Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


16 Maio 2009

A Vida Assombrosa (Também Breve) de Oscar Wao (Junot Díaz, Prémio Pulitzer 2008, Porto Editora) melhora progressivamente à medida que nos adentramos na história da família e abandonamos o nerd (inglês para «cromo» na opinião do tradutor) gordo com interesse pela ficção científica aventureira (o puto só gosta de Tolkien e Gordon Dickson e Doc Smith e Moorcock na fase de espadas&feitiçaria, e até ora não emitiu uma única opinião a respeito dos livros mais maduros de Simmons e Benford e Bear e outros tantos que estariam mais próximos da época da sua suposta adolescência), atingindo um ponto particularmente elevado quando descreve a história da mãe de família hispânica numa República Dominicana dos anos cinquenta/sessenta ainda dominada pela bota de Trujillo.

Aos treze anos, a Beli acreditava no amor tal qual uma viúva de setenta anos abandonada pela família, pelo marido, pelos filhos e pela sorte acredita em Deus.

(que não deixa de ser pungente, apesar de, depois de «abandonada pelo marido», o factor «viúva» seja pouco relevante...)

Como a maior parte dos Homúnculos, [Balaguer - ditador que sucedeu a Trujillo numa nova R.D. supostamente democrática, apelidado de Ladrão das Eleições ou Homúnculo] não casou e não deixou herdeiros.

(que produz ecos do nosso homúnculo de trazer por casa que a classe imberbe desta minúscula nação votou como o Maior Português de Sempre)

Dizer à Beli para não fazer gala daquelas curvas [ela que acabara de despontar gloriosamente para a adolescência] teria sido tal qual pedir àquele miúdo gordo, perseguido, para não fazer uso das suas recentemente descobertas capacidades de mutação. Com um poder maior chega uma maior responsabilidade... tretas. A nossa rapariga correu para o futuro que o seu novo corpo representava e nem olhou para trás.

(o que é uma forma interessante de salpicar um texto corriqueiro sobre o quotidiano com elementos e referências do género fantástico e dar-lhe um sabor inovador - suficientemente inovador, aliás, para conquistar um Pulitzer.)

Relativamente à tradução (de Victor Cabral), como se pode apreciar nos exemplos acima, produz uma sensação semelhante a ouvir uma peça executada com profissionalismo (embora com modesta paixão) num piano ligeiramente desafinado: ao nos deixarmos embalar pela música e pelo ritmo, surge aquela maldita tecla esganiçada de um termo ou expressão desnecessariamente mal traduzidos que nos faz saltar na cadeira...

Uma recomendação para os últimos dias de Feira do Livro.

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14 Maio 2009

Uma Nova Forma de Andar. Não havia um ditado que dizia, quanto mais alto maior o tombo? Não?...

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10 Maio 2009

A Minha Experiência Com A Feira do Livro, este ano, tem sido uma de pavilhões fechados e de visitas a correr, uma delas com sacrifício do almoço (não trabalho em Lisboa) porque alguma douta inteligência, individual ou colectiva, terá decidido que seria inglório e incómodo manter-se de portas abertas durante a noite, e determinou como hora de encerramento as 20.30 durante os dias de semana. Será desnecessário referir que esse horário apenas me deixaria meia-hora para visitar a Feira, caso me dispusesse a antecipar o momento de saída laboral e fosse a correr para o centro. Ainda o fiz uma vez, e tornou-se num momento frustrante, passando a correr por bancas de conhecidos só para chegar ao que pretendia - experiência partilhada pelos outros compradores desse dia, que se agarravam aos pavilhões como lapas, impedindo-os de fechar. Enquanto exercício de disciplina de compras orientadas e com objectivo, poderá ter o seu interesse, mas obviamente que estraga o prazer da compra aleatória, das poucas razões pela qual frequento o evento. Vozes dirão que teria o fim-de-semana - claro, se fosse minha vontade andar às cotoveladas com as enchentes de mirones de capas que impedem o acesso aos livros, não arredaria pé. Mas ainda não tomei o gosto de encarar a ida ao Parque Eduardo VII como uma manhã de domingo na Caparica, e dispenso mergulhar no mar social de corpos enfiados num espacinho de terreno que conseguem nesta impossibilidade o que só posso designar como a experi ncia de todos os sentidos: desde o conhecer-se intimamente o odor corporal do vizinho deitado quase em cima de nós à surdez causada pelos berros da criancinha à nossa esquerda, benditos os seus saudáveis pulmões e a generosidade dos pais que connosco partilham esta dádiva ao mundo, ao gosto a sal e protector solar da loja dos trezentos misturados na areia que nos cai na boca da malta nova que corre para e vinda da àgua. Talvez seja um defeito meu. Sei que tenho bastantes. Mas é com alívio que descubro esta notícia: a Feira passa a fechar uma hora mais tarde. Ora, um pouco da sensatez que retorna. Assim nem se torna penoso para os trabalhadores da Feira (que têm de aguentar dias a fio as alterações de clima, os clientes chatos, e chegam ao final com a Feira pelos cabelos) nem para os clientes. Mas foi preciso esperar durante mais de metade do evento para só na última semana a direcção arriscar esta mudança extraordinária... é fant stica esta celeridade, esta capacidade magnífica de adequação dos nossos eventos públicos às necessidades de quem o frequenta. Ao menos continua garantido o mercado dos pederastas e das prostitutas e da diversa fauna que diz-se frequentar a zona à noite, que, coitadinhos, eram afectados durante as três semanas de cultura com o tradicional encerramento das 23.00.

(Se estou indignado enquanto leitor e autor com a Feira este ano? Claro que sim. Além do disparate da hora de encerramento, mudaram um evento ao ar livre para uma época do ano em que o tempo ainda não está suficientemente estável e quente para assegurar a qualidade da visita. Que fosse necessário inovar pavilhões e alguns outros aspectos do evento, apoiado, eram medidas sensatas e óbvias. Mas o problema de mexer em tradições no nosso país é que nunca se sabe quando parar, e depois não basta corrigir-se o que estava mal, é preciso estragar-se o que estava bom...)

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O Conto Definitivo de Ballard, uma versão do «Last Man on Earth» apropriada por muitos autores, entre os quais André Carneiro. O desaparecimento pacífico de toda a vida no mundo, com a excepção do insofismável B, possivelmente irmão do James que atravessa o mundo onírico de Crash. B finalmente no território da sua imaginação, rodeado pelos verdadeiros personagens das suas histórias - os arranha-céus, as autovias, os pilares de betão, os silos abandonados, os acidentes da paisagem -, finalmente libertos da confusão da humanidade. Este era o autor cujo maior pesadelo, afirmava em entrevista, era de esquecer-se de onde vivia e jamais conseguir voltar a casa.

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O Dia Em Que Os Robôs Acordaram, uma curta-metragem simpática e interessante que venceu o prémio do público no festival de FC de Londres. Apesar da história algo desequilibrada (havia necessidade de acrescentar a Londres 2.0?), do pouco entusiasmo da voz narrativa, e do monótono antropomorfismo dos robôs (teria sido divertido ver robôs construidos a partir de peças de bicicletas, fogões, chaleiras...), fica a imagem de uma Londres coberta de vegetação, a boa opção da rima, muito depois de termos partido, e um exemplo como se pode fazer uma boa curta de FC para crianças com poucos meios.

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09 Maio 2009

233º C, que é como quem diz 451º F. Meryl Streep a ler um breve trecho da obra de Bradbury. Quem estiver mais interessado no original, pode ficar com a voz do próprio autor. Entre nós, teve uma recente edição pelas Publicações Europa-América. Via Bibliofilmes Festival.

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05 Maio 2009

De Tempos Idos. 

João Barreiros, Luís Filipe Silva, Daniel Tércio, Maria de Menezes

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Só Nos Lembramos Deles quando já cá não estão, e depois ficamos com saudades. A minha recente lembrança a respeito deste senhor, que de entre as boas memórias a preto-e-branco que deixa se mistura a sensação exasperada de ter assistido a algumas das animações mais entediantes de que há memória (alvo desta auto-paródia que reproduzo do blogue do Jorge), passou por ter descoberto em Praga um verdadeiro apreço pela obra de Znedek Miller e por esta singela toupeira, cujas façanhas o Vasco Granja diligentemente ia apresentando nas matinés infantis. Aqui e agora, em destaque efémero. Até sempre.

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Vencer Um Prémio, em particular um que seja atribuído pelos pares, ou seja, pelos outros escritores, é normalmente uma faca de dois gumes, pois os melhores escritores não serão os melhores leitores, estando atentos a pormenores de técnica e gesticulação e coisas estranhas como inovações no encaixe das vozes narrativas e dos tempos de acção e a experimentalismos dos modos verbais e à capacidade de construir frases inteiras que percorram páginas infindas sem um único momento de pausa ou de respiração como se o pensamento fosse assim, ininterrupto, contínuo como o caudal de um rio, em que ideia gera ideia e tudo corre numa direcção única e contida, ao invés de ser disperso, múltiplo e baralhado como o eclodir de folhas numa rajada de vento, Poe enganou-nos bem com a sua demonstração de raciocínio dedutivo na literatura, ou terá sido Joyce, e o argumento em questão, de que este foi um desvio, estava em observar que os escritores irão premiar o engenho da escrita e não a escrita em si, muito ao contrário do leitor normal, que ao abrir a obra simplesmente quer que esta lhe aconteça. Felizmente há autores capazes de agradar aos dois tipos de público, e, como Ursula LeGuin, transceder os géneros (não no sentido de escrever para além destes, como se isso fosse sensato, mas de ser notada por quem não presta atenção aos nichos literários) e ser digna de menção no Guardian e na revista Ler (que poucas vezes surgirão em conjunto na mesma frase, desconfio), ao receber o sexto nébula pela obra infanto-juvenil Powers (ainda não editada em Portugal, mas ao contrário de tempos passados, em que o ritmo de publicação era lento, decerto que em breve a veremos nos nossos escaparates - se permanecerá o tempo suficiente para deixar marca, antes de ser engolida na voracidade das novidades, esse é um problema novo...)

Fica aqui uma pequena entrevista à autora a respeito da obra O Flagelo dos Céus (Publicações Europa-América), um romance sobre um rapaz que vai desfazendo os problemas da sua vida simplesmente por sonhar (inadvertidamente) com o seu desaparecimento. Também gostava...

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01 Maio 2009

O Pai da FC em meia dúzia de palavras e duas capas...

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27 Abril 2009

Em Obediência Ao Velho Ditame que os portugueses só olham para o passado, o 25 de Abril é um dos poucos acontecimentos históricos recentes que, inevitavelmente, serve de contraponto para situar histórias de encontros e desencontros, perspectivas pessoais, esperança e transformações, dada a natureza revolucionária. Torna-se assim triste ficar a saber, no decurso dos documentários apresentados durante o passado fim de semana nos nossos canais televisivos, que o principal instigador dos acontecimentos daquele dia tenha sido, após o inevitável cansaço da guerra, questões de pormenor relativas à carreira militar... Enfim, retira bastante da nobreza e do altruismo da ocasião, embora os actos e as decisões dos militares tomadas no decurso do movimento continuem a ser colocados no alto de um pedestral - e a decisão única, louvável, de evitar a todo o custo o derrame de sangue. Acontecimento romântico por excelência, traduziu-se numa capacidade de mobilização e motivação deste povo (inevitavelmente levado ao exagero em certas situações, antes de começar a acalmar face à crise que se lhe seguiu), a qual, efectivamente, apenas voltei a encontrar aquando do Euro 2004, que agora começa já a ser objecto de saudade... Mobilização e motivação que acaba por se traduzir em ficção intervencionista, ou pelo menos, repleta de insinuações (um romance nunca deveria causar menos impacto que uma arma carregada).

Não deixa de ser interessante notar que é um dos poucos momentos da nossa história que é alvo de análise (no formato romance) das possibilidades alternativas do seu desfecho. De acordo com o noticiário recente, Alvorada Desfeita de Diogo de Andrade é uma entrada recente para este cânone (ainda não me deparei com a obra nas livrarias para poder formular uma opinião), mas recordo-me de não ser a única - embora não tenha presente todas as obras, tenho encontrado, desde talvez o início deste século, versões publicadas em editoras menores sobre o que teria acontecido ao país se a Revolução dos Cravos não tivesse sido bem sucedida.

Esta necessidade de efabular um outro desfecho possível de um acontecimento histórico apenas encontra eco no regresso de D. Sebastião e no caso muito particular do exemplo falhado (enquanto exercício de história alternativa, como já tive ocasião de explicar) da conquista da capital aos mouros tal como retratado pela História do Cerco de Lisboa. Para uma terra repleta de passado e mergulhada de cabeça nos feitos de outrora como a nossa, é estranha a necessidade de respeito absoluto e reprodução total dos acontecimentos - sabendo nós que qualquer ficção histórica, por muito rigorosa que pretenda ser, acaba por tornar-se numa versão alternativa dos acontecimentos, nem que seja pela mera suposição que o desenlace e a participação dos intervenientes aconteceu em conformidade com os poucos registos existentes. Os nossos autores respeitam demasiado, subvertem pouco. Precisávamos de obras nas quais os Descobrimentos não tivessem ocorrido, ou tivessem sido ganhos por Castela. Nas quais o Estado Novo nunca se tivesse concretizado. Nas quais o exército napoleónico tivesse entrado e permanecido durante anos. Nas quais Isabel, A Católica tivesse preferido Afonso V ao aragonês D. Fernando e estabelecido uma diferente união ibérica. Na qual Colombo fosse financiado pelo reino portucalense e disseminado a nossa língua pela América do Norte. Ficções histórias baseadas em alternativas razoavelmente possíveis, sem motivações ulteriores e que sejam fruto de uma análise fundamentada - e não reflectindo possíveis fantasias utópicas inverosímeis, ou críticas políticas actuais disfarçadas de romance, como os casos de A.D. 2230 e Euronovela, para mencionar dois dos exemplos mais conhecidos.

Que Portugal teríamos, então? Que povo, que mentalidade? De que feitos nos poderíamos orgulhar? Que futuro se nos depararia? Não basta descrevermos a imagem reflectida no espelho para nos sentirmos caracterizados. Por vezes, há que considerar o que poderíamos ter sido, e perceber quanto de nós se deve à permanência e quanto se deve à circunstância.

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