Conceito de Luís Filipe Silva

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Terrarium - Obra-Prima Subestimada

Gerson Lodi-Ribeiro - Crítica | 22 Dez 2004

Terrarium abre com um prólogo curto, «O Segredo», seguido por cinco partes que constituem o cerne do romance: a noveleta premiada «A Arder Caíram os Anjos»; a novela «Somewhere, Under the Rainbow»; as noveletas «A Agonia da Arte Reprimida» e «A Madrugada dos Deuses»; e um mosaico final que, sozinho, possui as dimensões aproximadas de um romance curto, «No Coração da Luz». O fecho de ouro é dado por três finais distintos, um futuro tripartido em três alternativas distintas e incompatíveis, para que o leitor escolha a sua preferida. Um autêntico tour de force.

O romance está repleto de referências deliciosas aos íconos da ficção científica, a começar pela Amazing Stories da capa, do cinema (há até mesmo uma espécie de alienígenas metamorfos que se especializaram em mimetizar astros de cinema da Hollywood...) e da cultura pop do século XX. Embora descobrir todas essas referências numa primeira leitura constitua tarefa quase impossível, este é o tipo de desafio que certamente trará prazer a muitos leitores.

Terrarium apresenta um conjunto de personagens antológicos, do humano medíocre que trabalha numa livraria londrina especializada em ficção científica (daquelas em que os autores adoram passar as tardes, quando de suas visitas freqüentes às Ilhas Britânicas) ao adolescente raposóide, membro de um clã alienígena de carnívoros bípedes; de uma Potestade travestida de humano para travar guerra de guerrilha contra outras Potestades; à jovem artista humana, transformada em aventureira sem vocação e, mais tarde, numa entidade sobre-humana; e ao sarcástico e superinteligente furão de estimação da artista. Isto para não falar de um adolescente dominado pelo programa-mestre de uma espécie de Enciclopédia Galáctica; vários insectóides; simulatrices e outros alienígenas das mais diversas espécies.

Com sua sucessão de cenários variados e interessantes - da Lua às ruas de uma Londres poluída e decadente; do espaço profundo às selvas da Península do Iucatão - e sua acção intermitente, mas sempre bem escrita e original, apesar do tamanho, Terrarium consegue prender a atenção do leitor durante praticamente toda a extensão de suas seiscentas páginas.

Há muito mais a contar sobre Terrarium e a tentação de fazê-lo é grande, mas convém resistir para não estragar o prazer de várias surpresas memoráveis, apesar desse romance ser daqueles em que, por suas nuances e subtilezas, a segunda leitura é ainda melhor do que a primeira. Tendo provado a iguaria e dela repetido, só me resta esperar e torcer para que a terceira leitura seja ainda mais compensadora do que a segunda...

O único porém que assinalo na estrutura quase impecável de Terrarium está justamente no final, que decepcionou um pouco, pela facilidade algo inverossímil com que a trama se deslindou.

Contudo, que o leitor não se iluda: o romance é uma realização magnífica, prova cabal de que os autores luso-brasileiros da última década do milénio passado foram capazes de escrever ficção científica hard em pé de igualdade com o que de melhor foi produzido na época dentro do género nos E.U.A. e na Inglaterra.

E, no entanto, a nota triste desta resenha: Terrarium é um romance tremendamente subestimado por todos aqueles que ainda não o leram (5) e aclamado por todos os que tiveram o privilégio de degustá-lo. Degustar, sim. Pois se os contos e romances de FC fossem comida, Terrarium seria o banquete mais lauto. Porém, como os prazeres literários e gastronómicos parecem dizer respeito a centros distintos do cérebro humano, limito-me a afirmar que Terrarium constitui indubitavelmente o maior, melhor e mais ambicioso romance de FC hard já escrito em português.

 

(c) Gerson Lodi-Ribeiro, 2000

 

Notas:

(1) O fenômeno é fácil de entender. No Brasil, os autores do gênero começaram a publicar em fanzines e revistas especializados, veículos tradicionais para o desenvolvimento da ficção curta. Enquanto isto, em Portugal, os autores começaram a exercitar sua arte em coletâneas e antologias, saídas igualmente válidas para incrementar a produção de ficção curta.

(2) De João Barreiros: O Caçador de Brinquedos e Outras Histórias. De Luís Filipe Silva: O Futuro à Janela [Prêmio Caminho de Ficção Científica 1991].

(3) A Cidade da Carne [GalxMente I] e Vinganças [GalxMente II].

(4) João Barreiros concebeu o universo ficcional de Terrarium em finais da década de 1980.

(5) Segundo Barreiros, o livro não obteve o sucesso comercial almejado em Portugal, vendendo apenas cerca de 700 cópias de uma tiragem inicial de 2.000 exemplares.

(c) Autor do Texto, (c) Luís Filipe Silva, 2003/2007. Não é permitida a reprodução não autorizada dos conteúdos.

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Autor:
Gerson Lodi-Ribeiro

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