Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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13 Julho 2009

Pulp Is The Plan, The Plan Is. E eis-nos chegados à primeira grande eliminatória. Destes finalistas, serão escolhidos uma dezena para compor a secção de participações livres da antologia Pulp Fiction à Portuguesa. Seguem-se identificados por título e país de origem, mas com o nome do autor omitido – bastantes autores fizeram questão em assinar as obras com pseudónimo, ainda que esse requisito não fizesse parte do regulamento, e, sem termos tido possibilidade de os contactar previamente, preferimos manter o anonimato.
  • Necronomicon (Portugal)
  • A Ilha (Portugal)
  • O Inconsciente (Portugal)
  • A Invasão (Brasil)
  • Noites Brancas (Portugal)
  • Horror em Sangue de Cristo (Brasil)
  • Mundo Fatal (Brasil)
  • O Lamento dos Mortos (Brasil)
  • O Tenebroso Mistério da Vila dos Pescadores (Países Baixos)
  • Crónica de um Pirata por um Dia (Portugal)
  • Viagem Nocturna (Portugal)
  • Ontogénese (Portugal)
  • O Segundo Sol (Portugal)
  • Pena de Papagaio (Portugal)
  • Valente (Portugal)
  • Pirâmide do Apocalipse (Portugal)

Parabéns aos finalistas. Temos aqui histórias de elevado calibre, que agora terão de encaixar-se no formato, dimensões e plano que estamos a prever para o livro. Temos de tudo aqui: de ficção científica a western, de aventuras nos Descobrimentos a histórias de espionagem com misticismo à mistura. Os autores de língua portuguesa não ficam atrás dos seus congéneres anglo-saxónicos.

Resta-nos agradecer a participação e a paciência de todos. Ficámos muito satisfeitos e surpreendidos pelo volume de participações e pela qualidade global do processo, e como já tivemos oportunidade de afirmar, a continuar assim, a literatura popular portuguesa irá ter passar por um período de invulgar interesse nos próximos anos. Esperemos que continuem a participar nas nossas iniciativas.

Passaremos agora à composição final da obra, à selecção e organização temática das histórias e ao enquadramento com as participações dos autores convidados, que, como se lembram do regulamento, compunham a outra parte da iniciativa. Ainda temos muito trabalho pela frente, mas estamos no rumo certo.

Nova actualização daqui a quinze dias. Vão seguindo este espaço.

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05 Julho 2009

Não Obstante Proclamar-se como seguidora do cepticismo científico, e esteja repleta em boa medida de tentativas honestas de emular, a verdade é que a Ficção Científica padece de muitas e variadas falácias que se entranharam no discurso e nas crenças de quem segue e debate o género - como, aliás, a própria ciência.

Uma destas falácias é a da importância da Ficção Científica internacional.

Leia-se, por «internacional», escrita em idiomas que não o inglês e, em certos casos, publicada em outros mercados que não o norte-americano. Este centrismo cultural só poderá parecer chocante para quem não conheça a História e a dinâmica do género, uma vez que, pese obstante a expansão e desenvolvimento mundial de uma comunidade que o segue devotamente, durante o quase século de existência, as modas, os critérios de apreciação, os temas fulcrais, em suma, o género em si, foram e continuam a ser ditados pelos autores daquele país. Antigamente falava-se de exploração espacial, foguetões e naves interplanetárias, colónias lunares; hoje fala-se de biotecnologia, ecoterrorismo, imortalidade, mundos virtuais - os debates iniciaram-se nas revistas pulp dos Estados Unidos, transbordaram para o formato romance e actualmente reproduzem-se em filmes, em sítios web, em best-sellers editados simultâneamente em diversos países.

Terá contribuido para tal a excelência com que se contavam as narrativas - os autores eram obrigados a aprender a contar histórias, contá-las de forma a que fossem interessantes, se queriam ser escolhidos pelas casas editoriais e assim colocar pão na mesa; isto permitiu que se eliminasse a gordura do proseletismo e se desenvolvessem técnicas eficientes de encadear cenas e manter um ritmo e desvendar plot points na tentativa de captar a atenção dos leitores, muito à semelhança dos canais televisivos de hoje. Terá contribuído também, sem dúvida, a visão do pragmatismo individualista do homem competente numa mágica terra de oportunidades, na qual não existiam ditadores, opressão política, repressão policial, uma terra de fronteira de controlo reduzido pelas forças da autoridade onde uma pessoa valia pelas suas capacidades. Esta terra prometida, mais relacionada com a imagem que a América fazia de si mesma do que a América que efectivamente era (e que se viu incapaz de continuar a ignorar os problemas internos aquando dos movimentos sociais dos anos 60), cairia como maná dos céus sobre os outros povos do planeta - em particular, sobre países que eram forçados a existir debaixo do jugo de botas políticas e onde se ia desculpando a existência a literatura fantástica como uma forma inócua de descompressão das massas. Não se admire, portanto, que este sonho de fugir dos problemas mesquinhos do planeta, esta necessidade premente de se abandonar o lar problemático e encontrar uma nova história de vida num lugar do universo em que tal seja efectivamente possível, tivesse um forte apelo. Tal é a necessidade da juventude, tal é a necessidade do oprimido, tal é a necessidade de quem, na meia-idade, se debate com a angústia de ter comprometido os sonhos ao ter tomado as escolhas mais razoáveis para a sua vida.

Assim, a Ficção Científica expandiu-se pelo mundo, e quando se fala em Ficção Científica referimo-nos a romances de autores norte-americanos e ocasionaisbritânicos, e quando se fala em mundo, traduza-se em países de tradição não-anglófona, e quando se fala em expandiu-se devia dizer-se impôs-se.

Isto foi assim ontem, isso continua a ser nos dias de hoje. As tradições custam a mudar, em particular tradições que nasceram há pouco tempo e que, é reconhecido por todos, funcionam na perfeição. Sim, porque diga-se o que se disser do auto-centrismo norte-americano dos prémios Hugo e Nébula, é por via deste centrismo, precisamente, que se desenvolveu e se mantém uma comunidade internacional, efectiva, de apreciadores. Quando o olhar de todos se foca no mesmo palco, é possível debater-se em igualdade de circunstâncias, independentemente das culturas de origem e da língua nativa, os méritos e os fracassos desta obra ou daquele autor. É possível partilhar modelos de qualidade e julgar outras obras (inclusive nacionais) perante estes. Quando, no ano passado, tive o prazer de me sentar com algumas personalidades da FC checa numa cavaqueira de café e lhes perguntei sobre a produção nacional e que qualidade lhe era atribuida, a resposta surgiu nos mesmos termos que eu teria dado: comparada com os modelos norte-americanos. Percebi de imediato a mensagem, como eles devem ter percebido a minha descrição da portuguesa. Como lhes conseguiria ter explicado Saramago ou Lobo Antunes num universo alternativo? «Antunes. like Kundera, wrote about his country's political turmoil, only without the deep, intelligent irony»? Não faço ideia...

Obviamente que quem está no palco tem outra perspectiva. Para já, a incapacidade de diferenciar friamente tiques culturais embutidos na produção realizada. E depois uma curiosidade sincera de conviver com a plateia e descobrir quem está do outro lado. Estas tentativas de abordagem são bastante apreciadas pela comunidade internacional e amiúde provocam tentativas contrárias de chamar a atenção, colocar o braço no ar, como o rapaz que quer ser escolhido para participar na cena de magia.

A estas iniciativas tem-se dado o nome de antologias internacionais de contos de Ficção Científica. Não diferem muito entre si. Comum a todas é o forte pendor geográfico que se impõe à selecção e que se sobrepõe a critérios de qualidade. São o equivalente literário da ONU, cada país um assento, um momento de discurso. E como a ONU, são igualmente impotentes em mudar, pela imposição, o rumo da História.

Da História da Ficção Científica, claro está. Uma História construida, como dissemos, com o olhar voltado para um palco, para um entendimento da narrativa. Com a melhor das intenções, alguns editores e autores trocam de lugar com membros da audiência e a seguir pedem-lhes que apresentem um «colorido local» - pois afinal há um mercado a convencer e contas a pagar, e aquele é o pitch que melhor vende. Pedem-lhes e medem-nos com base nisso. Os críticos medem-nos com base nisso. E não querendo ser maus hóspedes em casa alheia, os autores agitam os braços e mexem as pernas e procuram no seu melhor povoar as histórias de palavras da língua e cenários da terra. Ou, fugindo à analogia, escolhem histórias em que este colorido local talvez exista, histórias que possivelmente não serão as suas melhores. Talvez as melhores fossem as que se passam numa estação espacial colonizada por americanos; mas porque haviam os americanos de estar interessados numa história que um deles poderia contar, e com mais conhecimento de causa?

O resultado é invariavelmente uma farsa. Uma farsa bem intencionada, por vezes de qualidade, mas de ocorrência única, sem repetições. De tempos a tempos, alguém se lembra que é necessário mais uma - mas ao contrário das antologias anuais de contos em língua inglesa, estas não existem em sequência. Não existe uma Year's Best World SF para 2006, 2007, 2008... São acontecimentos erráticos e inesperados, logo votados ao esquecimento. Falta uma revista, uma publicação periódica, a montagem de uma máquina de tradução e conversão dos textos estrangeiros numa língua franca.

Mas será que faz mesmo falta? 

O meu pendor céptico leva-me a confiar na força das evidências. Perante tanta divulgação e possibilidade de contacto, a verdade é que não estamos mais próximos de uma FC mundial do que estávamos antes da internet ou nos anos 50.

Ou como confidenciou Bruce Sterling a Cory Doctorrow (mencionado por este numa das edições do Tesseracts), aquando da presença de ambos nuns encontros australianos:

Sterling, in his curmudgeonly way, opined that no one outside of Australia was crying out for more Australian science fiction. No one, apart from an Australian, felt any lack of Australianness in their sf diet. I had to admit he had a point.

Confesso que rejeitei a princípio esta afirmação. Em parte ainda a rejeito. Sei que há grandes autoresna FC francesa, na espanhola. Sei porque consigo ler o que escreveram. E sei, em segunda mão, que o mesmodeverá ocorrer na Polónia, tal é a veemência com que encontro afirmações da importância da FC polaca para os países do centro europeu. Mas como não me vejo com a possibilidade de investir o meu tempo na aprendizagem do polaco, duvido que alguma vez consiga confirmar estas afirmações em primeira mão. Nunca saberei o que está entre as capas dos poucos livros de bolso com capas de space-opera que trouxe, por graça, da República Checa, tão igualmente encantadores e alienígenos.

A não ser as excepções - aqueles que conseguirem sobressair do poço sem fundo de um idioma pouco divulgado e acabarem traduzidos numa das principais línguas do mundo. Foi afinal assim que Lem se tornou conhecido. Bem como os Strugastky.

Mas nem Lem nem os Strugastky criaram movimentos. Não abriram as portas a novos temas. Na sua condição de convidados especiais, existiam fora do discurso principal, e a Ficção Científica vive muito do discurso - este propõe um uso particular de um fenómeno físico, aquele inventa uma raça capaz de existir numa dobra do espaço, o terceiro apropria-se do fenómeno e da raça e tece uma saga dinástica. Tudo isto acontece em palco, em tempo real, actualmente potenciado, sem dúvida, pela tecnologia das redes sociais. Um livro, outro, outro ainda, e de repente, it's cyberpunk all over again...

E relutantemente admito o sentido da observação de Sterling.

Ninguém precisa de uma FC australiana. Ninguém precisa de uma FC europeia. Ninguém precisa de uma FC latino-americana. Ninguém, efectivamente, precisa de uma FC portuguesa.

Mas precisamos de uma FC norte-americana.

E não é derivado do auto-centrismo daquele país. É infelizmente uma sensação partilhada por toda a comunidade mundial, embora quase ninguém a assuma.

É possível que estas afirmações vos causem algum desconforto, talvez a vossa primeira reacção seja a minha, de repúdio e contra-argumentação enervada. Não digam ainda nada. Como em quase todos os conflitos interiores, deixem que seja o coração, e não a mente, a revelar o que realmente pensam. De modo a expor esta revelação, vou pedir-vos, como Matthew McConaughey o fez em Tempo de Matar que fechem os olhos e imaginem: imaginem duas gigantescas pilhas de livros, ou se forem mais tecno-orientados, DVDs repletos de milhares e milhares de obras electrónicas.

De um lado, está toda a produção de FC norte-americana: todos os Asimovs, Heinleins, Benfords, Bears, Haldemans, Sturgeons, Ellisons, Simmons, LeGuins, Tiptrees, todos os Strosses, Sterlings, Flynns, Barnes, todos os Paolinis, Meyers, Hamiltons. Todas as obras publicadas, todas as que virão. Todas as space-operas, a New Wave, o ciberpunk, o steampunk, o ribofunk, e demais movimentos e subgéneros.

Do outro, o resto da literatura fantástica. Os autores britânicos, os australianos, os neo-zelandezes. Os da África do Sul. Os de Cuba, México, Venezuela. Os do Brasil. Os franceses. Os espanhóis. Os russos. Os italianos. Os turcos. Os gregos. Os polacos. Os alemães. Imaginem também que todas estas obras estão traduzidas na vossa língua e assim, finalmente, ao vosso alcance.

E sim, os portugueses estão também na segunda pilha. Os escritos dos nossos autores. Os meus escritos. Os vossos escritos.

Imaginem que estão de partida para nunca mais voltar. O sol entrará em colapso em pouco tempo e precisam de fugir do planeta. O que levarem convosco, ficará a salvo. O que não escolherem, será destruido juntamente com a Terra.

E vão ter de escolher. Uma das duas pilhas. Não há tempo para misturas. Não há tempo para fazer combinações, metade daqui, metade dali, nem 30-70.

Vão ter de escolher os únicos livros que vos irão acompanhar pelo resto da vida.

E não podem voltar atrás.

Levantem-se, vão percorrer a vossa biblioteca, relembrar o que cada livro significou para vocês quando o leu. Imaginem-se mesmo a fazer esta escolha.

Agora que já sabem a resposta, abram os olhos. Não precisam de me dizer, não precisam de contar a ninguém. Diferentes pessoas chegarão a diferentes respostas. Mas eu conheço-vos, e sei qual foi a pilha mais escolhida.

E é com este vosso conhecimento honesto das preferências que nutrem que posso finalmente desvendar o que motivou estas observações: alguns posts, um blogue e uma nova antologia, tudo em prol de uma suposta FC internacional que não cobre um planeta, que não é uma massa terrestre e que dificilmente consegue ser um arquipélago – mas que espero sinceramente (quando um dia existirem tradutores automáticos minimamente eficazes) que um dia se torne realidade.

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