Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


16 Janeiro 2023

Após o final da gravação, em curta mas amena cavaqueira, lá acabei por perguntar ao Brian Jay Jones se ele teria omitido alguma passagem controversa da vida do Lucas, uma vez que o sujeito em causa era tão «bem comportadinho». Aparentemente, o tema mais vincado da personalidade em questão é precisamente o controlo, a necessidade de estar ao leme, o que, para um autor, não é minimamente polémico, mas a norma. Também aqui a necessidade, para o biógrafo, de manter o interesse, quer o da sua pesquisa quer o da leitura alheia. O primeiro filme da Guerra das Estrelas - ou Guerras Estelares, se quisermos traduzir à letra - teve um desenvolvimento caótico, mas se o resultado acabou por ser revolucionário foi sem dúvida também pela conjugação dos talentos de outros, um dos quais a própria esposa, Marcia, experiente em montar os filmes de Scorcese e, segundo o livro, tendo feito vários contributos essenciais (a morte de Obi-Wan, o conflito final, a navegação pela trincheira da Estrela da Morte) que deliciaram plateias mundiais no ano impossivelmente distante de 1978 (e que merecia ser biografada por mérito próprio). Já disse e repito: o primeiro episódio é um grande filme com uma péssima história - e ainda assim, toca uma série de acordes emocionais básicos que deixaria o seu charme num rapaz de oito anos. Por muito que agora saiba relativizar o fenómeno, a verdade é que cada novo filme da saga (e só deixei passar o Império, que vi depois do Regresso, e não fiquei impressionado) definia a vanguarda dos efeitos especiais. A obra em questão apresenta Lucas visto de fora, uma vez que o próprio negou acesso directo ao biógrafo e, portanto, tornou o projecto «não autorizado», com o seu quê de intimidatório, pois aborda um multimilionário em vida que tem um particular gosto por controlar tudo (este comentário estará na entrevista). No entanto, é uma pena que não se tenha podido abrir a cortina, e entender as influências principais do primeiro filme (há quem alegue um decalque de Kurosawa, o que, por mim, me parece uma influência excelente para uma space opera). De entre as curiosidades reveladas (que Harrison Ford podia ter seguido uma carreira de carpinteiro, por exemplo), espantou-me descobrir que o principal segredo do enredo - o Darth Vader ser pai do Luke - não constava das ideias iniciais, uma vez que, para mim, e para o meu pai, que me levou à estreia, a relação adivinhava-se à distância, por ser tão óbvia naquele tipo de filmes (sim, percebi-o naquela idade). O livro é agradável de ler, e quando entra nos capítulos dedicados aos filmes, ganha ritmo - o próprio Brian admitiu que estruturou o texto com truques de ficção, para manter o interesse. E para todos os efeitos, é um fenómeno do nosso tempo.

Capa do livro

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24 Dezembro 2022

Na época festiva, há por hábito dar prendas, e aqui não se foge ao preceito. O Natal, tal como hoje se conhece, pode assumir a forma de um evento cultural transnacional, afastado das suas origens e indiferente às condições de cada região (por exemplo, as diferenças de estação entre hemisfério norte e sul), mas nasceu de uma celebração à mudança dos dias e à viragem da precessão celeste que se deve exclusivamente à nossa dança em volta do Sol e do próprio planeta - aliada aos efeitos secundários no clima. O Natal tem, portanto, uma natureza intrinsecamente ligada com a Ficção Científica. Daí que seja mais do que adequado celebrá-lo dessa forma, para o qual vos remeto a um conto antigo. Sim, «Também Há Natal em Ganimedes» já tem barbas, mas sobrevive, agora numa versão mais composta, com ligeiras alterações para esclarecer ideias e suavizar atropelos de linguagem que enfermavam o estilo de um certo rapaz inexperiente. É um texto algo delicodoce, admito, principalmente na conclusão, mas ter de encher o mínimo de páginas necessárias para concorrer ao prémio Caminho, bem como fazê-lo em cima do prazo, condicionou a que fosse colhido à pressa, sem tempo para maturar. Foi dos últimos contos a incluir no manuscrito, quando percebi que as alternativas melhores não ficariam concluídas a tempo. Ainda assim, é bem disposto, e repudia a tragédia que facilmente se vislumbra no horizonte, em termos narrativos, para a simpática família retratada (o andarilho escapou da sua rota planeada? E pode danificar ou comprometer o funcionamento de um habitat humano? Hmmm...) Também me espantou descobrir depois esta antologia americana com igual nome - teria eu esbarrado antes com tal título, e este ficou dormente no meu subconsciente? A coincidência é espantosa, mas Ganimedes parece ter sido um local atraente para situar certo tipo de histórias. Faz de conta que honra uma certa tradição, e enquanto não o visitamos em presença, deleitemo-nos com estes olhares conhecedores. Feliz Natal!

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18 Dezembro 2022

Sobre a escrita de cenas de acção - uma das perguntas da entrevista feita pelo Bruno à qual dei a resposta que podem ler aqui (assinem a newsletter!) -, eis um exemplo inteligente de como integrar enredo, envolvimento emocional e coreografia física. Trata-se também de uma história de fantasia cujos elementos fantásticos são usados como tempero, para dar um sabor intrigante, ainda que não sejam fundamentais para a sua confecção (por outras palavras, a história manteria a narrativa essencial se todas as referências ao «outro mundo» fossem extirpadas ou substituídas por alternativas mais banais). Neste caso, poderemos realmente classificar esta história como fantasia? Uma discussão que se alongaria noite dentro...

Destaque também para alguns comentários da autora na respectiva entrevista que acompanha o conto (negrito meu): «Rather than my characters behaving in unexpected ways, I struggle most with their inclination towards inaction. (...) I spend a truly horrible amount of time trying to wrench the plot around to force them into action despite the risks and consequences that they’re afraid of Uma abordagem narrativa que é, não só contrária à apetência tradicional da ficção popular pelo movimento, como utiliza a acção como forma de resistência, e sabemos nós que é pela resistência que as personagens mais se revelam. Procurem estar atentos a estas pérolas de sabedoria, mais preciosas e económicas do que muitos cursos de escrita criativa.

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01 Dezembro 2022

Não sendo tanto uma recensão, mas uma nota opinativa: O Lixo na Minha Cabeça de Hugo van der Ding (Oficina do Livro, 2022) é uma recolha oportuna dos sketches humorísticos que tornaram este autor famoso nas redes sociais. São vinhetas de traço despretensioso (no sentido em que aparenta ser rabiscado à pressa - ou então, é uma imperfeição estudada) com texto a acompanhar - normalmente diálogos, e nos quais reside a essência do humor -, e que nesta edição se encontram organizadas por secções temáticas, com personagens diversas que (presumo) foram ganhando destaque junto dos leitores ao longo do tempo. Deparamo-nos com trocadilhos semântico-visuais (representações insólitas de lugares comuns do português falado) e comportamentos incorrectos, quando as personagens agem contrariamente ao papel que a sociedade lhes impõe (a psicóloga que se está a borrifar para os pacientes, a avó com desejos «impróprios para a sua idade», e até gatos que detestam a dona). Obviamente, são estes últimos os mais interessantes, além dos mais engraçados, pela sua rebeldia, juvenil mas acutilante, que se dirige à inconformidade latente que possa existir dentro de cada leitor. Esta técnica perspicaz confere às personagens, porque a atitude delas nos choca, uma solidez que literariamente não possuem - muito como o desenho de sombras sugere tridimensionalidade a uma imagem no papel -, pois tudo o que reage nos parece ter vida própria. Ainda assim, o autor mantém-se sempre dentro de um registo universal, visando o quotidiano, isentando a obra de opiniões demagógicas, contra o hábito que enferma (outros diriam, influencia) o humor recente de alguns dos nossos melhores comediantes (apesar de, ocasionalmente, estes acertarem na mouche, seja-se justo). Encontrei dois problemas nesta edição: um menor, que é a falta de explicação sobre a ordem das vinhetas (se cronológica, por data de criação, se outra), pois não é evidente; e um maior, no facto de se terem inserido vinhetas com bastante texto em páginas que contêm duas ou três seguidas, com a necessária redução de tamanho, pois dificulta a leitura. Opinião final: receita-se vivamente, como remédio contra dias cinzentos.

capa do livro

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06 Novembro 2022

Ecos da GalxMente. Negritos, meus.

What would our own death feel and taste like—as an experience rather than a moral and moralizing experiment [...]? That is a question that seems to have plagued [Hilda] Hilst her entire life, and her tentative answer to it was twofold: firsthand experience of death was something that could be achieved through art, and, should that prove insufficient, by directly asking the dead themselves. What would it feel like to simply not be? And how can this be a knowledge we do not possess, considering we have spent, and will spend, billions of years in such state.

(Fonte)

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01 Novembro 2022

Manter acesa a paixão pela arte que comanda a nossa existência. Que nos escolheu a nós, mais do que a escolhemos. Contra desânimos e ausência de reconhecimento (ou sequer de comentários!). Eis o dia a dia de quem teve a fortuna (se fortuna tiver sido...) de abrir um livro de banda desenhada e ficar viciado. Viciado a sério - não se limitar a consumir, mas querer contribuir, produzir, criar, participar no jogo.

É um estado de alma familiar para certos indivíduos, motivo pelo qual O Fogo Sagrado, o pequeno e discreto álbum a solo que Derradé deu à luz ultimamente, lhes (nos) toca, sem dúvida. Nesse aspecto, é uma celebração contra o silêncio e a passividade de aceitar uma condição imposta: a do «mercado», que traduzindo-se à letra, revela falta de uma dinâmica de procura, por parte das grandes massas, por esta arte, procura que outros países souberam/foram capazes de impor há mais tempo. Aqui (leia-se: país colado à beira da Europa, como se raspado da sola do sapato), avança-se aos poucos, depois recua-se com força, e existimos num ir e vir de ondas. Não sabemos se terá fim, mas, como dizem os livros de auto-ajuda, «de tostão a tostão, passaste ao lado do milhão».

Desânimos à parte, O Fogo Sagrado é um importante testemunho de (uma vida de) perseverança, ou como outros dirão, teimosia saudável, de manter acesa a chama que identificamos como criação ou paixão, aquilo a que dedicamos os momentos da nossa vida - afinal, o que de mais sagrado temos para dar. E fica aqui o grande desejo, que o apelo se cumpra, que a Banda Desenhada exista. A vida é feita de Pequenos Nadas para que não acabe sendo um Grande. E se este foi mais um livro do confinamento... é como se diz, as crises desafiam. Setenta páginas da Escorpião Azul, e que venha o próximo!

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19 Setembro 2022

Nada de novo, portanto.

Ces deux romans, comme tant d'autres parus dans diverses maisons, montrent à l'évidence l'émergence de la Science-Fiction “blanche”, celle qui n'ose pas dire son nom mais qui, par un étrange phénomène de transfert, est plébiscitée par un public innocent, ignorant que cette littérature existe officiellement depuis près d'un siècle. Cherchez les responsables ! (fonte)

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