Conceito de Luís Filipe Silva

Ficção Científica, Fantástico, Surrealismo, Realismo Mágico, Terror, Horror, Ciberpunk e História Alternativa - e por vezes, se fôr de excelente qualidade, ainda fechamos os olhos a um certo Mainstream...

[Conheça o Manifesto]

Crítica

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~ O Futuro à Janela: Estudo da Obra e da Ficção Científica Portuguesa Actual ~

2. A Ficção Científica: definições

O que é a ficção científica? Existe um comum acordo entre os especialistas sobre a ausência de uma definição satisfatória do que é a ficção científica. Há muitas perspectivas que configuram o género. Vejamos definições tiradas de Barceló (1990):

  • Normad Spinrad disse: «Ficção científica é tudo aquilo que os editores publicam sob a etiqueta de ficção científica». Não deixa de ter razão este autor, mas não pode considerar-se uma definição.
  • Em 1953, o francês Michael Butor reconhece como ficção científica as narrações «em que se fala de viagens interplanetárias», uma definição muito reduccionista.
  • Lester del Rey caracteriza a ficção científica como «um intento de tratar as possibilidades alternativas de forma racional, apresentando-as como entretenimento». Esta definição salienta o carácter lúdico do género.
  • Fora das andanças deste género também houve definições, como a de Kinsley Amis. Para este autor, a ficção científica é «a prosa narrativa que trata uma situação que não pode ocorrer no mundo que conhecemos, mas que se estabelece como uma hipótese baseada nalguma inovação da ciência ou tecnologia [...] de origem terrestre ou extraterrestre». Eu não concordo completamente com esta definição, porque sim pode tratar uma situação no mundo que conhecemos. Só há que recordar a famosa anedota de uma obra de Cleve Cartmill em que as descrições de uma bomba atómica alarmaram o governo dos Estados Unidos pela sua exactitude e precisão.
  • Isaac Asimov: «A ficção científica é o ramo da literatura que trata da resposta humana à mudança ao nível da ciência e a tecnologia». Surge aqui o factor das ciências humanas e as interrelações com os elementos narrativos próprios do género.
  • Outra definição é a de Judith Merril: «Ficção científica é a literatura da imaginação disciplinada». Prescinde da base científica como elemento da definição.

A impossibilidade de definir o género pode ser explicado pelo feito de que este é um género em continuo processo de mudança das bases nas quais se sustenta. Nas narrações de ficção científica tenta-se responder à pergunta que sucederia se...?, isto é, à resolução de uma especulação imaginativa em que se analisam as consequências de uma hipótese extraordinária. Então, os elementos essenciais da ficção científica estão numa mirada de estranheza literária à vez cognoscitiva (com a intenção de apreender) e criadora; essa estranheza é o marco formal do género.

 

3. Breve História da Ficção Científica Portuguesa

A maior parte das obras de ficção científica situam-se sobretudo nos Estados Unidos, Rússia, os antigos países do leste próximos à Rússia, França, Grã Bretanha e Japão. Não vou aprofundar as características sociais, económicas e políticas depois da Segunda Guerra Mundial que tornaram possível a sua criação, mas é certa a afirmação de que este foi um género quase exclusivo nesses países durante muito tempo.

Portugal experimentou recentemente neste género, mas o êxito conseguido foi e continua a ser relativamente escasso. Em 1895 publica-se uma obra que inicia a etapa de proto-ficção científica portuguesa (antes da criação do nome do género em 1926): O Que Há-de Ser o Mundo no ano Três Mil, de Pedro Jose Supicco de Moraes (com a sua visão de uma sociedade futura). Este romance não tem seguidores até finais dos anos 30 em que se publica A.D. 2230, de Amilcar de Mascarenhas. É uma obra comprometida politicamente com o Estado Novo surgido em Portugal e tem características do género.

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Nas décadas de 40 e 50 há poucas obras de ficção científica publicadas e seguem a mesma linha de Amilcar de Mascarenhas: Mensageiro do Espaço e Ameaça Cósmica de Luís de Mesquita; e O Construtor de Planetas e outras histórias e A Morte da Terra de Alves Morgado. No final da década de 50 com o neo-realismo já presente, Enric Prince escreve Vieram do Infinito, na qual apresenta os alienígenas como amigos, e o antropólogo Romeu de Melo AK (1959), assim como dois contos de Lima da Costa.

Nos anos 60, a introdução das ciências humanísticas no género chegam a Portugal. Surgem uma quantidade significativa de obras, como: Crónicas do Tempo do Cavaleiro Charles e do Seu Fiel Escudeiro Pompidouze de Miguel Barbosa (que nos apresenta um autor-robô de um Novo Quixote); e O Grande Cidadão de Vergílio Martinho, romance orweliano. Outros autores: Natália Correia, Luís Campos... Aparecem três colecções: Argonauta, Ulisseia 3-C e Antecipação-Galeria Panorama.

A ficção científica continua a crescer durante a década de 70. Inclusivé publica-se um guião cinematográfico. De interesse são as obras: O Inquietante Mundo de Josela de Mário Henrique-Leira ou Não Lhes Faremos a Vontade de Romeu de Melo, entre outros.

Nos anos 80, a ficção científica teve a sua idade de ouro em Portugal: há um aumento de colecções e autores portugueses; aparece a primeira revista de ficção científica, o fanzine Nebulosa e a revista Omnia publicou suplementos dedicados a este género; formou-se a Associação Portuguesa de Ficção Científica e Fantasia; publicaram-se 10 romances, 54 contos, 5 colectâneas, 2 antologias, etc.

Nos anos 90, a ficção científica mantém a situação da década anterior. A situação do género não melhorou porque não há suficientes leitores que demandem esta literatura. No campo das editoras mantêm-se duas colecções (ainda há outra colecção, mas pertence a uma casa editorial que publica esporadicamente e sem ISBN). Apenas se nota um aumento nos encontros em torno à divulgação deste género.

Nesta situação de estancamento surge a figura de Luís Filipe Silva. Escritor prolífico de ficção científica, é autor de obras muito bem consideradas como a série de GalxMente (com dois romances) ou Terrarium (que comparte com João Manuel Barreiros). Filipe da Silva é um activista da ficção científica e edita pela rede uma revista electrónica gratuita (Eventos)[*] na qual trata, entre outros, temas pertencentes ao género. Também dirige outros sites portugueses dedicados à ficção científica.

Luís Filipe Silva publicou há pouco tempo um manifesto da TecnoFantasia na rede (no site de Eventos). Neste manifesto define de forma indirecta o género:

Em tempos idos surgiu o Mito, primevo, único. O Mito e o Sonho juntaram-se, e deram origem à Fantasia. A Razão interpôs-se, e chamou ao casamento Ficção Científica.

Também é interessante a própria definição de TecnoFantasia que está presente nos dois romances de GalxMente mas só em alguns contos de O Futuro à Janela:

A TecnoFantasia é o realismo mágico da era tecnológica. É o mito dos cientistas experimentais. É o imaginário infantil da geração informatizada. [...] A TecnoFantasia sabe que o mundo já não pertence à Natureza, que é tão artificial, obediente e cego como um termóstato.

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Referências e Textos Relacionados

Autor:
Miguel Valverde Juncal

Textos:
Jorge Candeias fala de O Futuro à Janela, de Luís Filipe Silva
La Nausée II

Na Web:
O Futuro à Janela (Mediabooks)