Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


03 Abril 2009

Sim, É Incrivelmente Amador e um tudo-nada sentimentalóide (previ sem dificuldades a cena final das mãos), mas é um curioso filme sobre o fim de um mundo enquadrado no fim de outro mundo, e talvez uma possibilidade de renascimento. Como curta, toma algumas liberdades de produção, como as cenas de exterior na rua estranhamente ausente de pessoas a correr em desespero e com os carros todos bem arrumadinhos, estacionados junto ao passeio como se o futuro fosse efectivamente uma promessa. O recurso à explicação via telejornal acaba por ser bem aproveitada, e parece-me que o locutor é o único de todos os personagens que realmente está ciente de que o mundo vai acabar. No entanto, algo que todos os autores deste tipo de histórias catastróficas sempre se esquecem é de que a infrastrutura tecnológica da sociedade deixaria de funcionar após poucos dias sem ninguém a supervisionar. Alguém ainda estaria a trabalhar a poucas horas do fim do mundo para que o protagonista conseguisse fazer telefonemas por telemóvel? Para que a própria televisão funcionasse? A electricidade? De tudo, isto é o que me parece ser verdadeiramente implausível, pois não entra em consideração com o comportamento normal do ser humano.

Quanto à evidência de uma relação inteira vivida num par de horas, acabou por funcionar para mim como o contrário do que certamente seria a intenção do autor. Um par de horas não substitui uma vida, a não ser que a experiência emocional seja intensa, imensa, como no caso de um grande amor ou de uma grande carência. Ao optar pela apresentação das vinhetas típicas de uma relação normal (nem sequer uma relação de amor mas uma que se torna rapidamente de habituação), o autor pode ter demonstrado como se consegue acelerar uma história de vida, mas infelizmente optou por uma vida monótona, como se se tivesse esquecido que um minuto junto da pessoa que se ama e com quem sentimos que queremos ficar alonga-se no tempo...

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01 Abril 2009

É Sempre Saudável escutar as mensagens dos autores best-selling, à procura da gema discreta que revele o segredo, ou um possível segredo, do sucesso (não o encontrarão aqui). É indiscutível o apelo dos livros de Stephenie Meyer, editados em Portugal pela Gailivro, para uma audiência jovem e entusiasmada, goste-se ou não das mensagens implícitas e da forma como são passadas: estes são os livros que estão a influenciar o imaginário, e em grande medida os sonhos, da nossa juventude, portanto ignoramo-los com risco assumido. Tamanho sucesso permite a Meyer concluir a história de forma satisfatória, como o fez Rowling, encerrar o enredo, e não prolongar ad nauseum romance após romance como forma de pagar o salário do autor (se esta decisão se vai manter, dependerá do nível de pressão dos editores, estes sim subordinados à necessidade remuneratória). Quanto à história, talvez não diga muito a este quase quarentão, mas parece atrair as adolescentes como abelhas ao mel, e que consiste essencialmente na atracção do abismo, daquele rapaz misterioso e carismático que também se revela perigoso, símbolo da vida, do sexo, e da liberdade de movimentos prometida pela vida adulta (na verdade, uma ilusão consentida, mas quando se é adolescente não há forma de perceber), quando tudo é novo e diferente e acontece pela primeira vez (morremos porque já não há mais histórias por descobrir?). Ou como dizia uma crítica recente, a respeito do vampiro: «All in me invites you in.»

Via Ciberescritas, que está a aceitar perguntas dos leitores para colocar à autora. Uma excelente oportunidade para participar.


Crepúsculo, Lua Nova e Eclipse


Amanhecer


Nómada

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22 Março 2009

O Círculo Tem Início, e como tudo o que se fecha em si mesmo, requer a existência de um começo, do ponto inicial em que assenta o compasso. O romance, já o dissemos, trata-se do Centauri Device, uma visão distópica dos anos 70 (não será isto um pleonasmo?) que John Harrison transpôs para as estrelas. Outros afazeres (ver post anterior) obrigaram a um ligeiro atraso aqui em casa, mas no resto da rua as vozes anunciam a chegada na data que tinha sido prevista: aqui e aqui e aqui e aqui. Aguardamos ansiosamente a vossa opinião.

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21 Março 2009

E Pronto! Após tanto tempo na sua companhia, entreguei finalmente a tradução de Jack Faust à Saída de Emergência. Seguirá agora os ditames habituais de qualquer publicação, e logo que haja capa apresenta-la-ei neste espaço. O esforço desta tradução aliou-se ao prazer de trabalhar um texto importante, diria mesmo imprescindível nestes tempos de perigoso desequilíbrio entre as forças do raciocínio e as forças da estupidificação mística. O pressuposto especulativo que esteve por base desta obra é tão simples que causa assombro: e se o século XVI tivesse sido de repente presenteado com todo o conhecimento científico, tecnológico e industrial dos séculos seguintes? Quatrocentos anos subitamente condensados no espaço de poucas gerações, impondo-se sobre uma sociedade inculta, embrutecida pela doença, pela miséria, pelo obscurantismo de uma ditadura religiosa do pensamento. Como conciliar a clareza do método científico com o torpor da crença em textos clássicos e medievais, que desdenhavam a observação e a medição cuidada ante o mais confortável e menos trabalhoso método da derivação filosófica? Como, efectivamente, impelir a mudança - que homem, que agente se predisporia a tal?

Nada menos que o próprio Fausto.

Fausto aqui surge em plenas vestes que Marlowe e Goethe e Mann lhe vestiram: o grande arrogante, hipócrita, escudando-se na defesa de uma Verdade absoluta que a humanidade merecia conhecer para alcançar o íntimo propósito da sua alma, que nas páginas finais o autor descreve tão bem, ao fazer Fausto admitir que considerava Cristo o seu principal rival. Vendendo a alma em troca do pleno conhecimento - um bom negócio, bem vistas as coisas, ante o pouco valor de tal alma. Mefistófeles torna-se assim, não num agente de moralidade ou de corrupção, mas num mero facilitador, alguém que passa o fósforo e a gasolina ao incendiário e a seguir senta-se a apreciar. Neste caso, o fósforo sendo a ciência e a gasolina a tecnologia - além de uns apartes sobre o íntimo humano e outros considerandos. Fausto torna-se omnisciente, para todos os efeitos, soberbamente inteligente - mas não necessariamente esperto. Nem preocupado com as consequências da sua vontade, aparte a satisfação mimada da sua vontade de destaque.

Um tema desta magnitude é tratado com extraordinária economia por Michael Swanwick, dizendo e mostrando somente o que lhe parece relevante, para que possamos inferir o resto. Ao contrário da imponência orquestral das versões clássicas acima mencionadas, Swanwick optou por uma abordagem de farsa, um diorama de acontecimentos e divagações que conduzem a uma conclusão trágica e infelizmente credível. É um texto dramático escondido na forma de um romance, uma peça de morais e costumes com as cores da história alternativa. Ou da fantasia. Ou da ficção científica. Ou de todas em conjunto, afinal, pois na verdade este é um romance dificilmente categorizável - um dos principais indícios das grandes obras.

Num ano de colecção Bang! que verá a continuação do sucesso de Anne Bishop e George Martin, este desconhecido título corre o risco de passar despercebido pelos leitores. Espero que tal não venha a acontecer. Para o bem das vossas almas perenes...

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19 Março 2009

Ontem Debateu-se A Vida E Obra de um dos grandes clássicos americanos do século XIX, um dos poucos autores dessa época que conseguiu transceder os tempos e quase duzentos anos passados sobre as suas obras ainda é lido com prazer e continua a conquistar mercados (mais, eventualmente, do que terá sucedido na sua própria época), ombreando sem dificuldade com autores contemporâneos e temas da actualidade. Tal é a marca do génio. Esmiuçado ao longo das eras ao ínfimo pormenor por volumes e volumes de críticas (atrever-me-ia a dizer, bibliotecas de criticas), continua a ser importante relembrar o autor e as peculiaridades das suas influências nas gerações que o seguiram. Edgar Allan Poe chegou a Lisboa é a «vítima» feliz de um conjunto de debates que ontem começou («Poe e a Criatividade Gótica») e sexta-feira terminará, organizados pelo Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa e que têm lugar na Faculdade de Letras da mesma universidade.

Tive ontem o prazer de estar sentado ao lado do David Soares e da Hélia Correia num debate moderado pelo Pedro Mexia (que, exemplar no seu papel, deu voz plena aos autores, não contribuindo com as suas opiniões, o que foi uma pena - gostaria que me tivesse ocorrido incitá-lo também a participar). Fica aqui o meu especial agradecimento aos organizadores do evento, não só pela minha inclusão como pelo reconhecimento da importância da Ficção Científica para este tema, e muito em particular, à Margarida Vale de Gato, que me convidou pessoalmente; a Margarida traduziu a Obra Poética Completa de Poe, um magnífico volume em capa dura com ilustrações fantasmagórias de Filipe Abranches editado recentemente pela Tinta da China, que vos incito a descobrir. Obrigado também a todos os que compareceram e que nos acompanharam no jantar de convívio a seguir.

Poe é um novelo que incita ao pensamento e que parece nunca terminar; a sua postura literária, e a sua postura sobre a sua postura literária, conduzem a interpretações diversas e a interrogações que nunca terão uma resposta efectiva. Os grandes autores nunca respondem na totalidade às perguntas que colocam.

O prazer está em colocar as perguntas e discutir as possíveis alternativas. Hoje há mais - compareçam.

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Neil Gaiman É Entrevistado por Stephen Colbert e não se desmancha. A personalidade deste senhor é a melhor publicidade aos seus próprios livros que pode haver. (via Bibliofilmes Festival, um blogue com um carinho muito especial pelo fantástico).

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14 Março 2009

Comentários Sobre o Twitter pelo Jon Stewart muito parecidos com os do João. Por mim, deixo-me enovelar nestas experiências. Mas o que penso sobre isto é [limite de caracteres atingido]

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10 Março 2009

Jeff VanderMeer Está a Escrever um novo romance (Finch) e partilha alguns conselhos de escrita. Os mais recentes referem-se à elaboração de cenas do que em bom português passo doravante a designar por «porrada da grossa» (action scenes).

Alguns destaques pessoais, com acentuação minha a negrito:

First, though, if going in no one gives a crap about the characters, who the heck cares that they’re in danger. That’s key. Then you have to think of it in terms of the craziest Hong Kong cinema mixed with your own personal mental unhingement: because you’ve got to imagine being in the middle of that. You’ve got to make some preliminary diagrams of the set-up so you can see it clearly, and then you’ve got to wed that to something visceral.

(...) See, the key to an action scene in this age of the big-budget blow-em-up action flick, besides a touch of personal lunacy and cleverness, is making it seem chaotic and confused without it actually being chaotic and confused. And that usually means less is more.

(...) And then it needs the dying fall, when you come back to earth, and the state of world before the battle is restored, and yet changed in some fundamental way. Something’s been lost even as experience is gained. And your hero, s/he’s pretty banged up, but he’s still staggering along…

E possivelmente a mais valiosa das sugestões:

I’ve spent probably 20 to 40 hours on that one scene. That’s the definition of crazy: choreographing the details of something that’s ink on paper so it can hopefully become three-dimensional in the reader’s mind. Doing research on just how a gun that fires fungal bullets might work. Imagining and re-imagining the dialogue for that situation.

Resumindo a receita:

  • elaborar personagens suficientemente complexos e profundos que potenciem a empatia do leitor (normalmente conseguido pelo autor através da simples técnica de auto-encurralamento, ou seja, levar o personagem mais tímido e apagado a revelar-se, no momento crítico em que devia comportar-se como toda a gente esperava e soçobrar aos gritos nas garras do monstro, a dar a volta à situação e ser o único a conseguir escapar-se - algo que não só desperta a atenção do leitor como motiva o próprio autor e o desafia a re-equacionar o contributo deste personagem subitamente desperto na narrativa, daí o «encurralamento»)
  • ter capacidade de visualização e imaginarem-se efectivamente no meio da cena (em jeito de exemplo, a situação de casos extremos e violentos: qual a sensação efectiva de esganar alguém até matá-lo? De violar uma criança? De ver a família chacinada antes os vossos olhos? De sair ileso de um acidente que vitimou quatro jovens a caminho de uma noitada e saber que a culpa foi inteiramente vossa? - imaginarem-se de repente na situação em causa e perceberem como reagiriam, lembrando-se que são humanos e que a primeira tendência será, se for esse o vosso pendor, de inventar uma desculpa apressada e culpar a sociedade ou o nevoeiro ou a outra pessoa, e não vós mesmos); analisar as consequências morais e éticas do desenlace;
  • ter em atenção o que os outros fazem: os leitores não existem numa cela solitária sem janelas cujo único contacto com o mundo é as vossas preciosas palavras. Os leitores cometem constantemente o pecado de enterrar a foice em seara alheia, seja por ler outras obras seja por ligar a televisão. E os leitores são, como as crianças, implacáveis na crítica e comparação das obras e dos criadores, vilipendiando-vos à primeira falha e percebendo de imediato se isto ou aquilo foi «inspirado» (leia-se: decalcado) d'aquilo ou d'aqueloutro. Infelizmente, ao contrário das crianças, os leitores não vos confessam tais pensamentos cara-a-cara, mas simplesmente deixam de comprar os vossos livros;
  • loucura pessoal: sim, o autor tem a presunção de pensar que fala e escreve algo suficientemente interessante para que os outros percam horas do seu precioso tempo de vida a ler. A única forma de garantir o respeito destas pessoas e o retorno à leitura é de o autor tornar-se verdadeiramente numa pessoa interessante, conflituosa, exacerbada, opinativa (com fundamento) e interessada nos outros e no mundo. Caso contrário duvido que tenha algo para dizer. A construção da personalidade da pessoa-autor é um processo lento e demorado tão essencial à qualidade da escrita quanto o trabalho investido nas obras em concreto.
  • trabalho: sim, trabalho. Suar e fazer o que custa. Amargar com a porra do texto no lombo e repisá-lo e revirá-lo e deitar fora. Ficar acordado até altas horas a pensar no enredo, abrir os olhos já com a preocupação em mente. Questionar todas as decisões para descobrir quais as que não conseguem abdicar e desenvolver o texto em torno das mesmas (porque nessas estará o coração e alma da obra). (E não, lamento, mas despejar o primeiro conjunto de frases soltas que vos vier à cabeça sobre o assunto, efectuar uma revisão apressada ou nem sequer isso, e submeter o resultado a um concurso literário, percebendo-se perfeitamente que o autor não respeitou o próprio texto sequer o suficiente para o limpar e pôr decente, lamento imenso mas in my books isso nem sequer conta como uma flexão para o mínimo de cem que seria necessário.)

Conselhos apropriados a toda a escrita e não apenas a cenas de porrada da grossa. Relativamente a estas, apenas acrescentaria ao artigo de Jeff a necessidade de adequar o estilo para comportar frases curtas e energéticas, essencialmente descritivas, que devem encaixar-se umas nas outras sem repetições de sujeito e verbos, e que toda a sequência deve seguir um ritmo variado e progressivo, com momentos de pausa entre instantes de movimentos e consequências físicas. Sugestão pessoal: escolher uma banda sonora que reflicta o tipo de sequência de acção pretendida (heavy metal, pop, música clássica) e ouvi-la antes ou durante a escrita para conduzir o espírito ao estado de agitação adequada, um pouco em paralelo do que os actores costumam fazer.

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