07 Março 2009
Um Pequeno Filme Virtual para este sábado. Além da história simpática, embora não se perceba porque não se limita ele a entrar em contacto com ela através daquele meio a que ambos têm aparentemente acesso (terá sido culpado de alguma coisa? Terá sido ele a pô-la naquele estado? Vejam como esta aceitarmos a possibilidade desta singela dúvida consegue alterar, no final, a percepção da história e inclusive do tipo de história que presenciámos), um pormenor que talvez não seja fascinante para muitos apesar de o ser para mim: a qualidade e rigor que foi aplicada na determinação do user interface - o ritual de abrir a mão esquerda com um pequeno solavanco para sustentar o painel redondo, o uso da mão direita como auxiliar de selecção, os mostradores digitais localizados entre pulso e palma, a união de certos dedos para activar opções específicas, o uso posterior das mãos como orientadores dos parâmetros do sistema (aumentar os blocos, pintar as cores).Notem como não é sequer necessário que nos seja mostrada a sequência de passos completa - intuímos na perfeição que qualquer tentativa de desenho e ajuste passou primeiramente pela escolha de uma opção («desenhar bloco», por exemplo), que essa opção terá tido várias sub-opções disponíveis («encolher», «expandir», «rodar», «deslocação guiada», etc) e que no final os dedos e as mãos funcionam como meros apontadores (os ratos daquele computador) que «arrastam» e «definem».
Notem como a atenção dada a este nível de detalhe permite emprestar à pequena dança do actor (suponho que a interpretar contra fundo verde em estúdio vazio, o que não deixa de ser um virtuosismo de imaginação) uma coerência forte, e que é esta simples coerência que permite suster, enquanto espectadores, a nossa descrença (o princípio pelo qual funciona uma obra de ficção na mente do leitor) e envolvermo-nos na possibilidade deste mundo desconhecido.
Este é o tipo de pormenor, aliado ao rigor, a que os autores recém-chegados à Ficção Científica, provenientes de outras áreas, não dão grande importância, mas que é, em último caso, a essência do género. Os instrumentos de trabalho que estes autores estão acostumados a utilizar torna-os mais aptos a lidar com o material em questão na óptica da história, ou da capacidade lírica, ou do percurso interior - o que não deixaria de ser válido, mas que não produz o efeito de encantamento e de absoluta impenetrabilidade na estranheza da situação que os mecanismos da Ficção Científica permitem, quando aplicados correctamente como neste caso. Somos obrigados a seguir a narrativa até ao final para que esta finalmente nos aceite, nos permita entrar e nos revele o segredo que manteve guardado tanto tempo, um processo não distante do próprio processo da descoberta científica. Aliás, se há algo que a FC e a ciência partilham é uma convicção absoluta de que o universo é mais interessante de conhecer que o ser humano - e se nesta preferência possa residir um certo repúdio pela complexidade e confusão da experiência sentimental, são temas curiosos mas demasiado complexos para esta nota matutina e breve...
Neste caso trata-se de uma história simples, como convém a uma curta, e inclusive sabe que não será pela originalidade do enredo que brilha (embora as nossas expectativas sejam correctamente ludibriadas e o final não seja o que esperávamos, o que é também a torna num bom acto de storytelling).
É este tipo de esmero, fruto de uma preparação e de um trabalho efectivo sobre as possibilidades do mundo inventado que a história nos abre, que deverá existir por base da concepção de uma boa obra de Ficção Científica. Infelizmente, para meu grande pesar e desapontamento, os exemplos em português que eu, e outros colegas, tivemos oportunidade de apreciar recentemente eram omissos neste cuidado, nesta preocupação essencial. Mas sobre essa questão falarei mais no futuro. Fiquem-se com o filme. (Via Jorge)
World Builder from Bruce Branit on Vimeo.