, finalmente, um sorriso frio como o metano que cobria aquela terra. - E tu ganhaste.

 

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Fiquei Relativamente Impressionado com o exemplar que recebi do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica 2007, organizado por Cesar Silva e Marcello Simão Branco. Este anuário começou a ser produzido em 2005, embora, como os editores explicam na introdução, seja a primeira vez que é editado em formato livro (os números anteriores foram produzidos de forma mais amadora) - pela mão da Tarja Editorial, que tem sido responsável pelo lançamento recente de autores brasileiros de FC (por exemplo, Fábulas do Tempo e da Eternidade, da Cristina Lasaitis, que também me encontro a ler). Tem como objectivo cobrir o ano anterior ao da sua edição a nível do que é produzido literariamente no Brasil, no género fantástico.

Como tal, e algo que de imediato o torna extremamente valioso como material de referência, efectua um apanhado das obras publicadas em 2007 no território brasileiro (não considera as edições portuguesas importadas) - a nível de autores nacionais e estrangeiros (Saramago é considerado, correctamente, nesta última categoria). Os organizadores não se poupam a esforços (que não devem ter sido poucos) em inventariar todos os tipos de publicações existentes, desde as editoras tradicionais a virtuais a edições de autor, dividindo-as pelas diversas categorias de romance, colectânea e não-ficção, e pelos géneros de FC, Fantasia e Horror. A lista ocupa várias páginas, uma vez que só a nível dos autores brasileiros conseguem identificar um interessante número de 89 novos títulos, de um total de 232 livros representando o mercado total (ou seja, incluindo autores estrangeiros e reedições). Destes 89 títulos de autores brasileiros, cerca de metade (42, por coincidência um número bastante FC) são romances impressos e 28 obras virtuais. Os organizadores concluem que os autores procuram mais a categoria romance que a do conto (cuja crise atribuem à cessação das antologias temáticas decorrentes do desaparecimento da editora Anos-Luz), embora também afirmem que «alguns editores têm reclamado a ausência de bons romances para publicar.»

A qualidade das obras é abordada na secção seguinte de críticas (resenhas), na qual um conjunto de obras eleitas é analisada sob um olhar exigente, apontando as falhas e as virtudes, e desnudando as influências literárias evidentes nas quais o autor se terá baseado para a sua obra. Sem dúvida há aqui uma vontade louvável de premiar o original e a qualidade literária. O fabuloso Confissões do Inexplicável, a obra-testemunho de André Carneiro (uma edição cuidada, volumosa, que apetece ler, repleta dos contos deste veterano do fantástico) é apreciada detalhadamente, e o Anuário inclui ainda uma extensa entrevista com o autor, acompanhada de bibliografia. A terminar, um artigo de Roberto de Sousa Causo: «Tupiniweird: New Weird Entre Nós?»

Como objecto estranho neste Anuário encontra-se também a nossa antologia Por Universos Nunca Dantes Navegados, que acabou por ser apreciada pelos organizadores, embora tecnicamente a sua publicação em Portugal a retirasse do âmbito de abrangência da obra. É uma crítica honesta e bem-vinda, apenas centrada sobre os contos brasileiros (os portugueses são mencionados sem opinião), concluindo que embora nenhum conto se destaque, também não há contos manifestamente maus, contribuindo para uma edição bastante homogénea. O nosso obrigado aos organizadores por este destaque.

O Anuário 2007 é omisso quanto à situação em Portugal, facto que se deverá à ausência neste número do «correspondente português» Jorge Candeias, cujos artigos (presumo de comentários que encontrei na internet, embora nunca tenha pessoalmente constatado a situação nem os organizadores expliquem o caso) formavam parte de alguns dos Anuários anteriores. Infelizmente, desconheço o teor efectivo desses artigos passados, nem se se encontrarão disponíveis na internet.

A concluir, este Anuário é um projecto raro e precioso, e que espero que continue a ser produzido, apesar das dificuldades que desconfio existirem. Ao apresentar uma perspectiva global e sistematizada a respeito da situação do mercado no Brasil, confere-lhe uma unidade, um espelho no qual os autores poderão posicionar-se e equiparar-se face aos seus pares. Além disso, contribui para o crescimento da crítica profissional e do estudo académico, essenciais para o desenvolvimento de qualquer literatura. Portugal não ficaria nada mal servido se alguém, com tempo e genica suficientes, desse o passo em frente e imitasse tal façanha.

[O Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica 2007 é publicado pela Tarja Editorial e pode ser encomendado por aqui.]

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09 Dezembro 2008

E Depois Há Portugueses que surgem assim do nada, como Sebastiões expelidos por neblinas informáticas, cujas galerias ocultas de ficção científica existem cheias de imagens desgarradas, sem páginas anexas, longe de contos e romances e sagas, como é o caso de João Ribeiro.

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08 Dezembro 2008

Um Pequeno Filme para quem gosta de livros. Bom feriado preguiçoso.


This Is Where We Live por 4th Estate in Vimeo.

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06 Dezembro 2008

Há Mais de Uma Década, noticiava naquela que seria a primeira das primeiras colunas «Efeitos Secundários» a inauguração do SciFi Channel nos Estados Unidos. No final, perguntava «O que temos nós?» Hoje (e logo hoje, de todos os dias) posso finalmente dizer que também temos um canal de ficção científica (o mesmo, na versão europeia). Espanha afinal já o tem há bastante tempo - talvez os fornecedores de tv por cabo estivessem com dúvidas a respeito do interesse dos portugueses pelo futuro, ou pelo diferente (no estado actual das coisas, qualquer coisa diferente é pelo menos uma fuga apreciada)? Esperemos que também aqui se repita o exemplo espanhol de uma revista dedicada à versão multimédia do género. Parabéns, MEO, pela escolha, só é pena que eu subscreva a ZON (vejam lá se se entendem, vocês que até foram do mesmo grupo e enchem no fim os mesmos bolsos). Começa logo à noite, às 21.30. Godspeed, espero que fique durante bastante tempo (e produza material português com a prata da casa - nudge, nudge, wink, wink).

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Leituras Aleatórias. «Catherine Drew» de Paul Cornell é uma movimentada peça de ficção, a abrir a colectânea Fast Forward 2, organizada por Lou Anders e cujo objectivo é dinamizar a produção de histórias curtas de ficção científica (com o tal cunho verosímil, não tanto fantasioso), revolucionárias, excitantes, magníficas, etc, etc. Interessantemente, é uma história de espionagem num sistema solar alternativo, em que Deus está efectivamente presente através de um «campo de boa fortuna» ao qual se pode rezar, e no qual, embora o sistema solar tenha sido colonizado por potências «menores, que envergonham os grandes impérios», os grandes impérios da história são efectivamente o russo e o alemão (ao qual Inglaterra se subordina). Trata-se de uma história de espionagem e, obviamente, de descoberta de uma forma de comunicar com o «nosso universo» (geralmente a forma preferida de os autores mostrarem, sem explicar directamente, que se trata de um universo alternativo com outras leis de física), energética e movimentada como um grande espectáculo aéreo, embora no momento de nos despedirmos, afastamo-nos com a sensação de que não nos disse nada de novo -acerca do universo, da vida, de nós mesmos.

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03 Dezembro 2008

E Somos Cem! Às últimas horas de domingo, 30, um tsunami de submissões conseguiu elevar o número de entradas para a centena. Terá havido outra antologia de ficção marginal e marginalizada com tanta concorrência? Algo é pelo menos garantido: quanto maior a ceifa, maior o trigo, independentemente da proporção do joio. Um grande obrigado a todos os que decidiram entrar nesta jornada, e como foi apanágio do regulamento, espero que tenham conseguido divertir-se no processo. Quer sejam (desta vez) seleccionados quer não, espero que continuem a escrever. Foi, principalmente, a feliz constatação de que podemos ser afinal, um país de contadores de histórias. Ou antes, uma cultura, ou não tivesse tido a honra de receber um conjunto representativo de participações brasileiras. O trabalho difícil é agora concluir a selecção (não um trabalho solitário mas algo que vai receber comentários de partes terceiras em fases mais adiantadas, como convém), e começar a dar um formato ao livro final.

Numa onda paralela, destaque para o Blade Runner, agora com novo e invejável cabeçalho, que prometeu e cumpriu apresentar 30 livros de antiga memória das edições portuguesas do género, permitindo-nos viajar até tempos idos e relembrar, por momentos fugazes, as idades, dias, ocasiões em que certos livros entraram na nossa vida e foram importantes. De entre todos, Tron destaca-se imponente, na humildade da sua época tão ou mais importante que o Matrix. Os jogos mais apetecíveis são também os mais simples. Se não acompanharam a senda diária, aconselho-vos a efectuar a mesma viagem em diferido. O bom da velha internet é que nos permite navegar, assim, na informação, como se ontem tivesse sido hoje.

Não queria admitir, mas ele estava com medo.

A rapariga continuava escondida no beco. Pouco tinha vestido, apenas roupa interior - um vestido atado à cintura, com um topo muito justo e curto, de onde pendiam seios fartos dos quais não conseguia desviar o olhar, e uma saia rasgada, deixando antever um conjunto de ligas que adornavam pernas esculturais, daquelas que só se encontram nas capas de revistas. Mas não se encontrava nos seus melhores dias. Tinha um aspecto sujo, sovado. O cabelo, decerto que esplendoroso em ocasiões normais, estava sujo e desgrenhado. Por todo o corpo e roupa, notava-se por um predomínio de manchas de lama e terra secas, marcas de mãos e sapatos, talvez um fio de sangue aqui e ali. E para finalizar com toque de ouro, chorava desconsoladamente, sentada sobre uma caixa, encostada contra a parede fria do beco (era, afinal, Novembro, e ainda na semana passada nevara em toda a cidade).

Não o tinha notado ali, no fundo do beco, a olhar para ela, surpreendido em pleno acto de vitimização de mais uma menina da noite. A faca ainda respingava sangue da mulher que ele arrastara pouco tempo consigo, de quem tinha estado a extrair meticulosamente o útero. Felizmente que entretanto a dor e o choque a tinham levado, senão nem mesmo a mordaça teria impedido de soltar a quantidade suficiente de barulhos que alertassem a rapariga antes desta mergulhar no beco e o forçassem a fugir antes do trabalho acabado. O que teria sido uma pena.

Contudo, quando se tinha apercebido da companhia inesperada, já a rapariga estava encostada à parede, já encarava a vida com o maior dos desgostos. Nunca vira tanta tristeza num rosto tão jovem e bonito. Era perfeito. Era a vítima perfeita, a combinação exacta de beleza, desamparo e desespero que jamais encontrara. Era a mulher dos seus sonhos.

Daí que tivesse tanto medo. A perfeição era um alvo inalcançável. Ousar sequer atingi-la traria consequências nefastas. O pecador é aquele que cede ao desejo, pensou, e põe em risco a sua alma imortal. Não podia deixar que isso lhe acontecesse.

Além disso, a situação era-lhe tão propícia que simplesmente se recusava a acreditar que fosse coincidência. Não havia almoços grátis. Certamente que a polícia estaria à sua espera, à menor sugestão de silhueta nas sombras. A aguardar por ele.

Mas os minutos passaram-se e a rapariga não ficou mais calma. Pelo contrário, cada vez a sua angústia era maior, a cada momento mais lágrimas lhe irrompiam do rosto. E contudo, não se ia embora, não abandonava sequer o assento.

Ele bem tentava controlar-se. Mas a oferta era demasiado tentatora.

Armado com um sorriso simpático, aproximou-se, a faca a brilhar no luar ocasional. Quem sabe se ela não gostaria dele à primeira vista?

- Olá - soltou. A voz saiu-lhe ameaçadora como de costume. Era algo que não conseguia evitar. Os dedos tremiam-lhe ao antever o momento em que a lâmina beijaria a carne, em que lhe traçaria um sorriso abaixo daquela boca, como se inscrevesse a sua marca na perfeição do Senhor.

Ela não se assustou. Olhou-o placidamente. Como se o esperasse. Pareceu-lhe inclusive que... sorrira?

- Não vai gritar? - perguntou-lhe ele. Aquilo não estava nos seus planos.

Ela negou com a cabeça.

- Sei quem é... leio os jornais - baixou o pescoço, expôndo-o. - Faça o que tem a fazer.

Entrou-lhe uma raiva súbita. Mas quem se julgava ela, para comandar a sua mão de artista? Que direito lhe assistia em estragar a perfeição do momento, em arruinar o seu prazer? As mulheres eram bichos traiçoeiros e demoníacos, todas iguais, todas merecedoras do mesmo castigo. Iria corrigi-la, isso sim, mas não como ela pretendia. Com ela iria ser lento e cruel. Muito cruel.

Agarrou-lhe no cabelo e puxou-a para o chão. Ela debateu-se.

- Não, assim não, não quero morrer assim!

Queria ficar sentada. Ele puxou-a com mais força. Ela não conseguiu resistir.

A caixa onde ela estava sentada tinha um olho vermelho que piscava. No breve segundo em que ela se levantou, o olho deixou de piscar, acendeu-se, e cuspiu uma pequena bola para o ar. A bola ascendeu ao nível dos olhos dele.

Explodiu em cem mil agulhas finíssimas. Cravejaram o beco, enterrando-se com profundidade nas paredes, atravessando a rua e cortando os céus onde encontraram aberturas. As autoridades teriam dificuldade em recolher provas, de tão profundamente se tinham enfiado.

E todas as autoridades médicas concordaram que nada no sistema penal de Sua Majestade teria sido um castigo tão doloroso para o demónio das noites.

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