Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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22 Junho 2007

ESTOU FAMILIARIZADO COM OS ARGUMENTOS do Nuno, e concordo com todos eles (problemas na promoção do livro, problemas na comunicação do conteúdo, graves problemas na colocação nos espaços de venda - em particular porque já tive a honrosa oportunidade de ver como o mercado americano trata o produto do livro, desde livrarias especializadas às grandes superfícies, e asseguro-vos que é uma experiência completamente distinta); no entanto, enquanto escritor e leitor «profissional», tenho consciência que o maior problema está na afirmação do conteúdo. Ou nas palavras do Nuno (destaque meu): «Se, em Inglaterra ou noutro grande mercado, observamos livros pensados até à exaustão – em especial nos seus aspectos editoriais, onde o texto é trabalhado para potenciar a experiência ao seu leitor (...)»

Sofremos, enquanto cultura, do problema da sacralização da arte, em particular da literatura. Não se trata de uma questão de elitismo; trata-se de considerar que o assunto a abordar na página escrita deverá ser supra-terreno, filosófio, poético; personagens que são meros veículos de opiniões ou posturas, retratos de gerações, neutrais; ou se formos para o outro espectro da questão, dos novos escritores que tentam ser mundanos, encontramos uma banalidade dos assuntos que não é compensada pela destreza da linguagem.

Os que se escapam ao marasmo são, estranhamente, os que conseguem fazer retratos de gentes mais precisos, capturando modos, falas ou ditames com alguma fidelidade. Não é à toa que Lobo Antunes e Agustina e Saramago e Torga e Namora e outros conhecidos se destacaram, mesmo considerando a máquina promocional que gira em torno de alguns. O que diziam era relevante para os leitores de então. O que os novos escritores dizem pouco interessa, ou é abafado pela maior relevância do argumento de autores estrangeiros (que, sendo profissionais, dedicam tempo a maturar os assuntos e a encontrar perspectivas distintas - lição número um dos cursos de escrita criativa).

Onde está o romance que questiona o posicionamento da cultura portuguesa neste planeta, agora e nas décadas vindouras? Onde está o romance que se angustia com o desvanescimento gradual da língua e dos costumes no sufoco da globalização? Onde está o romance que encontre um compromisso razoável entre internacionalização e regionalismo, sem entrar nos medíocres argumentos das nossas abismalmente estúpidas classes de dita direita e dita esquerda? Onde está o romance que consiga entender o que é ser-se português em Portugal no início de um século que promete tudo de bom e tudo de mau na capacidade do Homem em dominar a natureza (sua e a que o rodeia)?

Creio que um romance ou uma série de romances assim perfeitamente assumidos, e sem receios de criticar e de louvar onde devido, seriam mais importantes e contribuiriam mais para o crescimento da indústria livreira que muito do material promocional em torno dos livros editados, ou de capas mais coloridas.

O problema é que para isto não bastam escritores - é preciso também editores que saibam orientar o autor, pedir temas, cortar o que está mau, exigir reescrita do que está fraco, e reconhecer as devidas qualidades. Editores que tratem os autores como animais de jaula, oferecendo o chicote numa mão e o naco de carne na outra, e não como divas do cinema.

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13 Junho 2007

É O FIM DO MUNDO! (English readers, please proceed over here. They're all over the place!)

Este é o primeiro dos meus relatos deste dia terrível. Muito aconteceu desde o início da manhã, e muito irá suceder, estou certo, até ao cair do dia. Estou com cada vez mais dificuldade em aceder à internet e em fazer telefonemas. As comunicações que subsistem estão saturadas. A quem me conhece quero apenas dizer que me encontro bem, por ora. Estou em casa, aqui ainda não chegaram. Novos desenvolvimentos têm sido revelados, a maioria surpreendentes.

Confesso que não relacionei a principio o crescente ruído de buzinadelas e berros com qualquer acontecimento estranho, embora fosse feriado e a cidade estivesse supostamente calma pela manhã. Estava relutante em que qualquer coisa perturbasse o pequeno almoço com os simpáticos alemães, não só por minha causa mas em grande medida pelo meu sócio, que começava a perder noites de sono com a nossa falta de sucesso. Por mim estava quase convencido a abrir o Expresso e voltar à procura de emprego, mas ele deixava-se abalar mais fortemente pelo fracasso, e estava como um homem em mal alto a tentar suster-se à tona a todo o custo, chegando a segurar no braço do alemão mais idoso quando procurou levantar-se da cadeira e perceber o que estavam os restantes clientes do bar a espreitar pela janela. Fiz sinal ao meu sócio para ter calma, mas ele levantou-se, irritado, e foi pedir outro café ao criado. Foi finalmente que me apercebi que há já bastante tempo que o barulho prosseguia, e que inclusive estava a aumentar. E os comentários murmurados de espanto e perplexidade em diversas línguas pelas pessoas que não desgrudavam os olhos da janela impeliu-me finalmente a abrir um espaço junto dos meus potenciais clientes e espreitar para baixo.

O bar panorâmico do Sheraton sempre proporcionou uma perspectiva fabulosa da cidade. Dele consegue ver-se a colina das Amoreiras, o parque Eduardo VII, a rua que vai dar ao Rato, o início da Avenida, o Marquês, e um mar de telhados e estruturas até perder de vista. Poucas são as vias não escondidas pelos edifícios, o que normalmente não interessa porque a vista distrai-se com o nível do horizonte. Não sei se continua aberto, nem qual será a sua nova função na actual conjuntura, visto que se situa em pleno coração do novo bairro, e lhes pertence agora. Foi um sítio, para mim, de distracção, conquista e negócio, e no final, símbolo marcante da transição entre o mundo antigo e o novo. Foi ali que os vi pela primeira vez.

Por sinal, pensei que fossem manifestantes. Ou um golpe publicitário. Ou um evento das Festas da Cidade. Ou apoiantes da Helena Roseta. Ou adeptos do Benfica. Ou tudo junto, produto de agendas mal coordenadas. Mas havia algo de muito estranho. Desciam pelo parque, pelas ruas, de forma incerta e lenta, como se lhes fosse difícil andar. As cabeças pendiam para o lado, a progressão não era a direito. Mas eram muitos, muitos, como um magote de formigas. Viam-se as pessoas a afastarem-se deles, a correr. Entravam pelo asfalto, obrigando os carros a parar, a chocarem uns contra os outros. Vi alguns a serem atropelados. Vi o condutor a sair, de mão na cabeça, e dobrar-se sobre a vítima. Vi então outras destas estranhas aparições cairem sobre o condutor e os braços deste a agitarem-se no ar. Vi pessoas a assistirem à cena petrificados, a gritarem em silêncio na distância. Vi dois jovens a acorrerem de paus nas mãos, batendo nas estranhas aparições, apenas para serem derrubados sob o ataque de mais seres. Apesar de se deslocarem devagar, quando atacavam (porque apenas podia descrever o comportamento como ataque) pareciam ganhar vida e cercavam a vítima. Vi isso acontecer nos dois minutos seguintes a um grupo que subia o parque, a uma rapariga no marquês, aos quiosques de jornais.

A confusão em cada um dos grupos atacantes não deixava ver nada do que estaria a acontecer, embora não indicasse nada de bom. Finalmente, o primeiro grupo desfez-se. Um por um os atacantes iam-se afastando, levando consigo bocados de qualquer coisa que jogavam à boca. Poucos se mantinham ainda junto do condutor caido. Havia manchas no chão e o homem não se movia. Pior, parecia já não estar inteiro.

A incredulidade não me fez relacionar todas as evidências, até que alguém mais expressivo concluiu: Estão a devorá-lo!

Caiu um silêncio na sala.

Isto é a sério?, perguntou o nosso alemão mais novo. O meu sócio, aproveitando a deixa, começou a dizer que devia tratar-se de algum filme ou encenação de rua, e que tínhamos de voltar às negociações. Foi cortado pela chegada do elevador, e de uma senhora britânica extremamente agitada, que correu para os braços de um homem da sua idade.

Vamos sair daqui, depressa! Estão a vir para o hotel!

Foi obviamente a palavra-chave. Os clientes dirigiram-se em uníssono para os elevadores e para as escadas, ante os protestos ligeiros dos criados do hotel e o ataque de frustração do meu sócio. Uma das mulheres mais velhas estava a insistir com os filhos que iam já para o aeroporto e voltar para casa.

O meu telemóvel tocou. Era a Mariana. Estava muito agitada.

- Estás bem? Estás bem? - não conseguia dizer mais nada. - Onde estás?

- Já sabes o que se está a passar?

Queria dizer que sim, mas na verdade não sabia. Não sabia o que era aquilo. Olhei pelas janelas, agora completamente desimpedidas. As ruas estavam pejadas de atacantes, pareciam baratas a emergir de todos os cantos. Não podia ser um mero espectáculo.

- Estamos em guerra?

- Luís, a televisão está a dizer que são mortos. Os mortos regressaram à vida. Estamos a ser atacados por zombies. E é em todo o mundo.

Estão a bater à porta. Espero que seja o meu sócio. Não o voltei a ver desde o êxodo do hotel. Espero voltar em breve com mais detalhes. Entretanto, fiquem a conhecer relatos de outros sobreviventes.

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