Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


31 Julho 2011

Decorreu De Forma Discreta e aprazível uma sessão de leitura conjunta d’O Futuro à Janela, colectânea que atingiu já a maioridade − ainda que há muito tenha fugido de casa −, tal como descrita aqui. Aos organizadores, agradeço a iniciativa, e aos participantes, agradeço os comentários. Como indiquei que faria, regresso aos meus próprios textos, que já não revia há anos, com breves anotações individuais, seguindo o exemplo do grupo.

Prefácio à Versão Digital

Disponibilizar o livro online trouxe uma visibilidade marginal, com destaque no contacto com alguns leitores brasileiros que tinham dificuldade em encontrar a edição da Caminho. O número de downloads não se traduz necessariamente em número de leituras, pois apercebi-me que a leitura num ecrã continua a ser um impedimento para muitos − impedimento que não se soluciona com a impressão de um ficheiro de quase duzentas páginas, obviamente. Aos poucos, os e-book readers irão esbatendo esta dificuldade e antes que a década termine certamente que teremos assistido a uma mudança de paradigma no que concerne à experiência de leitura. (O facto de ter disponibilizado gratuitamente conduz, sem dúvida, a algum preconceito, pois a nossa natureza troiana faz-nos desconfiar de presentes de estranhos e apenas damos valor ao que nos custa dinheiro.)

Ainda que o formato papel constitua uma experiência mais completa que a contraparte electrónica − nem que seja a nível táctil −, a cada dia encontro menos motivo para a produção industrial do livro impresso, quando este não passa da mera compilação de palavras e do arranjo ordenado de capítulos e secções.

Convenhamos: a maior parte dos romances, colectâneas e ensaios que se produzem actualmente não são objectos de arte. São cadernos de papel, cortados e colados e despachados para as livrarias, por vezes com imperfeições visíveis e destinados ao esquecimento rápido. Requerem um incómodo mínimo de transporte e guarida – pelo volume, pelo peso e pelo espaço que ocupam. E são caros. São caros quando se considera a necessidade final do consumidor, que é ler.

Cerca de três quartos do preço unitário do livro destinam-se pagar tudo aquilo que é adicional e externo à satisfação desta necessidade; paga distribuidores, livrarias, gráficas, publicidade, armazéns; paga a gasolina, os ordenados, as despesas administrativas, os impostos de toda esta actividade; paga o papel e a tinta e a manutenção das impressoras e o funcionamento das guilhotinas, o empacotamento, o material do empacotamento. Paga, afinal, a transformação massificada de um documento electrónico num objecto físico, produzido num local centralizado e expedido para diversos locais do país e do mundo, de forma a chegar às mãos dos leitores.

E contudo, se não existisse aquela fonte primordial que é a razão de ser do livro, em primeiro lugar – o texto, o conteúdo –, nada disto faria sentido. Seriam expedidos milhares de volumes de capas e folhas em branco, que ninguém compraria. Não é, portanto, razoável que o texto seja remunerado, em termos comparativos, com uma miserável fatia. O texto – produzido por um autor, polido por um revisor, apreciado e melhorado por um bom editor e ilustrado por um desenhador –, a razão fundamental da leitura, é relegado para segundo ou terceiro plano na divisão final do investimento.

Daí que encare a vinda dos livros electrónicos como algo de muito positivo. Eliminando a intermediação desnecessária. Reduzindo o preço unitário. Colocando o leitor em contacto directo com o autor, e vice-versa. E permitindo que se pague o que vale a pena ser pago, que é o conteúdo. O livro impresso continuará a ter o seu lugar, mas ocupado por obras que, pela sua natureza ilustrada ou a nível de formato específico, constituirão, a par do prazer da leitura, objectos de arte. Fará sentido a versão papel quando esta constitua uma experiência única que o e-book reader não consiga proporcionar.

Até acontecer a alteração do status quo (os comportamentos determinam o sistema de valores, e não o contrário; se as novas gerações migrarem em massa para o formato electrónico, quem escolha o formato papel passará a ser considerado como antiquado ou irreverente, consoante o caso particular, mas já não fará parte da «norma»), um autor desconhecido pode utilizar a disponibilização de excertos ou textos integrais na internet como meio de divulgação de baixo custo de modo a conquistar público e conseguir apresentar ao editor tradicional ao mais que o mero manuscrito. Escrever é mais fácil que conseguir que nos leiam. Ainda hoje me espanta que, de todas as obras submetidas ao prémio Bang! de literatura fantástica e que não foram entretanto publicadas por outros meios, não consiga encontrar nenhuma no formato virtual – não consiga, afinal, encontrar um autor que considerasse indevida a decisão e, acreditando na obra e no seu trabalho, se esforçasse para o divulgar. Se nem o dono se interessa, por que se interessaria um estranho?

(Continua...)

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21 Julho 2011

Razões Porque Gosto Da Ficção Científica -1. Melissa Marr, ao falar sobre o seu novo romance Graveminder, mais uma história em que a fronteira entre a vida e a morte se atenua de um modo impossível de concretizar no mundo real (outra forma de dizer que inclui zombies), numa entrevista ao podcast Agony Column, refere que um dos desafios que defrontou durante o processo de escrita foi a de perceber se haveria redenção moral para um personagem que tinha acabado de comer uma pessoa viva... ao que pensei, Só aqui.

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03 Julho 2011

Pequeno E Conciso. Mais divertido que assistir ao Indie Lisboa, e praticamente com a mesma relevância para a arte cinematográfica.

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Já Se Passaram Vinte Anos desde a estreia deste filme! Em Portugal, lembro-me de o ter visto em arredores de Setembro, no cinema S. Jorge. Era o início da era dos efeitos digitais, a que nos mostraria com pormenor fotográfico os territórios da Ficção Científica. Mal sabíamos nós que assistíamos ao fim desse sonho de futuro, e que a nova tecnologia seria apropriada para dar vida a um mundo medieval com anões peludos, um ser com uma vozinha irritante e um enredo deveras insuportável.

O Exterminador Implacável 2

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28 Junho 2011

Acontece Que Alguns Leitores, tendo sabido do aniversário da colectânea abaixo mencionada, decidiram incluir a provecta obra na sua actividade mensal de leitura e comentário conjunto. A eles lhe agradeço imenso, ficando a aguardar os comentários. Quem quiser participar, verbalmente ou na escuridão das filas traseiras, encontrará as simples regras aqui e o fórum de debate aqui. O bom disto é que nem é preciso comprar o livro, pois está disponível gratuitamente. Também percebi que, passados tantos anos, até eu consigo apreciar com o distanciamento de um estranho. E já tenho a catana crítica a postos. É para doer. O autor nem sabe o que o espera...

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25 Junho 2011

Quando Me Vierem Perguntar qual é o meu problema com a fantasia épica comercial - não a boa fantasia épica, a que é sentida e ponderada, mas a que se obtém da mistura instântanea de imagens medievais e gente branca a cavalo -, esfrego-lhes esta palestra na cara. Não há maior ofensa para o género fantástico que a recusa em admitir o potencial criativo da espécie humana, ofensa cuja última e mais pública manifestação se traduziu numa recusa peremptória de um certo autor lusitano em introduzir o elemento da pólvora no seu universo fantástico, como se a liberdade da invenção se pudesse recusar aos personagens e o mundo real não reclame para si a capacidade de mudar. É possível depois dizer-se que se escreve ficção? Não há maior perda que o desperdício de centenas de páginas numa narrativa sem consequências. Como é possível escrever tanto e dizer tão pouco? Como é possível aceitarmos que uma outra literatura, quando se depara com tal dimensão, consiga produzir obras imortais, como O Homem Sem Qualidades e a Guerra e Paz e até Em Busca do Tempo Perdido, e à nossa reste a inutilidade de um Jordan que não inspira sequer uma citação banal?

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18 Junho 2011

Como Qualquer Propriedade Quântica que se preze, o tempo é igualmente absoluto e relativo. Parece que, ontem, 17 de Junho, se celebraram os vinte anos da tarde em que recebi o telefonema do Belmiro Guimarães a notificar-me que tinha ganho o prémio Caminho de Ficção Cientifica desse ano. O primeiro livro publicado! Nesses tempos de edição restritiva, poucas editoras, nenhuma aposta nos livros portugueses do género e absoluta falta de divulgação que não fosse custeada em anúncios nos meios de comunicação, era um passo imprescindível para uma contribuição mais efectiva para o género. Quem vive hoje no jardim actual tem dificuldade em perceber como nos movíamos nesse quintal a que então chamávamos jardim. Depois de uma passagem pela existência física, com duas edições distintas (das quais, relembro, só a do Círculo de Leitores tem o texto correcto e integral, sem as gralhas da edição da Caminho), decidi há uns anos dar-lhe fôlego virtual, para o socorrer da obscuridade e por que sim, por que surgiram efectivamente estas pequenas janelas electrónicas de bolso e de bolsa que nos dão passagem para um universo paralelo ao nosso, feito apenas de informação, um universo da mente, uma tecnofantasia.

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05 Junho 2011

Por Muito Que Gostasse, ainda não consigo ver, no final do dia de hoje, o sinal da entrada deste país no futuro. Não me refiro aos obstáculos económicos da presente conjuntura, que, qual doença prolongada, nos custará muito a sarar, mas a uma mudança radical de atitude perante o mundo da actualidade e do nosso contributo nele. Não vejo ainda este país com coragem para sair de casa e abandonar o ninho. Para tentar voar, arriscando-se a ficar esmagado lá em baixo. A desfazer-se daquele pânico do desamparo, qual virgem ansiosa. A rejeitar por fim a necessidade exagerada de apoio do Estado e de imobilidade profissional. A não precisar de paizinho público nem mãezinha grande-empresa e conseguir subsistir por si mesmo. A cancelar subsídios públicos a sectores irrelevantes, orientando-os, sim, para a investigação científica. A premiar fiscalmente a pequena iniciativa privada, a empresa familiar, dinamizando o auto-emprego e incentivando a criatividade individual. A considerar a privatização do funcionalismo público como solução mais original e humana que a alternativa injusta do mero despedimento. A deixar, por fim, de ser medricas. Eis um país que se emancipou em 1974 mas que permaneceu na casa dos pais, qual Cinderela despeitada que, agora que a madrinha malvada tinha sido corrida a pontapé, exigia o tratamento condigno a que fora negada. O Estado que pague a renda. O Estado que nos faça o jantar. Se o 25 de Abril ofereceu numa mão a liberdade, na outra deixou-nos este aborto de legado - um legado de proteccionismo que já vinha do passado, embora com destinatários diferentes. Quarenta anos depois, apresentam-nos a conta.

A pior situação é a dos precários. Não deve ser nada fácil ser-se jovem e cair num mercado de trabalho avariado. Em particular por que não lhes tinha sido prometido isso. O emprego é como o casamento, filho, é para toda a vida - ter-lhes-à sido dito, como foi dito à minha geração. O que para nós já não foi bem verdade, para a nova geração é um engano desmesurado. Assim temos vivido neste mundo perfeito, em que o maná escorre dos céus e amanhã será como hoje. Mais do que ninguém, a nova geração constituirá a mudança - por que se estão a ver forçados a abrir os olhos e nadar -, e passarão a mensagem correcta aos filhos. O emprego é uma situação na tua vida. Tu decides a tua carreira. Tu lutas pelas oportunidades. E se não conseguires, é por que não querias com a força suficiente.

A liberdade não exige apenas responsabilidade - exige actuação. Actuação individual. Há quarenta anos abrimos a porta da gaiola e degolámos o dono. Mas depois percebemos que o mundo lá fora não era fácil de dominar. E depois havia aqueles senhores a quererem encher-nos o bebedouro e injectar-nos vitaminas na forma de acordos de comércio e empréstimos internacionais. Que necessidade tínhamos de sair para o mundo e arriscar-nos a partir uma asa? Que vontade havia de sair da gaiola?

Está longe de ser uma postura dogmática, e muito menos partidária - apenas o pragmatismo de olhar para os outros países. Olhar, e perceber que também falharam onde nós falhámos. Estamos na arca deste mundo, desta sociedade tecnocrática que construimos, juntos.

Claro que o verdadeiro remédio será eliminar o dinheiro e a ilusão da economia e o fascínio do instante, e construir uma sociedade a longo prazo com uma gestão racional dos recursos, apoiada nas teorias científicas e comportamentais sobre o verdadeiro significado da felicidade - lá chegaremos quando as Inteligências Artificiais começarem a dominar tudo isto.

Mas, como dizia, o dia de hoje pouco ou nada representa. Esta não foi a vontade que determinou a mudança partidária. Ninguém se preocupa com o futuro, tal como ninguém lhe apetece ler ficção científica. A mudança virá com o empurrão da necessidade imperiosa, e essa será independente da liderança do momento. Vai custar mais, vai obrigar a sacrifícios, vamos ter de viver debaixo da ponte, ao relento. No entanto, como bons portugueses, vamos desenrascar-nos. Pois se já o fazemos há quase mil anos...

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