Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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28 Outubro 2015

Há Males Que Vêem Por Bem.  O anúncio de mais um capítulo na saga infantil Guerra das Estrelas (que mais adequadamente se devia ter vertido em «Guerra nas Estrelas») faz rodar por instantes o foco do projector na direcção de um género literário, ora incompreendido ora (é bom admitir) auto-inconsistente, mas (berre-se a todo o vapor) em crescente e lamentável ausência dos escaparates físicos e virtuais dos pontos de venda e dos catálogos editoriais (os quais revelam uma crise de afirmação ainda mais profunda do que a do país nos últimos anos). O foco do projector roda e ilumina textos como este - que, em defesa e enaltecimento da jornalista, procura ser educativo, abrangente e cativante, permeado de hiperligações para autores e obras que, acabamos por descobrir, não se encontram traduzidos para a mátria língua (lamente-se um pouco mais a dita ausência). De nossa parte fica o alerta do João Seixas, que «de ficção cientifica, Star Wars tem pouco», o que já é ser generoso. O que teve (e tem) foi uma capacidade de visualização dos temas familiares da literatura em causa, que sem dúvida impressionam (e impressionaram) as mentes mais jovens - em ecrãs gigantes, muito antes do 3D e dos sistemas Dolby Surround, quando era preciso avisar os pais a partir de telefones fixos de que íamos ao cinema e andar com uma biblioteca no bolso era uma ideia insana que nenhum futurista sério se atreveria a propor publicamente. Outros tempos pedem outras tecnologias, e não há blockbuster sem CGI nem lançamento sem respectiva nuvem de apps e outros artefactos informáticos e honras (pagas, desconfiamos) de telejornal. A nossa proposta é simples: não voltem para casa logo após a festa. A verdadeira descoberta começa depois.

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01 Agosto 2015

Desvendar um projecto novo. Porque, como se não bastasse o desafio de incentivar a escrita do género Fantástico (cá na casa, preferimos a variante científica e democrática, que de magos embirrentos já estamos fartos), lembrámo-nos de juntar aquele erotismo que vai além de fricções e misturas. Para desnudar aqui e acompanhar com particular atenção estes presentes e futuros ensinamentos.

Eros. Eros move a existência. Eros é aquele que procura o futuro, negando a morte, revoltando-se contra o império do oblívio, da decadência e do fim. Eros adorna os gestos e intenções sublimadas. Eros sustenta cada propósito individual e colectivo. Eros é um mar que invisivelmente cobre e enche os outros mares que nos conduzem. Eros está em cada pessoa e também em nenhuma. Eros não existe, excepto quando se deixa ver. Eros é, afinal, a contradição de si mesmo. Eros, procurando a vida, necessita do fim. Do fim breve e curto, sendo Eros eterno e perene, brilhando em paixão lenta mas consumindo-se numa explosão finita. Eros é o sexo e a promessa do sexo e a negação do sexo. Eros precisa do esquecimento para sobreviver, e revoltando-se, como se revolta, contra a decadência, também nela encontra sustento.  Eros é sobrevivente exímio, predador e presa, paradoxo completo que se manifesta no colectivo, desde que seja um colectivo feito de indivíduos.

Eros não habita os animais. Eros não habita o animal que habita o humano. Eros é uma função narrativa, efeito secundário das histórias, sombra das curvas matemáticas, a volúpia das palavras escolhidas a preceito que se destinam a evocá-lo. Eros, deus-demónio-mor, não se digna aparecer sem o devido encantamento. Sem os ritmos lânguidos ou o pavor excitante ou o canto doce e suave do porto seguro. Eros despe-nos de máscaras sem garantia de devolvê-las – logo ele, Eros, que é mestre dos disfarces:

Eros Anunciata
A virgindade que se anseia perder. O amante longínquo que não telefona, que pertence a outra pessoa, que hesita. Aquele e aquilo que nos faz sonhar. O prazer que há-de vir e quebrar a monotonia. A promessa de uma aventura, com todos os seus perigos. O segredo em tudo isto. O amor que é só nosso, intenso e luminoso como o sol do meio-dia numa vida cheia de nuvens. Os amantes que se escondem do regime opressivo, do Estado, dos pais, da norma. Pensar no êxtase jovem, em crescimento, que pode habitar pele velha. Tudo é positivo e possível, a este Eros. Tudo é romance.

Eros Asfixia
Este é o Eros das relações sufocantes. Dos maridos abusivos, dos pais dominadores, do parceiro que castra, espezinha, ridiculariza, destroi sem consentimento. O Eros das violações, da imposição pela força, da violência insana, da subjugação interminável, da escravatura pelos Antigos, da perda do eu ao encontro do nada. E não acaba, não acaba, não acaba...

Eros Continuum
Não tem fim nem começo porque é o Eros do mundo quântico, que une partículas e as repele, forma estruturas complexas, dá alento a tudo o que se conhece. Eis o Eros que sustenta feitos grandes por heróis pequenos, que ama e que despreza, que canta e encanta e se desencanta, voando entre paixão e amor e flirt. Quebra corações por onde passa, sempre com o olhar na próxima conquista, impulsionado pela insatisfação como quem, caindo, dobra as pernas em preparo do pulo seguinte. Faz amor antecipando a próxima vez em que fará amor. Repete palavras sedutoras em jeito de ensaio permanente para o grande espectáculo que nunca mais chega. Este Eros apenas se deixa aprisionar por uma força maior do que ele. Um feito tão improvável que, quando acontece, origina ondas de choque que trespassam as eras e fica marcado na História.

Eros Extravaganza
Não se consegue saciar este Eros. Não se consegue aplacá-lo com raças, cores, texturas, fisionomias, contornos. Prometendo-se diversidade, quer o específico. Oferecendo-se o específico, procura o volátil. Tenta o prazer e a dor, o carnal e o imaterial, a segurança do familiar e a ansiedade do desconhecido. Vive pelo prazer e para o prazer, não o absoluto, mas o concreto, o que fica na memória, o que se testemunha, o que deixa marcas na pele. Angustia-se e escreve memórias sobre a sua angústia enquanto planeia conciliar encontros com diferentes amantes. Atrai-o quem lhe oferece a diferença, aquilo que lhe falta experimentar, o que tem ainda de descobrir em si mesmo. Há uma grande dose de onanismo em si, mas até de si se enfada rapidamente.

Eros Imprimatur
O Eros da aceitação social, colectivo, público. O Eros do casal, e o que o casal faz, todos vêem. O que lhe acontece, todos discutem. É o Eros do noivado, do casamento, dos filhos, da casa suburbana, do emprego de escritório, da crise de meia-idade, das esperadas mas pequenas traições. O Eros da glória e do enfado, construido com escolhas e esforço, uma vida na posição do missionário. O mais pacífico e, nos momentos inesperados, o mais explosivo.

Eros Vulgaris
Este Eros anuncia-se à distância. Vem de chinelos nos pés e charuto na boca, a berrar conquistas e suar de insegurança, alto, vibrante de energia e coberto de caracóis na peitaça, enquanto crianças e cães correm e riem ao seu redor. Livre de mal-entendidos e concepções fantasiosas, tem pele translúcida que tudo deixa ver, ambições limitadas mas bem definidas, e, quando joga, calha-lhe sempre a mesma cartada. Seguramente que nunca protagonizou os teus sonhos amorosos, mas, de quando em vez, em ocasiões bem determinadas, é desta leveza que precisas. Mas ai de ti se te faltar coragem ou lucidez, pois acordarás quarenta anos depois com ele, ainda, sempre, ao teu lado.

Eros Transcendentia
O amor sem agentes, sem falas nem protagonistas, longe de audiências, que não precisa de palco nem cortinas nem da ajuda do ponto. O amor sem carne nem figura, nem tempo, nem local. O amor tão puro e impossível de alcançar, porque começa e termina em si mesmo, em puro sentimento, em abstracção alquímica. O amor autista por não precisar do Outro. O amor auto-fágico. Eis o Eros mais raro de todos, de mais breve existência, e também o mais valioso. Anos de preliminares não garantem o seu aparecimento. É preciso transpôr o Além, abnegar-se do familiar e do preconceito, esquecer o humano. Deus brinca às escondidas connosco, fugindo do nosso olhar e compreensão a vida inteira, excepto durante um breve segundo, não anunciado, inesperado, em que se mostra. Um segundo rápido que logo se esvai. Em que estaremos distraídos. Em que o impuro estará distraído. Mas vê-l’O, vê-l’O!... há-de compensar o sacrifício de tanta dedicação.

Até 31 de Dezembro.

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