Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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05 Novembro 2008

26 Dias de Pulp. A fórmula denigre o pulp. A solução banal embaratece a nobreza da história. A prosa indiferenciada nega a grande capacidade da literatura de transmitir sensações exactas quando as palavras são usadas com a precisão e a delicadeza do escalpelo. Nem tudo é narrativa, ou melhor dizendo, a narrativa não é só o que acontece do lado de fora.

(imagem propriedade de EC Comics)

Os rapazes ainda se encontravam a debater o título apropriado – A Terra que o Tempo Esqueceu, o Vale Perdido, um Pedaço do Passado, Aventura na Ilha dos Dinossauros, ou Bramem os Vulcões Pendores de Realidade (a última, claro, só podia ser sugestão do Fred) – quando o Tiranossauro veio a correr na nossa direcção.

Ora, possivelmente já terão visto uma destas humildes bestas nos noticiários das sessões de cinema: um monte de massa, músculo e dentes do tamanho de uma torre, que pesa centenas de toneladas e que se trata de um dos mais ferozes predadores de sempre.

O que essas imagens não transmitem é a estonteante velocidade daqueles bichos.

Um segundo a um bom quilómetro de distância. No segundo seguinte cem metros mais próximo. Nove segundos depois, estaríamos na barriga do monstro.

E nós ali parados, de mapa na mão, com os carros a uma distância que, embora curta, de repente parecia impossivelmente longínqua.

O monstro galgou um monte e saltou no ar, assentando sobre a terra com um estrondo. Um fio de baba corria-lhe da boca aberta e brilhava com as cores do arco-íris. Escancarou a boca num berro ensurdecedor. Nem sequer estava preocupado em que nos pudesse afugentar. Estava a divertir-se.

Diógenes guinchou como uma adolescente, deu uns passos atrás e caiu de rabo numa poça de água. Num gesto igualmente inútil, Passos puxou da automática .45. Aquelas balas nem lhe fariam cócegas. Os restantes nem se mexeram.

Puxei do maço de cigarros. Era o último. Tinha de comprar mais.

Quando ergui os olhos, o bicho não estaria a mais de duzentos metros. Dois segundos.

Um zumbido estalou no ar. Senti todos os pelos dos braços e da cabeça a ficarem em pé.

O Tiranossauro cessou num instante a corrida.

Tinha ficado imóvel no ar. Só conseguia agitar as mandíbulas fechadas, numa tentativa de soltar-se de algo invisível. O zumbido persistiu.

- Bem, o campo de forças continua a funcionar em pleno – disse eu, com a maior das calmas. Na verdade, corria-me adrenalina nas veias, do susto deste encontro inesperado.

O outros eram dignos de se ver. De olhos esbugalhados, bocas semi-abertas, beicinho a tremer, cabelos em pé, e no caso de Diógenes, mergulhado na lama.

- Vai ser preciso trocar de calças, senhores? - disse de forma trocista. Eles que ficassem a pensar que os meus eram feitos de ferro.

Alguém soltou um gemido. Um gemido sério.

Fred dobrou-se subitamente, agarrado ao peito, e caiu no chão.

- Não consigo respirar…

Acorri sem pensar. Aquele não era o melhor sítio para ter um ataque cardíaco. O médico mais próximo estava a centenas de quilómetros de distância por terreno bravio.

- Fred, não me faças isto… - murmurei entre dentes. Afastei-lhe as mãos do peito e comecei a aplicar massagens. Era o único pronto-socorro que me ocorria. – Vejam no kit médico dele se tem alguma coisa para o coração!

Os outros reagiram por fim. Começaram a despejar-lhe a mochila. Entre peúgas e barras energéticas, três livros pesados embateram no solo.

Walt Whitman, Jack Kerouack, Hermann Melville.

Este era o nosso Fred. Só ele poderia visitar o último recôndito terrestre onde sobrevivia ainda uma ecologia pré-histórica, e arriscar-se a morrer de forma banal, sem qualquer pinta de originalidade.

 

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04 Novembro 2008

27 Dias de Pulp. O pulp atravessa as eras e assume diversas formas. Muito do que se tornou pulp chamava-se antigamente folclore, folk lore, as crenças das gentes - histórias contadas de geração em geração, disseminadas por viajantes e mercadores, transformadas a cada narração, histórias que evoluiam e se imprimiam no inconsciente colectivo, após tantas vezes escutadas, que se tornavam em conhecimento e por vezes (quase) em facto. O pulp não fugiu a este ditame. Enquanto forma popular e barata, era consumido com a despreocupação de quem efectua uma pausa numa vida séria ou de quem, sendo jovem, procura não dar ouvidos a quem lhe afirma que o mundo não é tão especial quanto ele ainda pensa. Enquanto ficção, utilizava a lupa de aumentar da narrativa para explorar sonhos ou ansiedades básicas da existência humana, fazendo reflectir em monstros as ansiedades da morte e da intolerância, em cowboys implacáveis a necessidade do guerreiro imprimida nos genes de todos os machos, em enigmas criminais que despertavam o analítico nos reclusos e tímidos sociais. Enquanto inovação a nível de ficção massificada, produzida a um ritmo regular e destinado a um consumo repetitivo, também ele formou os seus próprios padrões de história (estilos acelerados, intuitivos, ilógicos, preconceituosos, simplistas, descritivos ou redutores) e também ele, pela força desta massificação repetida que conduzia a histórias com naturezas idênticas nas quais as diferenças autorais se diminuiam, imprimiu uma lógica de contar e um padrão de histórias (de Primeiro Contacto com extraterrestres, do cavaleiro solitário qual Messias contra um Mal inominável, do terror escondido no sótão) que, após reprodução na literatura mais séria e moderna, e difusão pelo cinema, persiste até aos dias actuais.

Não havia um momento a perder. A Máquina do Frio estava em pleno uso, e se não conseguissem capturar o quartel, em breve toda a ilha estaria soterrada de gelo, gelo feroz e inóspito que acabaria por consumir toda a vegetação e animais e pessoas - em suma, toda a vida naquele pedaço isolado dos Trópicos.

- Temos de recuperar os mísseis - disse o general Japard, encarando estupefacto os pequenos veleiros que tinham servido de transporte para o 8º Batalhão. Repousavam agora sobre pilares de gelo enormes, do tamanho de um prédio. Como tinham ido lá parar, não havia modo de saber. O Batalhão não respondia à chamada nem havia sinais de nenhum dos homens. Sabia-se contudo, que cada um daqueles barcos transportava dezenas de explosivos e uma dúzia de mísseis de longo alcance terra-terra.

A telemetria indicava que nenhum deles tinha sido usado contra a Máquina do Frio. Não tinha havido um ataque de resposta ao inimigo. Apenas aqueles navios, aquelas estátuas no topo de montanhas de gelo, de velas recolhidas ante o vento gélido, caladas, vazias, inóspitas.

Ia ser praticamente impossível cumprir as ordens do General. Tudo o que poderiam usar como instrumentos - madeira, lianas - estava soterrado debaixo de uma camada de gelo de meio metro de espessura. O tempo que perdessem a escavar era tempo ganho pelo inimigo. Ele assistira já aos efeitos de uma exposição total aos efeitos do raio sobre um ser vivo. O resultado não era nada agradável.

Mas "praticamente impossível" não significava "totalmente impossível"...

Soltou um assobio. Fez rodar a mão no ar.

O Esquadrão Especial saiu dos esconderijos nas tocas de neve e correu para ele sobre patins. Patins que tinham sido ideia do sargento Esperança, e que de facto eram uma forma eficaz de se moverem naquele terreno desconhecido, mau-grado as ocasionais e humilhantes quedas de quem estava mais habituado.

Começou a pensar em quem haveria de destacar para a perigosíssima missão. Iriam ficar à mercê da Máquina, se o inimigo estivesse atento.

Iria precisar dos seus melhores homens. E já sabia quem havia de escolher.

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