Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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29 Novembro 2008

Leituras Aleatórias. No último Year's Best Fantasy and Horror, Daniel Abraham apresenta-nos «The Cambist and Lord Iron: A Fairy Tale of Economics», que é na prática um engano ao leitor, uma vez que nem se trata de um conto de fadas nem aborda grandes questões da economia, apesar de ter um final feliz, como se convém. Nele, Olaf, um humilde empregado que leva uma vida ditada pela rotina e pelo relógio numa pequena agência cambial, anotando aberturas e fechos de caixa e registando transacções e trocas de morda dia após dia como quem vai riscando os minutos que o separam da morte, vê a sua previsível vida agitada pela presença do Senhor Ferro, uma figura aristrocática cheia de ennui pela vida e cujos divertimentos incluem colocar a vida em risco em apostas contra os seus pares ou então esmagar os pequeninos. Olaf não podia ser mais pequenino pelos seus termos, e como o próprio Ferro afirma na história, não se trata de nada pessoal, era apenas a pessoa errada no lugar errado quando o Senhor se sentiu aborrecido. Ferro obriga-o a oferecer uma taxa de câmbio por um punhado de notas de um país inventado, e que seja uma taxa justa - mas não havendo registo cambial nem indicação do possível valor daquele numerário, Olaf não tem forma de justificar o valor arbitrário da mesma, e obviamente também não poderá recusar-se a efectuar a transacção. Qualquer destas respostas conduzirá à sua morte rápida e dolorosa. Felizmente, Olaf é uma pessoa engenhosa, e no processo de encontrar uma escapatória para a armadilha (o Senhor Ferro oferecera-lhe vinte e quatro horas para pensar), o autor oferece-nos uma breve explicação da natureza do preço e do mercado. O Senhor Ferro fica surpreendido e satisfeito com o resultado, vindo de alguém tão irrelevante a seus olhos, e Olaf salva-se de um destino funesto... até que Ferro o convoca para um jogo ainda mais perigoso. O breve conto evolui a partir daí para questões mais metafísicas, mas sempre relacionadas com a questão do valor e da troca (e daí que afirme que a visão económica do subtítulo seja relativamente pobre), e sendo «conto de fadas», conclui-se de uma forma mais emocionalmente satisfatória do que lógica e credível. O ambiente, que decorre num país inventado, evoca vagamente um dos períodos finais do Império Austro-Húngaro, mas não há qualquer elemento fantástico ou sobrenatural no conto. Se existe justificação para que seja apresentado como peça de abertura da principal antologia anual de fantasia e horror da literatura norte-americana, arrisco a dizer que será por centrar a lógica do enredo em elementos tradicionalmente ausentes das obras de fantástico, nomeadamente questões financeiras e económicas (quantas discussões sobre salários e aumentos encontramos nas actuais sagas épicas que dominam as livrarias?), e talvez os editores tenham pretendido marcar uma diferença face à norma. Contudo, se assim é, trata-se de uma afirmação menor, pois ao invés de estabelecer novos rumos, limita-se a denunciar uma visão demasiado redutora e simplista assumida por autores com pouca vocação, de si, para arriscar a perder a base de leitores que é o seu ganha-pão. Embora sendo uma história divertida e que não prejudicaria nenhuma antologia em que constasse, como contribuição para o grande discurso do género é tão irrelevante quanto o cambista Olaf.

Melhor sorte não encontramos em «How Music Begins», de James Van Pelt, o conto que David Hartwell e esposa decidiram escolher para encerrar a mais humilde antologia Year's Best SF 13. Neste deparamo-nos com uma banda filarmónica de liceu em pleno espectáculo, como plano de abertura, e gradualmente somos introduzidos no terror da situação: alunos e professor foram em tempos sequestrados por estra-terrestres (pensam eles) aos quais chamam de Perfeccionistas, os quais os mantêm captivos num espaço fechado longe da Terra (pensam eles) e só os libertarão quando conseguirem apresentar o espectáculo perfeito, sem quaisquer falhas (pensam eles). A situação mantém-se há dois anos num ambiente claustrofóbico, e somos levados a crer, pela mera confiança do autor e velocidade do estilo, que passado tanto tempo os alunos continuariam com genica e vontade de praticar todos os dias, de inventar novos acordes e incluir novas sonoridades em temas filarmónicos sobejamente conhecidos, e que o professor, que também faz vezes de protagonista e narrador (ou não fossem os professores super-pessoas), continuaria a providenciar apoio moral e orientação efectiva vinte-e-quatro-vezes-sete, garantindo uma absoluta e determinada fidelidade por parte dos alunos. Não obstante tratar-se de uma historieta relativamente bem escrita e que nos prende com o seu conhecimento detalhado de como funciona uma peça musical e uma banda de escola (se o autor não pertenceu a uma quando era estudante, engana bem), ao escrever estas palavras não posso deixar de sentir como esta situação se assemelha tanto a um cenário orgásmico da actual política do Ministério da Educação: professor e alunos são encarcerados num subterrâneo sem ver a luz do sol, e só sairão dali quando toda a turma consiga ter nota máxima e assim se consigam cumprir os objectivos comunitários, demore os anos que demorar. A história termina com uma resolução, e como não podia deixar de ser, um preço, no qual se pode esconder a verdadeira intenção dos extra-terrestres.

Finalmente, na Interzone de Dezembro 2008, Jeff Spock tece uma pequena teia de vingança em «Everything that Matters», cuja cena de abertura apresenta o protagonista a ser atacado por um tubarão de Kotanchik, rapidamente descrito como o «maior predador da galáxia». De facto, em breves parágrafos, é-nos apresentada a ferocidade e capacidade destrutiva do animal, que comparativamente faria de qualquer tubarão terrestre um moscardo inofensivo, e que vai desfazendo o protagonista pedaço a pedaço, sem qualquer piedade, até apenas restar torso e cabeça quando é socorrido (e obviamente toda a tecnologia que o mantém vivo). Puro Jaws com um shot de adrenalina. O resto do conto centra-se na recuperação do protagonista, que é lenta e dolorosa, e que se vê forçado a aceitar a mudança da pessoa que foi para a nova em que se terá de tornar. O estilo enérgico e breve, sem sentimentalismos, do autor impedem que a história perca ritmo (apesar de só no final se conseguir recuperar em parte o dinamismo da abertura), e a figura do tubarão de Kotanchik enquanto máquina eficiente de matar está muito bem descrita, sendo que a determinado ponto o protagonista se espanta que nunca antes algo tão belo e perfeito lhe inspirara tanto terror. Contudo, fora este pequeno pormenor, é essencialmente uma história mainstream com vestes de fantástico, e poderia passar-se efectivamente num cenário terrestre, numa qualquer praia do Pacífico, com temas contemporâneos. É um bom conto de introdução à FC, mas relativamente insatisfatório para um leitor veterano.

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29 Novembro 2008

Uma Visão Futurista Inspirada no rei fanfarrão de Shakespeare, adaptada do libreto de Arrigo Boito e a ser lida ao som de Verdi. Trata-se de Falstaff, há precisamente dois anos publicada na revista brasileira «Desfolhar» (cujos links parecem já não funcionar), e que agora incluo no TecnoFantasia.com. Mais um conto experiência, o esqueleto de uma história épica, de uma grandiosidade operática, despida de todo o sentimento, de todo e qualquer intimismo e intrusão sentimental. Um texto resumo que se poderia encontrar no folheto de uma qualquer ópera ou peça musical, lido à pressa enquanto se aguarda o verdadeiro espectáculo. Também deste modo se pode escrever Ficção Científica.

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