Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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09 Maio 2010

Dias De Feira com chuva. A atitude da APEL perante a chuva e as queixas de estragos e danos por parte dos editores (falta de condições apropriadas) foi de encerrar a feira às 18.00 em pleno sábado com actividades agendadas. Claro, o dilúvio tem olhos e pode ser que passe ao lado. Não só se continua a insistir em fazer um evento ao ar livre em plena época fria (relembre-se que anteriormente só começava no final de Maio e adentrava por Junho - mesmo havendo chuva, havia mais oportunidades para calor e noites agradáveis) como não se prevêm planos de contingência para actos (nem por isso tão) inesperados da natureza. A feira tem durado até tarde, uma solução que felizmente respeita os queixumes do ano passado, mas o vento e o frio têm afastado grande parte do público. Bem como o limite aos descontos. Talvez não entre na cabeça dos editores mas... os livros são caros! A feira é, para a maioria das pessoas, a hipótese de renovarem as estantes de casa sem pagarem a contribuição inútil e excessiva dos distribuidores e livreiros.

Ainda assim, assisti a uma conversa aprazível entre o João Seixas e o Ricardo Pinto, que pensei não falasse tão bem português. Considera-se um autor português, embora não escreva nessa língua. E depois uma pequena volta, a rever pessoas conhecidas do real e do virtual, com particular destaque para as simpáticas Madalena e Sofia.

Hoje a recomendação é preguiçosa - afinal, é domingo e chove, e os bloguistas não recebem salário - e vai recuperar uma crítica antiga. A importância do romance mantém-se e pode ser que ainda o encontrem. Se a Feira não foi levada na enxurrada da noite...

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08 Maio 2010

O Mistério Dos Escritores Fantasma. Por vezes a edição apresenta-nos estas agradáveis surpresas. Um autor, necessitado de ganhar uns trocos, aceita contribuir para a marca mais vendida de uma editora – seja autor, personagem ou colecção –, escrevendo um romance, normalmente sob anonimato. É uma verdadeira prestação de serviços, pagamento garantido, esforço reduzido. No caso em que se trata de uma série, existem normalmente orientações que explicam o grau de liberdade a assumir com os personagens e as situações; por vezes os enredos são à partida delineados pelos criadores da série e o que resta é dar corpo ao esqueleto, encapá-lo e lançar para as livrarias. Não há vergonha nisto – ajuda a pagar as contas, ajuda a desbloquear os dedos, e é mais um livro para o currículo. É pena que não tenhamos em Portugal um mercado e uma prática tão grande que mais e melhores autores consigam subsistir com esta actividade.

E depois, por vezes, temos as tais agradáveis surpresas.

Ellery Queen é um dos detectives mais interessantes da literatura policial. Não tendo granjeado da fama de Doyle e Christie, é no entanto dos poucos que reconheceu a natureza do jogo deste género, tendo ficado famoso pelo seu «Desafio ao Leitor» - chegado a determinado momento na narrativa, é dito ao leitor que se encontra na posse de todas as pistas necessárias para identificar o assassino, e que estas não enganam. A partir deste ponto, a história prossegue para, item por item, irem eliminando os restantes suspeitos até ficar, inequivocamente, o verdadeiro culpado. Fosse a realidade assim tão simples...

Quem conhece o género sabe sem dúvida que o detective foi criado por dois primos nova-iorquinos e que Ellery Queen nunca existiu realmente, encontrando-se no mesmo universo maniqueista de Holmes e Poirot, repleto de agentes do bem que com argúcia científica renegam todas e quaisquer explicações metafísicas, confiantes que a observação do real e do concreto lhes revelará a verdadeira história oculta. É possivelmente um género que, na forma pura, terá mais dificuldade que a própria Ficção Científica em reconhecer soluções divinas ou intervenções fantásticas, devendo os instrumentos do jogo encontrarem-se em cima da mesa à partida. Asimov falava da dificuldade de misturar Ficção Científica e Mistério, pois era necessário, como autor, resistir à vontade de apresentar, vindo do nada, elementos do futuro com capacidade de adivinhação e que estragassem o prazer do jogo ao leitor. Mas por vezes os próprios procedimentos de investigação forense conseguem ser tão avançados que entram na aura do fantástico, como pondera a criminosa de um dos romances de Lawrence Block.

Tendo alcançado a fama e inaugurado uma revista mensal de contos policiais que ainda hoje é publicada, a Ellery Queen’s Mistery Magazine, os primos autores (Frederick Danny e Manfred B. Lee) decidiram alargar o leque de colaborações (supostamente por que Lee atravessava uma crise de bloqueio de escritor) e contrarar outros autores para alargarem o cânone do famoso detective. Eis como, em 1963, surgia uma colaboração invulgar com Theodore Sturgeon, um dos melhores autores de FC dos anos 50/60: The Player On The Other Side.

O tema não podia ser mais propício: a dualidade intrínseca do homem para o bem e para o mal, explorada como um jogo de xadrez entre vítimas e assassino. Uma dualidade, neste caso, concretizada num indivíduo em particular. Um indivíduo capaz de conter multidões. Sturgeon, que não era alheio ao tema da personalidade gestáltica, ao qual dedicara o famoso Mais Que Humanos na década anterior, deu corpo e vida a uma sinopse de 42 páginas preparada por Dannay. Ao resultado final, os primos autores acrescentaram umas coisas e mudaram outras tantas – por isso, infelizmente, não se pode apresentar aquela obra como sendo um texto puro e típico de Sturgeon. Ainda assim, os parágrafos finais, uma íntima reflexão sobre o eu e o outro, têm aquele toque introspectivo de que só este autor seria capaz com tanta maestria.

É um mistério extremamente invulgar no conjunto de romances habituais de Ellery Queen, com um perpretador que, afinal, é do mais divino que pode haver, mas igualmente humano. E mais não digo...

Deixei, contudo, o pormenor mais importante para o fim: o romance foi editado em português. Com o título de O Mistério dos Cartões de Despedida, é um dos números iniciais da colecção de bolso da Europa-América, lançado em finais dos anos 80.

Não deixa de ser uma coincidência interessante que, de entre as dezenas de obras possíveis de escolher, escritas por Lee e Dannay ou pelos futuros colaboradores, a de Sturgeon tenha sido incluida na curta presença de Ellery Queen naquela colecção. E que exista, escondida e discreta, em língua portuguesa, para ser descoberta pelo observador atento. Qual verdadeiro desafio ao leitor.

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