Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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02 Agosto 2006

JEFF EM LISBOA. Foi há quase dois fins de semana que Jeff VanderMeer passou por Portugal e deixou a sua marca de simpatia e convivialidade. Quem esteva no meio teve acesso a um conjunto de saídas e visitas por alguns sítios turísticos (ai, Sintra e Belém, que faríamos sem vocês) ou jantares em conjunto. Os restantes tiveram oportunidade de vê-lo em acção na Fnac do Colombo, Lisboa, com a leitura de um excerto de A Transformação de Martin Lake e Vidas Secretas, e onde apresentou ainda uma versão inicial do que será um filme curto baseado no seu último livro, Shriek: An Afterword. Tudo isto por ocasião do lançamento de um pequeno volume onde estão reunidas, em português, algumas das suas novelas. Em breve farei uma crítica das mesmas, e do livro como um todo. Até lá fiquem-se com uma descrição feita pelo Luís Rodrigues, que incentivou tudo isto, da passagem de Jeff e da sua esposa Ann por Lisboa, algumas fotografias da sessão de lançamento e os primeiros quinze minutos em versão audio (18Mb) da mesma (infelizmente por motivos técnicos não consegui gravar a totalidade, e mesmo a qualidade não é das melhores, mas ao menos é um registo), onde poderão escutar o Luís Rodrigues a apresentar o autor, acompanhado do Pedro Marques, editor da Livros de Areia, e da leitura de um extracto de A Transformação de Martin Lake pelo autor..

(Ah, quem é Jeff VanderMeer? O senhor na imagem, obviamente. Que pergunta!...)

 

 

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30 Julho 2006

O DESAFIO DA BREVIDADE é particularmente interessante na ficção científica: o que torna uma frase, um texto, em FC? O que a separa de uma descrição do mundo contemporâneo, de literatura mainstream? E que extensão mínima requer esse texto para invocar o sentido do maravilhoso? Com maior ou menor consciência desta interrogação, este desafio tem tido várias manifestações no seio do pequeno grupo de entusiastas portugueses: começaram por ser os mini-contos de 150 palavras publicados no boletim mensal da associação Simetria, depois o meu «FC por SMS» (aqui, aqui e aqui) - FC em 160 caracteres -, sendo o último acontecimento na forma de Mini-Sagas (aqui exemplarmente explicado) - FC em 50 palavras exactas.

E porque alguns desafios são irresistíveis, não deixei de tentar a minha contribuição a este último (embora não tivesse participado no concurso) - apesar de, confesso, um mau entendimento das «regras» me fizesse considerar que 50 palavras eram limite máximo, e não para cumprir com exactidão. Aqui vão os resultados, com explicação de rodapé:

Primeira: Sem Título

AQUI JAZ

FRANCISCO JOSÉ SALGUEIRO MAIA

1944 - 1974

TRAIDOR À PÁTRIA

INSTIGADOR DA INSURREIÇÃO NACIONAL

INIMIGO DO POVO E DA NAÇÃO PORTUGUESA

ENTERRADO EM VALA CIVIL

DESTITUIDO DE HONRAS

EM MEMÓRIA DA COBARDIA MILITAR DE ABRIL

"DEUS É O ESTADO E O ESTADO É DEUS

E SALAZAR O SEU ETERNO NOME"

Segunda: Sem Título

Hesitou, o metal tinha um sabor desagradável, inesperado. Até no final a vida reservava surpresas. Isto comoveu-o, e receou chorar. Sabia que agia em vão. Que não o entenderiam como um sacrifício. Que quem o viesse a descobrir, dali a dias, leria na nota um conto de fantasia. Seria publicado? Ganharia um Hugo? Riu-se, o que lhe deu coragem para continuar. A verdade é que se borrifava para todos eles. Se não fosse a perspectiva da morte lenta e dolorosa, teria deixado a doença corroer-lhe a carne e abrir os portões do Inferno. Que melhor destino para a puta da Humanidade que sempre o desprezara?

 

Terceira: Contra a Demagogia

- Funciona assim, sr. Presidente: conta as palavras que profere a falar e escrever, e quando chega ao limite, zás! Liberta os contentores cheios de cianeto dos milhões de nanos nas suas veias. E ao fim de cinquenta palavras...
- Cinquenta palavras?!
- Quarenta e oito... – corrigiu maliciosamente o terrorista.

 

E como funcionam? Em que ponto, então, o banal se transforma em estranho, nos exemplos propostos? Analisemos muito rapidamente, com exposição de algumas técnicas de escrita utilizadas:

Na primeira, a manifestação ocorre na data de falecimento desse grande herói nacional que aos meros trinta anos ajudou a comandar um golpe de Estado: aqui sugere-se implicitamente que terá sido morto no cumprimento desse dever, primeira indicação de que o Movimento dos Capitães teria provavelmente falhado; o texto que segue torna-se na confirmação da suspeita e na solidificação de um Portugal que continuará sob a bota da ditadura e da propaganda fascista. É bastante minimalista, mas serve como exemplo que uma história não necessita de uma narrativa para funcionar, desde que se aproprie de uma imagem ou de um símbolo familiar para o leitor e o manipule de forma a obter os resultados desejados.

Na segunda, demasiado comprida para as regras (100 palavras), estamos perante uma situação de suicídio e sacrifício pessoal, mas que trará benefícios para a Humanidade. O motivo parece um «conto de fantasia». Porquê? «... a doença corroer-lhe a carne e abrir os portões do Inferno»: o protagonista sofre de uma doença que funciona como meio de transporte dos danados e que os soltaria entre nós, se a deixasse progredir pelo corpo (dark fantasy, portanto). A frase-chave fica ali perdida no meio de um acontecimento mais importante, o da escolha pessoal do momento da morte, e envolta numa questão ética (deveria ele, conhecendo a natureza da doença, sacrificar-se pelo bem da Humanidade? Numa história de heroísmo talvez isso acontecesse, mas aqui preferi assumir uma perspectiva mais cínica e apresentar um protagonista «que se borrifava para todos eles». Esta questão deriva da natureza da doença e não pode ser evitada no contexto da história, mas aqui é acompanhada de uma resposta). Esta mélange de temas carregados de significado é apresentado, em termos estilísticos, em media res, como se fosse um extracto de um conto maior. É uma técnica que gosto bastante de utilizar, pela subtileza e suavidade de abordagem. Para todos os efeitos, esse conto teve de existir, na minha cabeça, quando escrevi a mini-saga - ou antes, a percepção de uma narrativa maior, não concretizada, como uma sombra desfocada que paira antes e após do texto apresentado.

O terceiro é uma brincadeira com o próprio desafio, e apenas é ficção científica porque a nanotecnologia não está suficientemente desenvolvida para permitir o tipo de controlo e actuação apresentados. Dou-lhe vinte anos para se tornar mainstream...

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