Conceito de Luís Filipe Silva

Ficção Científica, Fantástico, Surrealismo, Realismo Mágico, Terror, Horror, Ciberpunk e História Alternativa - e por vezes, se fôr de excelente qualidade, ainda fechamos os olhos a um certo Mainstream...

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Segurar o Infinito

Luís Filipe Silva -  Crítica |  21 Set 2003

Sim, parece o cruzamento de Carrion Confort, e dos vampiros da alma de Dan Simmons, com a versão sem-fios de Neuromante, juntando uma pitada de Dune. E tudo isto sem a destreza estilística de qualquer elemento deste trio.

Neste aspecto, To Hold Infinity confirma a tradição noir-detectivesca do ciberpunk. Gibson nunca foi capaz de ser afastar por completo da tendência que inaugurara, e o seu virtuosismo foi tão grande e ofuscante que nem as prosas lapidares de Sterling, desbravando novos caminhos para o ciberpunk, nem as revoltas estilísticas de Shirley e de Rucker conseguiram alterar o tom mordaz, Chandleresco do sub-género. O ciberpunk pertenceria à rua, aos detectives privados, ao homem sozinho na multidão que, sem ter moral nem causas, vai ajudando a fazer o que é correcto. A literatura dos marginais com personalidade. Ou vista de outra perspectiva: dos intelectuais com aspiração a lutadores de boxe. O sub-género morreu, fertilizou o solo e os bolsos de muita gente, e dele cresceu um rebento mais maduro, idoso e sábio. Haveria inforedes, mas de natureza global e com o objectivo de trabalhar, não apenas para divertimento; penetrar nelas não seria tão fácil, pois estariam protegidas por fortes sistemas de codificação. Os implantes seriam de natureza médica, não estética, e com o propósito de atingir a imortalidade ou a juventude prolongada. Ah, e a nanotecnologia já teria sido descoberta, conquistada, absorvida, e usada para resolver os pequenos problemas da vida doméstica. Tal maturidade possibilitou que Greg Egan surgisse do nada e começasse a desenvolver maravilhosas teses de filosofia sobre a razão da existência, fascinantes para o interessado mas possivelmente entediantes para os que procuram um enredo apimentado. Greg Egan é, talvez à sua maneira, o que Lem foi durante muitos anos: um contraponto, no seu caso, australiano, no caso do último, centro-europeu, à verborreia anglo-saxónica que, graças ao peso dos números, lá vai conduzindo, aos tropeções, a evolução da ficção científica mundial.

O que o livro de John Meaney veio confirmar é que o ciberpunk morreu. É um livro fascinante, brilhantemente executado, mas não traz nada de novo. É realmente tudo velho, mesmo em termos do próprio género. O autor ainda tenta inovar, mudando o conceito de hiperespaço para espaço-mu (mu é uma das partículas fundamentais da matéria), de internet para Skein, de nanotecnologia para femtócitos. A sua única contribuição positiva acaba por ser a postulação de que todos aqueles implantes neuronais pertenceriam à classe dominante do planeta, e não aos marginais da rua.

Um amigo meu, poeta e filho de escritores, confessou-me um dia a razão por que nunca viria a escrever ficção científica. "Porque não acrescenta nada ao que quero dizer."

Sabem, sempre me perguntei se não teria absoluta razão.

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Surpresas. E, afinal, é ficção científica, e de alto calibre. Inovador, nervoso, vai, aos poucos, revelando um mundo que não existe; à medida que penetramos no livro, a nossa ansiedade cresce, qual noivo hindu ante o desvendar do rosto da mulher que acabou de desposar. O ecossistema ciberpunk está vivo. Encontramo-nos na finalíssima do segundo milénio cristão. Esta é a resposta dos nossos artistas. Estas são as nossas preocupações, a eminência do futuro. O familiar continua a ser desconhecido.

A recomendação final é de que o leiam. O autor promete. E este livro é, afinal, o primeiro passo da sua caminhada.

(c) Autor do Texto, (c) Luís Filipe Silva, 2003/2007. Não é permitida a reprodução não autorizada dos conteúdos.

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Luís Filipe Silva