Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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07 Setembro 2010

Pode Não Ser Crime, A Ingenuidade, mas por ela paga-se uma pena severa, que tanto mais severa se torna quanto mais pessoal e irrisório o acto (no sentido em que actos ingénuos causadores de calamidades ocupam de tal modo as vítimas na sua resolução que o perpretador acaba ofuscado da lembrança colectiva). No caso da literatura, não há maior ingenuidade do que contrariar as expectativas dos leitores para agradar aos editores. E deste acto - bem como de muitos outros - fui, e ainda continuarei a ser, por vezes culpado.

Uma das ocasiões de maior ingenuidade terá sido sem dúvida a participação nas Linhas Cruzadas, antologia da PT Telecom. Eis um livro de grande divulgação, com nomes sonantes, com um orçamento de marketing sólido a suportá-lo e um convite feito pelos organizadores (creio que era o Rui Zink). Condições: texto inéditos, que podiam ser de ficção científica. E um limite fatal: não mais de 800 palavras. Garantiram-me: absoluta e intempestivamente não mais que 800 palavras.

O ingénuo do autor não tinha contos de 800 palavras inéditos nem ideias para tal. Debatia-se com uma história sobre uma suposta invasão de um mundo alternativo, que podia não passar de uma doença - dez mil palavras no menos. Além de estar a braços com importantes alterações na sua vida (mudar de casa, desafios profissionais, a constatação que a Simetria, alvo de tanto esforço e anseios, se tornara num projecto zombie, etc, etc), banais e pouco originais, mas que lhe deixaram pouco tempo para pensar em alternativas. Não foi de modas: condensar uma mini-visão do futuro num poema.

Entendam o enquadramento não como desculpa mas memória. Como disse no último post, não interessam as circunstâncias do nascimento do texto, mas apenas a sua própria condição de ser. O poema, na opinião de muitos, ficou aquém do que poderia ter sido, ainda que não pretenda ser mais do que um conjunto de quadras, simples, directas, não sofisticadas, infantis. Algo que destoava - negativamente - de uma antologia daquele calibre.

De tempos a tempos alguém desenterra o morto, calhando ao Miguel a incumbência mais recente e, graças a ele, a pergunta que me levou a lembrar-me e escrever sobre o assunto. Agradeço-lhe pela atenção e peço desculpa pela frustração da expectativa, a ele e aos demais leitores. Devia ter ignorado os limites dos editores. Devia ter enviado o conto que realmente me apetecia. Eis uma lição aprendida.

Ainda assim... ainda assim, o poema tem um charme infantil que me continua a cativar. Talvez não o início mas sem dúvida o embalo. Será uma questão de ingenuidade permanente, será a história épica escondida no interior, ou ainda, uma musicalidade que a página não consegue reproduzir. Embora precise de uma boa revisão da métrica.

E pensar que este sacaninha me deu um trabalhão a compor...

Sonhos de Planetas e Estrelas

À distância da eternidade,
a Terra é um imenso formigueiro
De espécies convencidas de imortalidade,
mas que duram apenas um dia inteiro

De todas elas, a mais peculiar
será a bípede de aspecto simióide
Que antecedeu a artrópode polar
e reinou após a titânia sauróide

Pouco sabemos a seu respeito,
e tudo o que temos é curiosidade
De determinar o defeito
que a ceifou em tenra idade

Tinha raciocínio de construtora
e capacidades de manipulação
Mas natureza de predadora,
talvez seja essa a razão

De ter usado o planeta sem mente,
rumo a um destino fatal
Embora fosse a primeira inteligente,
enquanto espécie não era nada de especial

Uma civilização comunica pelos desperdícios,
uma espécie de organismos
Desta restam apenas indícios
de pedra, plástico e mecanismos

Que outrora abundaram em demasia,
sintoma de caos e desperdício
Fizeram da descoberta, teimosia,
e da tecnologia, vício

Sem controlar as hormonas em ebulição,
perderam-se em actos de amor e violência
Prova de que a animais de criação
não se concede o dom da inteligência

Em breve faria Gaia a rasura
que apagaria tão fracassada iniciativa
Esperaria milénios para a cura
e depois nova tentativa

Desaparecida e enterrada se encontra,
a pequena espécia valente
Que tentou cometer a afronta
de espalhar por outros mundos a semente

Pois, também na ambição pioneira,
havia sonhos de planetas e estrelas
Mas como lição derradeira
nem os tiveram a eles nem a elas

O erro não voltará a ser cometido,
pertence agora só ao passado
E a espécie, cujo nome foi esquecido,
vive apenas na alma de um sonhador cansado.

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05 Setembro 2010

Erros Meus e Má Fortuna, que sem dúvida sobejaram - pela especial graça das investigações para o Pulp Fiction à Portuguesa -, conduziram-me às folhas de O Isqueiro de Ouro, título com que Dick Haskins, também conhecido por António Andrade Albuquerque, inaugurou a sua actividade literária. A edição original data de 1959, embora a Web afirme que o número representa na realidade 1954, e a Web, como sabemos, nunca se engana. A qual, e não só, também o proclama um sucesso internacional em vintena de países. Se nesta realidade se numa alternativa, não faço ideia. Para tal, espero que o texto se tenha magicamente transformado numa preciosidade noir. Ou que o autor se redima nos romances seguintes. O que duvido, pois também li o Expresso de Berlim, livro bastante recente e que prometia uma boa história. Ficou-se pela promessa e pelos diálogos insalubres (tão pouco plausíveis como, por exemplo, os do Desafio de Aniceto).

Em O Isqueiro, o aparente suicídio de uma rapariga na linha de metro de Londres não convence o intrépido reporter Haskins, que julga tratar-se de assassínio e que tudo faz para o comprovar. Até consegui-lo, prega bofetadas, murros e ameaças em tudo o que é gente, numa demonstração de subtileza jornalística. Diz ao chefe de redacção para publicar parangonas que contradizem a afirmação da polícia e para as quais não tem provas, e espantosamente, o jornal manda a sensatez jurídica às favas e vai em frente. Mulheres caem a seus pés sem que tenha exibido um único prenúncio de carisma ou bom hálito. As deduções científicas recaem no presumível trajecto da bolsa da vítima, que foi encontrada longe do que seria o local de pouso se o suicídio fosse verdadeiro (e claro que os outros passageiros não poderiam ter-lhe dado um pontapé no corre-corre da comoção), e que só Haskins considera como pista relevante, contra toda a equipa de investigação forense da Scotland Yard. Grande homem.

Dirão que os anos 50 eram complicados e que o autor, jovem então, labutava por prazer contra a falta de material, de conhecimento e de experiência, inspirado em más ficções populares. Ninguém diz o contrário. Mas um livro é um livro é um livro. As circunstâncias do seu nascimento não devem ditar a apreciação futura e o tempo de vida, e às vezes é melhor simplesmente enterrá-lo de morte matada.

Mas nem tudo é mau. Dizer que, no final do livro, apeteceu-me escrever um conto em que o protagonista enchia de porrada este personagem Dick Haskins e o metia no devido lugar, não uma mas várias vezes, é, se o quiserem ver pela positiva, uma forma de explicar que o livro não me deixou indiferente.

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