Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


09 Janeiro 2010

Nos Seus Tempos Áureos a Ficção Cientifica propunha-se como veículo filosófico da Ciência e do Homem - antes de ser a FC como conhecida hoje, ou mesmo a FC como foi iniciada por Júlio Verne e consubstanciada por Gernsback e Campbell. Refiro-me a exemplos como Frankenstein e às obras cosmológicas de Olaf Stapledon, ao trabalho de Lem, Dick e (em certa medida) Ballard. Autores para quem a preocupação subjacente era a colocação do Homem no contexto universal - o estabelecimento de uma perspectiva autónoma do tempo e inclusive do espaço - o aparecimento do ser alienígena enquanto ponto de referência para posicionar o ser humano. Questões válidas, questões de filosofia expressas de forma simplificada, acessível e intuitiva através do formato narrativo, que parece ser um dos melhores veículos de transmissão de informação e partilha de experiências entre as nossas mentes. O debate assentou na ficção como um corcel, mas a ficção não se deixa domesticar tão facilmente, e em breve a problemática da estética invadiria a intenção filosófica. Surge então o experimentalismo, a meta-literatura, o uso da temática especulativa não como cerne da obra mas como evento de superfície, como adorno e luzes cintilantes, enquanto a preocupação da escrita se centrava no conforto da experiência humana (paradoxalmente, negando a própria essência do surgimento deste género literário).

Não ajudaria obviamente que os cenários imaginados fossem apropriados, de forma consciente ou inadvertida, para disseminação de uma ordem social e política, solidificando as convicções defendidas pelo autor ou, mais habitualmente, ideias-feitas que, enquanto indivíduo da sua época, não se preocupara em questionar ou receara que afastasse o público leitor. Existe um muro em todos os nossos pensamentos e um muro mais circunscrito quando esses pensamentos são tornados públicos. A ficção científica seria, não pela intenção, mas pela sua prática, um objectivo condenado a falhar. Desde os tempos áureos, desde sempre.

A diferença nesses tempos é que, ao menos, tentava-se.

Da minha recente experiência de leitura de Blindsight, de Peter Watts, consigo retirar várias observações. Antes de tudo, que enquanto objecto literário, é uma peça confusa, desordenada, que desafia constantemente as noções básicas de ritmo, estrutura e envolvimento. Mas enquanto exemplo de ficção científica... uau! Transborda ideias e especulações sobre a natureza da consciência e da inteligência. Questiona o significado do ser humano, não na forma de um discurso florido e prosaico, mas como entidade de processamento de informação imperfeita e incapaz de atingir a compreensão plena devido precisamente às suas imperfeições e modo de funcionamento. É tão raro encontrar actualmente uma obra desta estatura, de tal arrojo epistemológico, que há que passar palavra e ansiar que a garrafa transportando esta mensagem alcance aquele ser solitário do outro lado do éter que possa sentir-se igualmente fascinado pela importância do tema. Sim, tenho perfeita consciência do escuro imenso que nos separa.

Este é o tipo de livros que arruma num canto todas as demais obras popularuchas que seguem o fluxo das modas. Hoje em dia são vampiros, amanhã zombies, ontem foram colónias lunares e tiros no vácuo. O recreio será sempre mais apetecível que a sala de aula, mas sem a aprendizagem, sem o trabalho, brincar não tem sentido.

Infelizmente - e isto é uma discussão para outras calendas - existe um excesso de brincadeira no nosso mercado, o que é o mesmo que dizer uma inexistência de obras fulcrais, as que definem a ficção científica. Não se deve culpar os editores (bem, não demasiado) porque, como todos, são vítimas de um hedonismo sufocante que descontroladamente enche as artérias do mercado de substâncias nocivas até matar o organismo. As nossas livrarias estão cheias de hamburgueres e nem sequer dos saborosos. Só pelo pecado de ofuscarem o brilho e impedirem a acessibilidade de obras como a acima mencionada todos esses livros mereciam o auto-da-fé.

Deixo-vos com um filósofo alemão, Thomas Metzinger, cujo trabalho sobre a consciência humana e o processo da modelização do «eu» se encontra no cerne de Blindsight. Entre as ideias radicais e inovadoras está a noção que a inteligência não requer uma consciência do próprio (self-awareness), que esta não passa de uma função auto-reguladora da mente - ou seja, tudo o demais, tudo o que somos e pensamos e sentimos é na verdade um efeito secundário, natural mas dispensável e muitas vezes contraproducente, do funcionamento da mente. Que tal este ponto de partida para a criação de extra-terrestres?...

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De Rima Em Rima, uma lista impressionante que combina com «Crazy Hair». E todas as palavras entre elas. De Neil Gaiman, claro.

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01 Janeiro 2010

O Ano Do (Segundo) Contacto. 2010 acabadinho de chegar e já há quem se lembre de Clarke, embora este não tenha vivido para observar Júpiter tornar-se num sol (mas 2001 é que era a data marcante, afinal). Correm lá fora listas inúmeras que destacam o melhor do ano que passou como elogios fúnebres ao esquecimento em que amanhã estes mesmos destaques serão entregues. Por aqui, decidiu-se evitar a tendência, não dar-se mais importância à importância que em devido momento se deu e deixar que a história se (re)conte por si mesma: a viagem no tempo é agora possível graças à nova zona de Arquivo, aqui ao lado. Mais outras actualizações, sendo uma das mais significativas a ausência de espaço para comentários, devido à descontinuação do serviço Haloscan. Espera-se que a situação seja temporária - não irei procurar nenhum serviço semelhante mas integrar tudo a nível do blogue e do software personalizado que o sustenta, o que implica trabalho de codificação. Quem quiser desabafar, fica o e-mail para contacto, também ao lado. Tudo o resto em seu devido tempo. Continuem por cá.

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24 Dezembro 2009

Aproxima-se O Final Do Ano, o que implica uma ideia de ciclo, o que conduz a uma necessidade de «encerrar capítulos», «virar a página» e «apreciar a história que passou». Falamos assim das nossas vidas. Sem dúvida que para tal contribuirá a sucessão de estações e o nosso progresso circular em torno do Sol. A noção de ciclo, de começo e retorno, do viajante que ressurgirá, encontra-se embrenhada nos nossos circuitos genéticos. Habitamos efectivamente espaços pequenos, fechados, e se nos deslocamos, vamos acompanhados da vontade da volta, para um lar primevo de desova ao qual sentimos que «pertencemos». Mas como diria e bem a sra. Ursula Le Guin, podemos voltar a casa desde que se entenda que casa é um sítio em que nunca estivemos.

A estória é-nos essencial. Olhar para trás, ver uma sequência de desenvolvimentos, antecipar o que há-de vir. Nesta quadra Natalícia, tão arbitrária como qualquer outra tradição e por esse mesmo motivo, escrita na pedra, deixo-vos com um conjunto de ligações a outros blogues que estão já silenciando-se ante as exigências que a verdadeira realidade impõe aos seus criadores:

- uma lista dos eventos de destaque no mundo televisivo e cinematrográfico norte-americano, com poucos destaques para livros e jogos, e um incrível esquecimento de filmes independentes como Moon.

- os únicos vampiros que me interessam (bem, aparte vampiras lésbicas, mas por motivos diferentes...)

- Silverberg chama Clarke de «amateur» com todas as letras desse francofonismo.

- David Soares oferece exemplares da vindoura reedição do romance Conspiração dos Antepassados. Sai dia 22 de Janeiro e é a primeira novidade de 2010. Grande capa!

- E do sempre movimentado Correio do Fantástico surge um conjunto de novidades: a crítica ao Dias da Peste do Fábio Fernandes, a primeira (e única) crítica ao Brinca Comigo!, as novidades da emergente colecção Mir (livros duplos como os antigos Ace!), o anúncio da participação de Larry Nolen como blogueiro internacional convidado, a crítica deste à antologia brasileira de Steampunk, e a entrevista com um chato cá da praça.

Mais novidades para depois do Natal. Ficam-se estes singelos refúgios, para quando os putos estiverem a fazer demasiado barulho e os adultos falarem de impostos, de dores reumáticas, das últimas imbecilidades dos nossos governantes e da qualidade literária do Miguel Sousa Tavares.

Bom Natal.

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23 Dezembro 2009

O Grande Destaque Natalício da FC portuguesa terá de ser a publicação do que, esperamos, seja o primeiro artigo de Nuno Fonseca para o blogue World SF, iniciando assim a contribuição lusófona para o grande discurso sobre a legitimidade da internacionalização da FC.

A questão que o Nuno coloca é fundamental: a crítica de barriga cheia é substancialmente diferente de quem tem de rastejar nos caixotes de lixo dos outros e viver das migalhas.

Por crítica entenda-se o conjunto de queixumes de autores internacionais de que não existem suficientes mulheres a escrever FC ou suficientes pessoas de cor ou de sexualidades alternativas – argumentos que, confesso, me parecem sempre tocar uma condição particular, pessoal, de quem os profere, mais do que reflectirem uma condição generalizada do género. Por outro lado, não pertencendo a nenhuma destas supostas condições excluídas nem vivendo num território em que os conflitos de raça se apresentem como socialmente dominantes, poderei ter uma visão deturpada. Não estando nós nos anos 50, tendo-nos libertado de um conjunto de preconceitos a nível social e cultural (a ponto de haver preconceitos contra quem mantém preconceitos), este discurso peca, a meu ver, por bafiento e repetitivo, e talvez o que se pretenda verdadeiramente seja um deslocar das preocupações da FC – digamos, de uma visão tecnológica do futuro para uma visão mística – mais conducentes à posição do país de origem do queixoso no panorama mundial. É natural que a atitude all-american-hero diga pouco a, por exemplo, um cidadão indiano e inclusive que, em grande medida e na condição de país ex-colonizado pelo ocidente, lhe seja ofensiva.

E contudo, como bem afirma o Nuno, é uma queixa de barriga cheia, porque um dos benefícios da colonização terá sido o legado da língua inglesa – como em tempos idos, o foi o do latim aqui na Península Ibérica (sim, já fomos nação colonizada). Um legado que permite aos autores manifestarem-se com maior facilidade na língua franca mundial, lerem e serem lidos sem grandes preocupações de tradução e, obviamente, queixarem-se com a devida facilidade de argumentação.

Admitamos que as migalhas são ricas em nutrientes – afinal, neste país temos actualmente igual acesso a todas as obras publicadas no mundo anglófono – e que, graças à tecnologia, existe uma democracia verdadeira face à possibilidade de participar no discurso opinativo. Contudo, no que toca à ficção, é impossível reflectir preocupações nacionais sem a árdua tarefa de escrever, publicar e criticar. Este triunvirato, como tenho tido oportunidade de defender em outros fóruns, é essencial para o desenvolvimento do género – de qualquer género, a bem dizer. E se neste caso, a escrita e publicação são, como o Nuno afirma correctamente, deficientes, afirmarei que a crítica ainda o será mais.

A maioria das obras nacionais surge e desaparece dos escaparates sem uma atenção mínima dos leitores. Àparte as considerações que possa ter enquanto autor, vejo passar pelas montras dezenas de romances históricos de novos autores lusitanos sem qualquer perspectivação da qualidade nem uma ideia dos temas e  épocas mais abordados ou do nível de fidelidade histórica. Algum deles me prenderia a atenção? Algum deles seria do meu agrado? Algum deles aborda de forma inovadora a santidade com que encaramos o nosso passado? Algum deles é rebelde? As capas pretendem vender e não é nelas que vamos encontrar estas respostas. Infelizmente também não o é nas poucas revistas de resenção literária nacionais, demasiado preocupadas em agradar a público e editores e demasiado generalistas para abordagens mais discursivas.

E por outro lado, abordando de frente preocupações de autor e entusiasta da FC&F, conheço bem de mais o padrão de soltar um livro no mercado e vê-lo cair em águas turvas, onde facilmente se afunda. Nem tudo foram más experiências – a antologia Por Universos Nunca Dantes Navegados, por exemplo, teve um conjunto apetecível e invulgar de comentários por essa internet fora. Não são, contudo, casos coerentes e sustentados, e é mais habitual ocorrerem publicações que recebem o mínimo de críticas ou mesmo uma ausência de comentários. Quantos números da Bang!, da extinta Nova e das restantes revistas electrónicas são alvo de comentários?

Sem este espelho que nos permita medir se estamos gordos e feios ou se somos supermodelo em ascensão, será difícil podar as ervas daninhas e permitir que o género se desenvolva.

Comentários poderão surgir relativamente à separação do romance paranormal e da fantasia heróica de índole tolkiena desta apreciação mais generalizada do género. Serão comentários normais, contudo creio que esta separação deverá existir e o Nuno fez bem em evidenciá-la. Um pouco como pássaros que se afastam do ninho – ou mais propriamente, um spinoff genético da espécie original –, estes movimentos literários têm expressividade suficiente no mercado e uma variedade de seguidores e criadores suficiente para se tornarem autónomos e poderem ser apreciados fora do contexto da FC&F. Se têm a diversidade necessária para poderem subsistir no futuro, só o tempo dirá. Como nas espécies, é pela inovação contínua e pela polinização cruzada de temas e interesses que um género continua a prender o interesse dos apreciadores – apreciadores estes que vão crescendo, vão tendo outros interesses, mais adultos, e começam a afastar-se do apreço original, encarando aquela moda da juventude como apenas isso. A verdade é que os géneros nem sempre crescem à mesma velocidade que os seguidores...

(This blog entry in English)

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22 Dezembro 2009

A Vantagem Do Descanso. Não digam a um português que um bom descanso resulta num melhor trabalho, senão ainda avariam o pobre coitado pelo conflito dialético. Fica no entanto um conselho bastante útil para o mundo empresarial - um ano sabático resulta num maior empenho à carreira.

(E antes que pensem que este blogue se rendeu ao poder da imagem - os últimos posts são referências a vídeos - está prometido um regresso em grande, ou mesmo em pequeno, a comentários compostos apenas por esses aborrecidos e imóveis blocos gráficos)

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19 Dezembro 2009

O Factor Humildade. Uma pequena exibição representando o nosso real valor neste imenso universo. Considerem a luz das estrelas distantes, que atravessou dezenas, centenas, milhares de anos-luz para vir morrer de encontro à vossa retina: destino cruel?

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16 Dezembro 2009

Vozes Do Passado. É sempre agradável conhecer os autores das histórias que nos acompanham desde o início dos tempos, dar-lhes voz e animação, ainda que tenhamos uma ideia clara do que irão afirmar quando se lhes pergunta se a FC é importante. A era Campbell e as eras Gold e Pohl que a seguiram não só produziram a ficção que hoje constitui ainda o pilar de referência do género como foram felizes em ficcionar-se a si mesmas - em grande medida graças às auto-biografias de Asimov e Pohl. Histórias de reuniões, projectos, debates sobre o futuro, episódios divertidos ou embaraçosos, os pioneiros da FC souberam descrever-se enquanto personagens com igual maestria, embora maior saudosismo, no decurso das poucas décadas que antecederam a New Wave. Pergunto-me o que ficará do nosso modesto grupo de Futurianos, e quem escreverá as Histórias de nós?

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