Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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01 Setembro 2009

Enquanto Evento Que Ninguém Celebrará, fez o ano passado (final do ano, se a memória não me atraiçoa, seria Outubro ou Novembro, pois foi na época em que começou a minha incursão de cinco anos na faculdade - sim, malta nova, na era medieval pré-Bolonha tirar uma licenciatura demorava cinco longos e extenuantes anos) vinte anos da publicação em Portugal das duas mais importantes obras do movimento Ciberpunk: Neuromante e Reflexos do Futuro.

A primeira é conhecida de todos, e praticamente dispensa apresentações. É a história de um mercenário caído em desgraça que se vê tentado a recuperar a vida anterior num golpe proibido e perigoso. Como o confirmaria mais tarde, Gibson procurou um enredo simples para apresentar aquele novo e complexo conceito do ciberespaço, um mundo em que mente e máquina se encontravam irremediavelmente ligadas. Naquele mundo havia espíritos, mas dependiam de plataformas físicas de processamento de informação e poderiam ser interrompidos, mantidos em suspenso, reinicializados. A informação era navegável, existia enquanto universo paralelo ao nosso, imediato mas invisível e acessível apenas aos iniciados. Que melhor droga conceptual para adolescentes inteligentes que cresciam na emergente sociedade informatizada em que hoje vivemos? Como encarar Case e a sua postura melancólica, sombria, perante a existência, senão como um reflexo da atitude desprendida, romântica, do jovem adulto que ainda não entrou definitivamente no frenesi do quotidiano do dever profissional e das dívidas bancárias? Como esquecer a célebre frase de arranque que equipara o céu cinzento a uma televisão sem emissão - uma tecnologia em mansa extinção, por sinal - e que de imediato estabelece o tema do livro? Criticado por muitos, foi no entanto, acredito, aquela poesia extremamente delicada do estilo que Gibson escolheu para a textura da sua visão que sustentou - e simultaneamente impossibilitou que se igualasse em qualidade - toda a panóplia de seguidores e imitadores do que se viria a designar por ciberpunk. Esta seria também a obra que encerraria a versão em capa dura da saudosa e curta colecção Contacto que João Barreiros orientou para a Gradiva.

Reflexos do Futuro, por outro lado, será, para sempre, a péssima escolha de título para a edição portuguesa de Mirrorshades, antologia organizada por Bruce Sterling, e que procuraria definir - de uma forma muito lata e pessoal - os temas que se poderiam considerar como «ciberpunks». Os óculos espelhados tinham sido adoptados pelos autores como um símbolo estético do «artista da rua», não o maltrapilho/hippie de antigamente, mas o jovem inteligente, audaz, autónomo, capaz de conversar directamente com a tecnologia do quotidiano e desta obter o poder necessário para subverter tradições e defrontar os powers-that-be. Sterling escolhera - já o movimento, longe de ser algo novo e excitante, começava a extinguir-se, embora entre nós estivesse a surgir - um conjunto muito concreto de autores, que lhe granjeou algumas polémicas, e designara os que seriam os temas essenciais. (Um aparte importante: a alegria pessoal de saber que Portugal veria a tradução deste livro - uma alegria que só quem atravessou uma época sem Amazon nem internet nem facilidades de encomendar no estrangeiro é capaz de entender, e esses, malta muito nova, não são vocês, garanto-vos - seria imediatamente cortada, qual bofetada dada com luva de ferro em brasa, assim de forma tão graficamente dolorosa, ao descobrir que a tradução estava assegurada pelo senhor Eduardo Saló, talvez um dos piores tradutores de que há memória nas letras nacionais e que tinha um infortuito pendão pelo género da ficção científica. E tal como prometido, eis que ciberpunk surgiria transformado em cibermaníaco - tradução sem dúvida indispensável, pois quem seria capaz de entender um termo tão recôndito como «punk»?... -, apenas para ressalvar uma das atrocidades que mereceram o devido repúdio numa crítica publicada na revista portuguesa Omnia.)

Depois destas obras - sem dúvida, seminais -, o silêncio. Só cortado, numa fugaz passagem, pela publicação descontextualizada, mais de dez anos depois, de Software de Rudy Rucker pela Caminho e Schismatrix Plus de Bruce Sterling pela Editorial Presença, este último numa edição completa que se queria definitiva e não inovadora para uma colecção nascente. Eis o que representou o movimento ciberpunk, a nível literário, no nosso país. Ficaram para trás - como ficarão, pois pouca ou nenhuma atenção é dada a livros que não sejam novidades internacionais ou que não tenham sido publicados nos últimos anos - as obras dessa época de Pat Cadigan, Lewis Shiner, Mark Laidaw, Tom Maddox, Paul di Fillipo, George A. Effinger, Walter Jon Williams, e outros.

Os autores ciberpunks, diga-se em boa verdade, depressa desbravaram outros terrenos, desligando-se do género que fugazmente ajudaram a fundar. Mas a obra ficou. Foi talvez um dos últimos movimentos pró-tecnologia e pró-ciência da FC do século XX, que logo enveredaria por uma fase de encantamento pelos temas vampirescos (sim, antes da Meyer, pessoal de memória curta, houve quem tentasse explicar cientificamente o vampiro, tendo daí nascido obras como O Império do Medo, do Brian Stableford e Children of the Night, do Dan Simmons - claro que estes eram vampiros a sério, e não as versões metrossexuais que encantam as miudinhas de hoje, por isso talvez não tenham tido sucesso milionário...) e outros temas mais esotéricos... e pelo caminho, a FC adulta - positivista, racional, activa, crítica do mundo - perdeu o rumo.

Paul di Fillipo evoca algo da época e do que o movimento significou para todos os envolvidos. É um artigo que sabe a pouco e que contudo abre muitas portas escondidas. Algures, intimamente, escrever ciberpunk ainda me sabe a actual.

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30 Agosto 2009

O Outro Grande Destaque destina-se ao lançamento mais aguardado da temporada - o da fanzine Dagon, organizada por Roberto Mendes (um dos principais organizadores do blog colectivo Correio do Fantástico) e que vem apresentar um novo espaço de publicação aos autores portugueses, tão necessário depois do cancelamento recente da Phantastes e da Nova. Conta com ficção, poesia e ensaios de Jorge Candeias, Pedro Ventura, Roberto Mendes, Carla Ribeiro e um outro tipo que assina LFS, além de outros temas de interesse. Uma apresentação mais extensa será feita futuramente. Para já, fica a notícia e a indicação: vão ler

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