Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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07 Outubro 2008

A Estrada Coberta de Vidros, e Estou Descalço. (Recuperação de um texto meu de Janeiro de 2001, quando ainda prometia haver futuro. Sobre Jano. Quem será Jano?)

2001. O ano mítico do contacto. O que temos e o que perdemos são as duas faces de um Jano impiedoso, que se pode chamar Tempo ou Entropia, mas ocultam normalmente um terceiro rosto, que é o do que não chegámos a ter.

Simbolicamente, onde se encontra o universo das nossas expectativas? Existirá mesmo esse universo, será real segundo o dogma de Everett (universos paralelos) ou o decair da onda probabilística, o desnudar da partícula, remete o que não chegou a ser para o reino do impossível, e portanto para sempre longe do nosso alcance? E contudo, se existir, poderemos ter acesso a ele? Acesso potencial e acesso efectivo são duas realidades distintas, como os arquivos governamentais e militares já nos fizeram ver - e não se trata apenas de uma questão de permissões. Num arquivo público milenário, tudo o que não se encontrar devidamente indexado estará para sempre perdido no meio de milhões e milhões de bits de informação, num estado potencial de não-existência, ou existência virtual, idêntico ao da física quântica. Ah!, poderia ter dito Murray Gell-Man, afinal são iguais as regras da informação e da física de partículas. Ou nas imortais palavras dos sábios orientais: «Se uma página web for colocada na internet, mas não estiver indexada em nenhum motor de pesquisa nem em nenhum portal, irá ser alguma vez acedida?»

Assola-me por vezes este conceito, que poderia dizer pesadelo, da biblioteca de Borges, onde estão contidos todos os livros alguma vez escritos, alguma vez por escrever. Todo o conhecimento da humanidade está lá, misturado com todas as mentiras e ficções e factos distorcidos. Um corredor de estantes que poderia atravessar a distância entre o Sol e Alfa de Centauro, ou secalhar até Tau Ceti (não fiz os cálculos, na verdade, o que é um mau exemplo de especulação), e tão inútil, tão desprovido de sentido e pragmatismo como a sua não-existência. Quanto tempo levaríamos a distinguir o que era verdadedo que o não era? E=mc2 ou E=m2c? O caminho da iluminação, tão querido aos praticantes das artes orientais, teria de ser percorrido com igual esforço - ou talvez maior, pois não teríamos bases, ponto de partida.

Talvez o modo de funcionamento do nosso universo seja então o correcto. Perde-se algo, ganha-se outro algo. Na transição encerra-se a experiência. Na experiência acumula-se a sabedoria para acelerar e melhorar o resultado da próxima escolha.

Mas alguma vez é a certa?

O mundo acordou para 2001 com sonhos de frigoríficos que encomendam leite a servidores remotos que despejam os pedidos em companhias de transporte, que por sua vez têm sistemas de gestão de inventário que fazem encomendas automáticas e previsões de vendas para outros sistemas remotos, controladores das linhas de produção, que fazem estimativas dos litros, e por consequência, do número de vacas necessárias para dar resposta ao pedido inicial do frigorífico, que não entende porque é que precisa de leite, mas sabe que precisa. Sonhos de silício. Máquinas que falam, portas que se abrem sozinhas, lojas que seduzem quem passa, quais protitutas de neón e vidro. Prateleiras customizadas. Livros que se escrevem enquanto se lê. Livros quese apagam depois de serem lidos. Livros que nem é preciso ler. O mundo como um brinquedo, um brinquedo típico de adultos: monumental, erótico, perigoso.

Kundera escrevia há tempos, «A infância é o futuro da humanidade». Ao que acrescentei, numa fase de rebelião juvenil, «e dos governos a paternidade» - mas a queda do Muro pôs fim às primaveras de Praga, e suas ameaças. Já não temos de temer os homens nos castelos altos, eles estão aqui connosco, sujeitos aos mesmos fantasmas. Os fantasmas dentro das máquinas. Nós. O que ganhamos, o que perdemos? A resposta terá de ser dada pelos nossos pais ou avós, e mesmo eles não entenderão a pergunta. Enebriados pela velocidade, sem regras de comportamento numa estrada que ninguém percorreu, dentro de um carro que ainda não sabemos conduzir muito bem, aceleramos todos juntos. No meu lugar, estou tão inebriado como os outros, a adrenalina corre, quero ver a próxima curva. Há uma sensação de desastre eminente, mas está tudo bem - não vai acontecer no nosso tempo, não vai ser a nossa geração a prejudicada. Ou estaria, se não olhasse ocasionalmente pela janela.

Aqueles rostos perturbam-me. Não são as formas esguias que cobrem a paisagem, indistintas e deformadas pela rapidez, que visualmente seriam árvores mas no espaço das metáforas, poderão ser os fantasmas de oportunidades perdidas, filosofias de vida diferentes, outras paixões - não são os vales e precipícios por onde alguns de nós vão tombando, pois desde cedo nos resignamos à certeza da morte. São os malditos rostos impassíveis, as faces brancas no meio da noite, observando-nos sem juízo nem curiosidade, que me perturbam. Os rostos todos, os pontos brancos, a cor da cal, os olhos negros cavados sem alma no interior, sem agitação, fantasmas ou apenas vizinhos do lado vivendo segundo outras regras. A maldita impassividade de todos eles que me faz sentir inseguro nas convicções, sentir que tudo isto é falso e irónico. O rumo não tem saída, o nosso fim não será o ponto de partida dos próximos, e como fósseis deixaremos apenas um sentimento generalizado de intriga.

Em 1968, quando Kubrick e Clarke andavam às voltas com o guião místico-mágico, à procura de verdades fundamentais e da abordagem cinematográfica correcta que disfarçasse a banalidade do enredo, deles era o sonho de uma Lua colonizada, de um espaço semeado de colmeias nos pontos de Lagrange, na expedição tripulada a Marte e Júpiter and beyond. Um futuro pontificado e beatificado nas páginas da Analog, nas palavras de Heinlein, nos ditames de Clement. O que tinham ganho, o que tinham perdido e do que estavam à espera, tudo era então diferente.

Jano não perdoa. Jano não tem duas, mas três faces.

1984. 2001.Qual o terceiro ano literário?

E será que dessa vez se irá cumprir?

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06 Outubro 2008

Três Perspectivas, Três Citações Diferentes que se retiraram da apresentação do documentário de António de Macedo no decorrer da modesta homenagem efectuada durante o Fórum Fantástico deste ano. Dizemos modesta porque é preciso que seja feita uma retrospectiva completa da sua obra e recuperação dos seus filmes. O documentário versava sobre a figura de Almada Negreiros, uma das pessoas mais citáveis do século XX. Das observações pertinentes registadas pelo João e pelo Pedro, deixo-vos com esta: «Pergunta: O que pensa da morte? Resposta: A morte não é como a vida, mas é como as etapas da vida.»

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