Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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07 Março 2009

Um Pequeno Filme Virtual para este sábado. Além da história simpática, embora não se perceba porque não se limita ele a entrar em contacto com ela através daquele meio a que ambos têm aparentemente acesso (terá sido culpado de alguma coisa? Terá sido ele a pô-la naquele estado? Vejam como esta aceitarmos a possibilidade desta singela dúvida consegue alterar, no final, a percepção da história e inclusive do tipo de história que presenciámos), um pormenor que talvez não seja fascinante para muitos apesar de o ser para mim: a qualidade e rigor que foi aplicada na determinação do user interface - o ritual de abrir a mão esquerda com um pequeno solavanco para sustentar o painel redondo, o uso da mão direita como auxiliar de selecção, os mostradores digitais localizados entre pulso e palma, a união de certos dedos para activar opções específicas, o uso posterior das mãos como orientadores dos parâmetros do sistema (aumentar os blocos, pintar as cores).

Notem como não é sequer necessário que nos seja mostrada a sequência de passos completa - intuímos na perfeição que qualquer tentativa de desenho e ajuste passou primeiramente pela escolha de uma opção («desenhar bloco», por exemplo), que essa opção terá tido várias sub-opções disponíveis («encolher», «expandir», «rodar», «deslocação guiada», etc) e que no final os dedos e as mãos funcionam como meros apontadores (os ratos daquele computador) que «arrastam» e «definem».

Notem como a atenção dada a este nível de detalhe permite emprestar à pequena dança do actor (suponho que a interpretar contra fundo verde em estúdio vazio, o que não deixa de ser um virtuosismo de imaginação) uma coerência forte, e que é esta simples coerência que permite suster, enquanto espectadores, a nossa descrença (o princípio pelo qual funciona uma obra de ficção na mente do leitor) e envolvermo-nos na possibilidade deste mundo desconhecido.

Este é o tipo de pormenor, aliado ao rigor, a que os autores recém-chegados à Ficção Científica, provenientes de outras áreas, não dão grande importância, mas que é, em último caso, a essência do género. Os instrumentos de trabalho que estes autores estão acostumados a utilizar torna-os mais aptos a lidar com o material em questão na óptica da história, ou da capacidade lírica, ou do percurso interior - o que não deixaria de ser válido, mas que não produz o efeito de encantamento e de absoluta impenetrabilidade na estranheza da situação que os mecanismos da Ficção Científica permitem, quando aplicados correctamente como neste caso. Somos obrigados a seguir a narrativa até ao final para que esta finalmente nos aceite, nos permita entrar e nos revele o segredo que manteve guardado tanto tempo, um processo não distante do próprio processo da descoberta científica. Aliás, se há algo que a FC e a ciência partilham é uma convicção absoluta de que o universo é mais interessante de conhecer que o ser humano - e se nesta preferência possa residir um certo repúdio pela complexidade e confusão da experiência sentimental, são temas curiosos mas demasiado complexos para esta nota matutina e breve...

Neste caso trata-se de uma história simples, como convém a uma curta, e inclusive sabe que não será pela originalidade do enredo que brilha (embora as nossas expectativas sejam correctamente ludibriadas e o final não seja o que esperávamos, o que é também a torna num bom acto de storytelling).

É este tipo de esmero, fruto de uma preparação e de um trabalho efectivo sobre as possibilidades do mundo inventado que a história nos abre, que deverá existir por base da concepção de uma boa obra de Ficção Científica. Infelizmente, para meu grande pesar e desapontamento, os exemplos em português que eu, e outros colegas, tivemos oportunidade de apreciar recentemente eram omissos neste cuidado, nesta preocupação essencial. Mas sobre essa questão falarei mais no futuro. Fiquem-se com o filme. (Via Jorge)


World Builder from Bruce Branit on Vimeo.

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05 Março 2009

Um Cântico Pela Leitura, em pentafonia e tons pastel. Com a intenção de analisar a grafia dos rols de compras e desenhos de sistemas eléctricos para casa-de-banho. Esmiuçar esquemas de tubagens internas, colocação de ladrilhos, cedência de paredes em ambientes invernosos, e as forças a que se encontram sujeitos os cabos de alta-tensão. Ah, a sublime filosofia da alta-tensão... Em torno desta mesa reunem-se para já os cinco conspiradores, mordiscando em nacos de pão duro e bebendo água da chuva, de cabelos compridos e unhas por aparar, como convém aos ascetas que buscam a verdade. O que dizer que tenha ainda falta de uma voz? O que descobrir cuja forma tenha iludido os mais argutos dos perscrutadores? Na confluência destes cinco estetas da linguagem, desta confraria de analíticos, não haverá referência que permaneça inconspícua, opção literária que não se revele influência de anterior tomo na infante imagética do escriba, enredo insofismável que ludibrie a sua origem enquanto obedência à tirania dos vendilhões, capítulo redutor que consiga enaltecer por aparência e virtuosismo o que lhe falta em substância... ante o foco de tais portentosos olhares, os livros perderão a consistência, as palavras voarão, soltas e livres da tirania da página física, a tirania das margens impostas, da vergasta da mancha, da absolutez do alinhamento! As palavras serão enfim democráticas, sem pertencerem a linhas nem a parágrafos, sem se situarem por cima ou por baixo, sem estarem numeradas nem apontadas pela presunção do índice, existindo finalmente em continuidade, em sequência linear, a linha única, o livro enrolado, a palavra na sua fraternidade de iguais. Ante o olhar destes seres o mais ambicioso dos tergiversadores literários curvar-se-à de respeito. E com respeito será abordado. Serão eles Blade Runner, Stranger in a Strange Land, Inner Space, Rascunhos e este humilde servente, apoiados pela discreta ajuda dos seus acólitos (outros diriam escravos dos espaços etéreos), cuja função é mantê-los limpos, livres de erros e interessantes, em ordem respectiva, João Seixas, Safaa Dib, Nuno Fonseca, Cristina Alves e alguém cujo nome levou a maré. Outros se lhes podem juntar, em devida menção e observância pelo preceito de calendário e da obrigação: que no dia 21 do mês presente se faça incidir luz sobre THE CENTAURI DEVICE de M. John Harrison e por este meio se revele o inominável. A estes cinco, que poderão crescer no futuro, chamaremos O Círculo de Leibowitz, em honra óbvia da conhecida fotógrafa de celebridades e que um dia (esperam eles) os irão retratar na sua perene desgrenhice.

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