Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


14 Abril 2010

Não Se Trata De Destaque o facto de colocar aqui excepcionalmente um apontamento para a tristeza anónima do primeiro da sequência de comentários (e efectivamente, se é para alvitrar tristezas em público, então que sejam anónimas) mas aproveitar a ocasião e o exemplo (pois com tanto anonimato escreveu-se precisamente onde se queria lido) e mostrar-vos que também no meio irrisório e patético da FC nacional se encontra este tipo de triste gente. E se bem triste é esta triste gente, tanto mais triste se torna por nutrir invejas ou ressentimentos no patético e irrisório meio da FC nacional.

Este meio não vai habitualmente à televisão, não entra nas Correntes de Escritas nem Literaturas em Viagem, não faz telenovelas nem é convidado a escrever colunas insossas para os semanário da praça ao preço do diamante; e se integra colunas de revistas ou jornais nacionais é no papel do totó da aldeia, que vem falar de totozices para os demais totós, que é para não se sentirem excluidos da compra dos ditos jornais e revistas. Alguma vez o totó  participa no debate do que Realmente Interessa à gente da Literatura? Alguma vez o totó opina sobre os Bolaños de ocasião e ajuda a encher os bolsos e egos de todos os penduras locais das modas ditadas por Nova Iorque? Até diz que não quer, que não precisa, agarrado a uma pretensa marginalidade de um género que torna milionária muita boa gente lá fora.

Mas depois depara-se com a triste gente e vira rei. Afinal, só um rei tem seguidores e ressabiados. E se os seguidores podem ser mais ou menos fieis, a verdade é que os ressabiados são do público mais atento que existe. Escutam todas as palavras, decifram os significados escondidos de cada semântica, vão aos dicionários conferir ortografia e aos compêndios validar a gramática. À procura daquela falha, desta escorregadela, dessa incongruência. São o público dedicado que o país não tem, que a cultura não permite. É imaginá-los horas e anos e vida e energia dedicados a esta senda. É imaginá-los a fumegar ante afirmações certeiras, quais caniches de Pavlov - dá-se-lhes um choque eléctrico e saltitam no ar, a latir, irritadiços, com a cauda curta chamuscada, daquela forma pequenina e divertida que lhes é tão própria. Auf, auf, auf!

No final, o que fica? A validação de um estrelato, o orgulho de pertencer à douta companhia dos demais mencionados no fôlego, e o divertimento secreto de notar que, com tanto anonimato apregoado, esqueceram-se que a forma pessoal da escrita, meus caros, é cá uma linguaruda...

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07 Abril 2010

Em Tempos Que Já Lá Vão, a simpática Sarah Adamopoulos publicava no jornal Independente uma referência a um comentário meu na revista Ler, em que eu mencionava a possibilidade de (citação obtida de memória, não será textualmente exacta) «(...) o livro electrónico substituir o livro impresso e outras parvoíces, que se perdoam quando se lê O Futuro à Janela.» Obviamente que chegámos a 2010, quase vinte anos passados,e o livro tradicional não só não foi substituido, como a facilidade de produção artesanal com elevada qualidade, através do print-on-demand e desktop publishing, elevou a edição a níveis incomportáveis para a apreciação individual. Chegará o dia em que haverá livros editados sem terem um único comprador nem um único leitor, levados na enxurrada como pirilampos de vida breve...

Mas se o objecto livro não corre riscos de ser ultrapassado para já - enquanto se acertam e desacertam os aparelhómetros de leitura electrónica -, o que acontecerá à criatividade perante a evolução das redes sociais, das tecnologias colaborativas e da própria capacidade de interpretação sintática e sintagmática dos programas informáticos, à medida que estes se tornam aptos a descodificar e analisar as regras da linguagem natural?

Eis o desafio que a jornalista Maria Leonor Nunes me colocou há semanas, no decorrer da preparação de um artigo sobre a influência da tecnologia no processo artístico. Para complementar a visão científica com a do escritor. E devo dizer que foi o mais interessante desafio jornalístico dos últimos tempos.

O dossier foi publicado hoje no JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias e recomendo a todos, pela excelência do tema e da escrita. Um dossier como há muito não encontrava, recordando-me os textos extensos de opinião do suplemento literário do Público dos meus vinte e poucos anos, em que o João Barreiros e o José Manuel Morais iam apresentando os temas actuais e clássicos da FC. A acompanhar este dossier (do qual está publicado online apenas uma amostra), encontrarão um mini-conto inédito meu (era suposto ser apenas um par de frases em jeito de introdução ao tema, mas cresceu...) e outro do João Ramalho Santos, sobre possibilidades do futuro. O meu foi escrito a pensar em grande medida no público do jornal, pelo que apresenta um escritor a sentir na pele os efeitos imediatos de um Grande Irmão de secretária (que para qualquer escritor, será naturalmente o crítico literário) - se para o público em geral será um conto inócuo e divertido, desconfio que para os escritores tradicionais, protectores das suas palavras e decisões literárias, verão nele um terror com grande probabilidade de acontecer...

Uma nota final sobre a representação da Ficção Científica neste artigo, que não poderia ser mais positiva. Fala-se de futuro e possibilidades, de mudança face ao presente, consideram-se as tendências actuais na equação do devir. Em suma, vê-se a Ficção Científica em acção, a fazer o que sempre fez de melhor: recorrer as técnicas de extrapolação e colocar-nos numa realidade que, não sendo a nossa, não é de todo impossível de suceder. Mais do que apresentar autores em traços gerais e não os livros que escreveram, mais do que reproduzir desilusões e apatias e deixar uma memória vaga em quem lê de algo desinteressante e acabado, afirmaria que este é sem dúvida o melhor artigo sobre a apresentação das potencialidades da FC publicado num jornal nacional nos últimos anos. E sem dúvida que para isso contribuiu a entrevista e inclusão de cientistas, quiçá mais apostados num futuro glorioso que (pasme-se!) os defensores da FC cá da casa, em que me incluo. Uma lição para todos aprendermos.

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04 Abril 2010

Ficções Gratuitas. O género fantástico vai, semana a semana, sendo enriquecido com textos disponibilizados na internet pelos autores lusófonos. Destaque para as últimas contribuições de que tive conhecimento. Quem quiser participar, deverá anunciar-se no Twitter com a etiqueta #contosfc. Só serão considerados textos integrais em blogues e revistas online (fóruns não contam, e publicações em série apenas quando cada parte se apresentar completa).

 

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03 Abril 2010

DIAS DE POLPA (I). O número 72 de Tenebras apresentava já os sinais de decadência próprios de uma revista em vias de terminar: a periodicidade passara de semanal para quinzenal, o número de páginas reduzira-se e o conteúdo era quase completamente composto por material republicado ou reaproveitado da congénere espanhola (cuja banda desenhada inclusive chegaria a publicar no castelhano original).

Foi, como muitas outras, uma revista para rapazes que chegou e partiu sem grande furor, tendo no entanto conseguido o feito de apresentar ao público nacional pranchas do mítico  Tarzan, desenhadas por Foster e Hogarth - algo que, por sinal, acabaria em entrar em concorrência directa com o Diabrete, de mais saudosa e permanente memória, o qual se antecipara a incluir nas suas páginas as histórias desenhadas do herói de Burroughs. No entanto, o Tarzan de Tenebras acabaria por seguir os moldes da versão espanhola, algo que agradava à censura de então, pois tudo o que mostrasse um pedaço de pele a mais era devidamente coberto a mando dos censores franquistas, tão ou mais acérrimos que os nossos (embora não tão fundamentalistas quanto os italianos, que não permitiam sequer que o Tarzan mostrasse a peitaça...) - e, num aparte, como por vezes as histórias não chegavam a tempo à editora espanhola e esta via-se obrigada a recorrer a desenhadores da casa (Iranzo, Blasco, Alfonso Figueras), os leitores portugueses eram presenteados (em igual desconhecimento de causa que os leitores do país vizinho) com sequências de aventuras de que nem o público norte-americano tinha conhecimento...

O grau de amadorismo da publicação, comparada com os exemplos mais interessantes e populares do Diabrete e Mosquito, que alcançaram tiragens na ordem dos milhares,^acabaria por aliar-se a dificuldades na distribuição e afastar Tenebras do público potencial, vetando a revista ao fracasso.

Ainda assim, conseguiria assegurar a inclusão de autores nacionais, entre eles Fred Kartas (a ubíqua Anne Sophie von und zu Hadegg) com os primeiros contos do Espectro da Noite, e principalmente Tiago Rosa, o malogrado jornalista e escritor dos anos 20/30 cuja obra, hoje praticamente desaparecida, foi sendo salva esporadicamente do oblívio por republicações clandestinas, como a deste número de Tenebras.

No caso particular de o «Inconsciente», terá sido o editor-assistente, um certo jovem de nome Farias de Oliveira (de quem apenas sabemos que terá ingressado como moço de recados no Diário Popular aquando da inauguração deste em 1942, logo rapidamente solicitado para dar uma ajuda adicional às revistas populares da tipografia, não obstante a sua absoluta inexperiência editorial), a recuperar o texto de um exemplar da revista anti-Modernista O Sapo de Fraque que existia ainda na biblioteca do pai. Como do Sapo de Fraque não há mais memória (em particular da paródia negra ao Homem Invisível em terras lusas, também da autoria de Tiago Rosa), ficaria o «Inconsciente» para a posteridade como o primeiro exemplo das histórias tenebrosas que se tornariam no apanágio deste autor...

Existia na escura realidade de uma masmorra baixa e com arcos, qual inconsciente recalcado. E era precisamente esse o nome — o Inconsciente — com que os monges do convento o haviam estigmatizado. Mantinham-no em clausura constante e cega, desnutrindo-lhe o ser desde o dia em que foram dar com ele, pouco mais que recém-nascido, à porta do isolado convento. O facto de que mantinha sempre os olhos abertos, em olhar negro e penetrante, sem nunca se fecharem ou mesmo pestanejarem, foi o motivo que levou os monges a alimentar a crença de que o seu nascimento havia sido presidido pelo Diabo, de modo que se apressaram a considerá-lo uma criatura ínfera e que devia, por isso, ser mantida fechada e escondida abaixo do nível do solo.

...o qual poderá (re)ler n'Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa, em breve numa banca perto de si.

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02 Abril 2010

Estes Bizarros Seres Com As Suas Bizarras Obsessões sobrevivem em condições miseráveis, dependentes das migalhas que o mundo lhes lança depois de se ter consumido numa orgia de moda, carros, sexo, dinheiro, conflitos e demagogias - situação que não é estranha aos escritores de Ficção Científica. Sim, o LHC pode ser um projecto esotérico e caro, mas há objectivo mais vital para a perpetuação da raça humana, no longo prazo, que o de entender como funciona o universo? É preciso mendigar por atenção? Esta semana fomos testemunhas de que conseguimos gerar energias e dar luz a partículas (e quem sabe, outros nano-universos) que só surgem, normalmente, em condições específicas e extremas do espaçotempo. Conseguimos entender o que isto significa? Infelizmente, os nossos cérebros reptilianos não conseguem evitar a reacção primitiva ao brilho das moissanitas da civilização - e o progresso científico, que requer funções mais elevadas da mente, fica assim para trás, o diamante em bruto de uma cultura que não existiria sem a sua contribuição. Ao menos existem uns seres que, em jeito de subversão, disseminam as histórias e os fantasmas associados a estes feitos...

Físicos no CERN

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29 Março 2010

Referência Para Autores: dez anos de construção da Estação Espacial Internacional. Tanto tempo como o previsto para o projecto do TGV nacional, e mais barata e útil para a Humanidade, mas não fica tão vistosa nos comícios.

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27 Março 2010

É Inegável Afirmar Que Por Detrás desta mostra reside uma paixão imensa. Não se coleccionam revistas antigas, de fabrico artesanal e pouco polido; nem folhetos de encontros breves, idos no tempo, cujos pormenores já não serão sequer recordados pelos participantes; nem exemplares de edições baratas com autores desconhecidos e capas aberrantes, daqueles que não brilham nas prateleiras nem assombram convidados – não se faz isto sem uma devoção imensa. Uma devoção que resiste ao desgaste. Uma devoção como a de outros fãs, espalhados pelo mundo e pelas décadas, que certamente encontrariam aqui um espelho da sua própria condição. Existe esta condição solitária, insana, que por algum motivo nos une. Esta vontade, universal entre o grupo bizarro de pessoas supostamente crescidas que decidiram dedicar anos de vida à Ficção Científica. Aprecia-se a montra, e a vontade do guardar memória contra a decadência e a entropia é o tom predominante. Adivinha-se o cheiro a mofo, o toque áspero do papel envelhecido, os cantos dobrados, as cicatrizes amarelas da idade. Tudo isto é perfeitamente compreensível. Tudo isto nos faz voltar para descobrir a nova página da exposição em curso. E no entanto, estranha-se o silêncio. Que nenhuma das apresentações individuais traga informação de contexto, nem histórias da sua descoberta, nem o ambiente da sua aquisição. Apresentadas assim, solitárias no enquadramento de uma página, como testemunhas de não mais que a sua própria existência. De certo modo, há uma validade em descobri-las virgens, e procurar encaixar num puzzle complexo de referências culturais e indicações editoriais cada uma destas pétalas oferecidas, tendo como desafio obter a imagem total. Mas um retrato sem pormenores não fala de vida, fala de morte. Estranha-se – mas porque é uma opção, entristece-nos principalmente. Talvez a cifra esteja afinal escondida na singela obra de capa amarela, irreverente e ambiciosa e esquecida como qualquer glória de antanho. Talvez nela estejam todas as referências, todos os contextos, qual apêndice das imagens mostradas ou, quiçá, a obra principal que as antecede. Como as paixões imensas, as paixões caladas, como a história da nossa FC.

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