Conceito de Luís Filipe Silva

Ficção Científica, Fantástico, Surrealismo, Realismo Mágico, Terror, Horror, Ciberpunk e História Alternativa - e por vezes, se fôr de excelente qualidade, ainda fechamos os olhos a um certo Mainstream...

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Conto

 

Luar

 

José Dias Egipto

 

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Estava ali há horas esquecida... Tinha tirado os óculos, seu escudo protector contra os vizinhos e conhecidos, e envolta em mantas e rodeada dos seus dois companheiros felinos tinha caído em perfeita quietude. Os olhos agora sem algemas podiam vaguear pela noite escura procurando caminhos de luz já seus familiares. Eram três pares de grandes olhos aliás que ali estavam, diversos na cor mas igualmente imersos naquela noite fria e escura, cúmplices no olhar mágico e absorto através da janela virada ao grande vale. Rufo e Oriana acompanhavam-na sempre, disciplinadamente mudos, naquelas incursões nocturnas por outros mundos, eles também apetrechados pela natureza a ver de noite mais fundo e melhor do que na claridade.

Deixou-se levar como de costume no enlevo daquelas mansas toalhas de cor e luz que como auras refulgentes desabrochavam dos seus olhos assim abertos. Porém naquela noite aquele silencio profundo da mente em vez de lhe trazer a exaltação e a febre do avançar no desconhecido trazia-lhe imagens frias do seu passado, como se numa tela de cinema se estivesse a projectar a sua vida. Uma enorme fadiga física acompanhava a visão dessas imagens e ela sentia uma fome desmedida de descanso, uma ânsia de partida, um retorno a um princípio que com a vida, com certeza, tinha esquecido. Mas o filme não deixava de passar...

Via-se pequenina, baptizada como Rosalina, mas chamada de Luar por toda a vizinhança e familiares. Ela, a princípio, não sabia bem porquê mas, depois, ouviu dizer que os seus olhos reflectiram logo ao nascimento um brilho prateado tão especial que espantou médicos e parteiras em todo o hospital. De tal forma esse brilho se notava que foi privada, logo ao nascer, do conforto e do carinho da mãe para a meterem numa caixa de plástico muito grande, chamada incubadora, e a ligarem por fios eléctricos de várias cores a aparelhos que pareciam pequenas televisões sempre a apitar. A mãe contava que lhe tinham feito muitos exames, que a não deixavam descansar em paz e que um deles, talvez o mais impressionante para ela pois até morrer falava nele com solenidade, tinha sido ao fundo do olho...

Quando as pessoas ouviam tal relato olhavam umas para as outras com ar circunspecto num misto de espanto, medo e comiseração. Ela não sabia, nem por palavras simples, em que teria consistido tal exame mas esse episódio do dealbar da sua vida , contado de mil formas pela mãe, alimentava-lhe fantasias desde criança.

Examinar-lhe o fundo do olho parecia-lhe algo fantástico, como se alguém já tivesse atravessado dentro de si fronteiras que nem ela atravessava mesmo a sonhar. E o que teriam visto ? E qual seria a razão para tal brilho no olhar que nunca nenhum médico conseguira descobrir?

No seu dia-a-dia, enquanto jovem, isso não a incomodava e passava longos dias sem se lembrar do assunto. Mesmo em frente do espelho já se tinha habituado a ver aqueles dois grandes olhos negros a brilhar, quais azeitonas pretas a demolhar batidas pelos raios do sol no mercado da vila. Porém mesmo assim preferia abrir as luzes todas mesmo de dia porque com muita claridade eles apagavam-se no seu brilho e tornavam-se praticamente normais. À noite é que era um problema quando tinha que se deslocar à rua, a casa de alguém ou até a um espectáculo ou passeio no Verão. Toda a gente se virava par trás na sua passagem,os conhecidos cochichando, os de fora pensando que seriam lentes de contacto ou qualquer outro artefacto moderno o que ela usava para abrilhantar assim o seu olhar.

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Autor:
José Dias Egipto