Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


18 Dezembro 2022

Sobre a escrita de cenas de acção - uma das perguntas da entrevista feita pelo Bruno à qual dei a resposta que podem ler aqui (assinem a newsletter!) -, eis um exemplo inteligente de como integrar enredo, envolvimento emocional e coreografia física. Trata-se também de uma história de fantasia cujos elementos fantásticos são usados como tempero, para dar um sabor intrigante, ainda que não sejam fundamentais para a sua confecção (por outras palavras, a história manteria a narrativa essencial se todas as referências ao «outro mundo» fossem extirpadas ou substituídas por alternativas mais banais). Neste caso, poderemos realmente classificar esta história como fantasia? Uma discussão que se alongaria noite dentro...

Destaque também para alguns comentários da autora na respectiva entrevista que acompanha o conto (negrito meu): «Rather than my characters behaving in unexpected ways, I struggle most with their inclination towards inaction. (...) I spend a truly horrible amount of time trying to wrench the plot around to force them into action despite the risks and consequences that they’re afraid of Uma abordagem narrativa que é, não só contrária à apetência tradicional da ficção popular pelo movimento, como utiliza a acção como forma de resistência, e sabemos nós que é pela resistência que as personagens mais se revelam. Procurem estar atentos a estas pérolas de sabedoria, mais preciosas e económicas do que muitos cursos de escrita criativa.

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01 Dezembro 2022

Não sendo tanto uma recensão, mas uma nota opinativa: O Lixo na Minha Cabeça de Hugo van der Ding (Oficina do Livro, 2022) é uma recolha oportuna dos sketches humorísticos que tornaram este autor famoso nas redes sociais. São vinhetas de traço despretensioso (no sentido em que aparenta ser rabiscado à pressa - ou então, é uma imperfeição estudada) com texto a acompanhar - normalmente diálogos, e nos quais reside a essência do humor -, e que nesta edição se encontram organizadas por secções temáticas, com personagens diversas que (presumo) foram ganhando destaque junto dos leitores ao longo do tempo. Deparamo-nos com trocadilhos semântico-visuais (representações insólitas de lugares comuns do português falado) e comportamentos incorrectos, quando as personagens agem contrariamente ao papel que a sociedade lhes impõe (a psicóloga que se está a borrifar para os pacientes, a avó com desejos «impróprios para a sua idade», e até gatos que detestam a dona). Obviamente, são estes últimos os mais interessantes, além dos mais engraçados, pela sua rebeldia, juvenil mas acutilante, que se dirige à inconformidade latente que possa existir dentro de cada leitor. Esta técnica perspicaz confere às personagens, porque a atitude delas nos choca, uma solidez que literariamente não possuem - muito como o desenho de sombras sugere tridimensionalidade a uma imagem no papel -, pois tudo o que reage nos parece ter vida própria. Ainda assim, o autor mantém-se sempre dentro de um registo universal, visando o quotidiano, isentando a obra de opiniões demagógicas, contra o hábito que enferma (outros diriam, influencia) o humor recente de alguns dos nossos melhores comediantes (apesar de, ocasionalmente, estes acertarem na mouche, seja-se justo). Encontrei dois problemas nesta edição: um menor, que é a falta de explicação sobre a ordem das vinhetas (se cronológica, por data de criação, se outra), pois não é evidente; e um maior, no facto de se terem inserido vinhetas com bastante texto em páginas que contêm duas ou três seguidas, com a necessária redução de tamanho, pois dificulta a leitura. Opinião final: receita-se vivamente, como remédio contra dias cinzentos.

capa do livro

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06 Novembro 2022

Ecos da GalxMente. Negritos, meus.

What would our own death feel and taste like—as an experience rather than a moral and moralizing experiment [...]? That is a question that seems to have plagued [Hilda] Hilst her entire life, and her tentative answer to it was twofold: firsthand experience of death was something that could be achieved through art, and, should that prove insufficient, by directly asking the dead themselves. What would it feel like to simply not be? And how can this be a knowledge we do not possess, considering we have spent, and will spend, billions of years in such state.

(Fonte)

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01 Novembro 2022

Manter acesa a paixão pela arte que comanda a nossa existência. Que nos escolheu a nós, mais do que a escolhemos. Contra desânimos e ausência de reconhecimento (ou sequer de comentários!). Eis o dia a dia de quem teve a fortuna (se fortuna tiver sido...) de abrir um livro de banda desenhada e ficar viciado. Viciado a sério - não se limitar a consumir, mas querer contribuir, produzir, criar, participar no jogo.

É um estado de alma familiar para certos indivíduos, motivo pelo qual O Fogo Sagrado, o pequeno e discreto álbum a solo que Derradé deu à luz ultimamente, lhes (nos) toca, sem dúvida. Nesse aspecto, é uma celebração contra o silêncio e a passividade de aceitar uma condição imposta: a do «mercado», que traduzindo-se à letra, revela falta de uma dinâmica de procura, por parte das grandes massas, por esta arte, procura que outros países souberam/foram capazes de impor há mais tempo. Aqui (leia-se: país colado à beira da Europa, como se raspado da sola do sapato), avança-se aos poucos, depois recua-se com força, e existimos num ir e vir de ondas. Não sabemos se terá fim, mas, como dizem os livros de auto-ajuda, «de tostão a tostão, passaste ao lado do milhão».

Desânimos à parte, O Fogo Sagrado é um importante testemunho de (uma vida de) perseverança, ou como outros dirão, teimosia saudável, de manter acesa a chama que identificamos como criação ou paixão, aquilo a que dedicamos os momentos da nossa vida - afinal, o que de mais sagrado temos para dar. E fica aqui o grande desejo, que o apelo se cumpra, que a Banda Desenhada exista. A vida é feita de Pequenos Nadas para que não acabe sendo um Grande. E se este foi mais um livro do confinamento... é como se diz, as crises desafiam. Setenta páginas da Escorpião Azul, e que venha o próximo!

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19 Setembro 2022

Nada de novo, portanto.

Ces deux romans, comme tant d'autres parus dans diverses maisons, montrent à l'évidence l'émergence de la Science-Fiction “blanche”, celle qui n'ose pas dire son nom mais qui, par un étrange phénomène de transfert, est plébiscitée par un public innocent, ignorant que cette littérature existe officiellement depuis près d'un siècle. Cherchez les responsables ! (fonte)

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15 Janeiro 2022

Merecidíssimo destaque ao artigo «Um estudo morfológico da Utopia n’O Balão aos Habitantes da Lua» (Porto: FLUP, 2011) de Maria Luísa Malato, apresentado no colóquio Por Prisão o Infinito. Tendo por orientação o tema da prisão e das liberdades, subjacente ao evento académico, e por mote a análise do texto oitocentista de José Daniel Rodrigues da Costa referido no título, realiza um percurso veloz mas exaustivo sobre as características1 e os anseios2 do tema utópico, bem como as estratégias narrativas de legitimação comumente encontradas pelos autores daquilo que são, frequentemente, visões muito pessoais e, logo, frágeis, tendenciosas, fáceis de atacar e derrubar.

Mas a par da análise crítica, encontramos no ensaio um agradável conjunto de (para nós) pequenos prazeres, tais como a refutação da hipótese, infelizmente pouco contestada, de não existirem utopias portuguesas - reconhecendo-se, contudo, que esta percepção possa derivar pela forma como se traça a fronteira dos cânones. Romper as fronteiras implica conhecer, e em jeito de evidência irrefutável o artigo sublinha o trabalho desenvolvido pelos institutos portugueses para resgatar as nossas utopias do esquecimento3. Num aparte pessoal, sabendo nós que a FC (filha bastada das utopias) herdou, e continua a herdar, as suas principais orientações de culturas e literaturas alheias às nossas, tendo encontrado pouca inspiração nas obras dos congéneres lusitanos, fica-nos a dúvida, ou talvez seja mais uma curiosidade, se conseguiremos enquadrar todos os textos utópicos redescobertos numa linha de continuidade temática... ou se padecerão do mesmo mal.

Para terminar, não posso deixar de citar esta pertinente conclusão sobre a natureza, quer das utopias quer das prisões que representam: «Talvez se possa então concluir o que os leitores frequentes de utopias intuem. Que toda a prisão gera desejos incontroláveis de infinito. E que toda a promessa de infinito é uma passagem para possíveis formas de prisão. Para vivermos numa prisão, bastará talvez, no limite, habituarmo-nos à ideia de que dela descobrimos uma evasão perfeita». A ler.


1A Utopia, aliás, raramente usa o nome da Utopia: aparece frequentemente como um Relato de viagem, uma Crónica, uma Notícia, uma Descrição, um Sonho, uma Carta, um Diálogo, uma Constituição. Um texto estatutário. Ou um “Poema heróicómico em um só canto”. Formas de disfarçar a utopia. Porque a Retórica da Utopia, como sucede frequentemente com a Retórica, só é eficaz se passar despercebida. Ou para segundo plano.
2 (...) desconfiemos pois dos nomes. As prisões, nem sempre se chamam “prisões”: os que as supõem espaços únicos, os que nelas nascem ou doutra coisa não guardam memória, chamam-lhes “lares”. Só quem conhece, ou quer, outra coisa, sabe o que é uma prisão. (...) A Utopia é um género onde se evoca frequentemente Ícaro, estouvado na sua ousadia, e o seu contraponto paterno, o prudente Dédalo, arquitecto preso no labirinto que ele próprio construiu.
3 O trabalho desenvolvido durante mais de seis anos pelo projecto Utopias Literárias, sedeado no Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, veio afinal mostrar que existem Utopias Portuguesas. Prova-o a Biblioteca e a Nova Biblioteca de Textos Utópicos portugueses entretanto editada. Refira-se a novidade de Utopias de Cordel e textos afins, da antologia de textos utópicos de Vasco José de Aguiar, utopista português do século XIX, ambas editadas por Jorge Bastos da Silva, de Irmânia, de Ângelo Jorge, de Felizes os que então viverem, de Joaquim Maria da Silva, da adaptação portuguesa d’Oque há-de ser o mundo no ano três mil, pacientemente comparada por Fátima Vieira, ou dos recentes Novelos de Sintra, de Jorge Telles de Menezes, para não citarmos os muitos estudos críticos sobre os muito ignorados utopistas portugueses…

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21 Novembro 2021

Estava muito discreto num canto da livraria. De imediato, percebi que era diferente, íntimo, incómodo. Uma colectânea de entrevistas, crónicas, excertos, comentários, apontamentos históricos - e muita memória. Uma forma diferente de retratar uma vida, com vinhetas, quais instantâneos de uma mostra. Em formato gráfico mas também teatral - cada parte, separada pela indicação «cai o pano»; cada passo, um prenúncio da tragédia. Infelizmente, conhecemos o desfecho antes de abrirmos a primeira página. Um poeta merecia melhor. A tristeza dos poetas é precisarem de ser homens antes de se tornarem eternos.

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