Conceito de Luís Filipe Silva

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Luís Filipe Silva -  Crítica |  18 Abr 2006

Há uns meses atrás, os olhos do mundo foram colocados no céu, para receberem a glória do grande sol negro uma forma poética representar um eclipse. Durou pouco mais de duas horas, como devia durar, considerando a velocidade de rotação da Terra a par com a da Lua, num exemplo rotineiro do considerável profissionalismo com que as leis naturais prometem e cumprem. A par disso, houve milhares de páginas de textos repetidos, maçudos e intermináveis sobre o assunto, dezenas de horas de transmissão televisiva e via internet, relatando, a cada instante, que a Lua estava de facto, sim, Mike!, a atravessar o globo, sim, e havia nuvens, sim, e agora como se encontra?, um grau para a direita, continua a atravessar o sol, que belo, falemos agora com esta senhora, xim, extou a gostar muito, tenho é medo que os raiox xolares ponham a arder aqui a florexta, que esta coixa do eclipxe é um perigo!, obrigado, voltemos ao estúdio, como está o sol?, cada vez mais pequeno, está connosco um especialista da Universidade, Dr. Blindfold, diga-nos, doutor, como se sente neste grande dia?, bem, meu caro Steve, se algo neste momento explodisse no outro lado da Lua e a afastasse para sempre da Terra, aposto que vocês iriam acompanhá-la, em directo e sem interrupções, durante os vinte anos em que demoraria a atravessar o sistema solar.

Sente-se uma enorme necessidade de comunicar e utilizar os brinquedos que inventámos, e tão pouco para dizer! A raça humana está finalmente a descobrir que a fatídica lei dos 90% também se aplica a si: 90% dos seres humanos são banais, apáticos e completamente desinteressados, limitando-se a contribuir para a diversidade genética, e pouco mais. Não merecem nenhum dos incontáveis segundos do Big Show Sic nem uma homepage no Geocities. O vazio do pensamento tem de ser preenchido com ruído, pois o volume da música continua muito baixo (e no meio desta enorme verborreia com que vos estou a maçar, não cumpro o meu objectivo inicial, embora me tenha aproximado um pouco mais da Verdade).

E a Verdade é que a embriaguez é, afinal, o estado natural do ser humano. Refiro-me ao sentido mais lato e existencialista possível. Como dizia Koichi Tohei no livro Aikido in Daily Life, "As nossas vidas são uma parte da vida do universal. Se nós percebermos que a nossa vida vem do universal e que viemos existir neste mundo, devemos então perguntar-nos a nós mesmos por que é que o universal nos deu vida. Em japonês, usamos a frase suisei-mushi, que significa ter nascido embriagado e morrer enquanto ainda se está a sonhar, para descrever o estado de ter nascido sem compreender o significado disso e morrer sem ter chegado a compreendê-lo" (não li o livro original; esta citação foi retirada literalmente da edição portuguesa de Time Storm, do Gordon R. Dickson). O Oriente sempre soube desta lição, o Ocidente é que fingiu que não percebia. O despertar está na infância, quando somos colocados, virgens e inocentezinhos, na cruel gaiola do mundo humano. Tudo é novidade. Tudo é descoberta e algum sofrimento. À medida que o tempo avança, as oportunidades encerram-se. Começamos a pensar de mais, e como dizia o Fernando (o Pessoa), distracção é igual ao pensamento vezes responsabilidades ao quadrado. Sentimos que os dias se tornaram em colecções de pormenores mesquinhos e efémeros, e que nada faz sentido até ao momento em que nos deparamos perante o Grande Nada… Se a vida fosse um livro, tinha sido escrito pelo Harold Robbins. Se fosse uma novela, estávamos no momento em que a Regina Duarte, tendo vivido no meio de uma favela durante os seus primeiros trinta anos, descobria que era, afinal, vocacionada para dirigir uma revista de moda para executivas.

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(c) Autor do Texto, (c) Luís Filipe Silva, 2003/2007. Não é permitida a reprodução não autorizada dos conteúdos.

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Luís Filipe Silva