|
|
Luís Filipe Silva - Crítica | 18 Abr 2006
A única solução é a embriaguez. Embriaguez em todas as suas etapas. A noitada com os amigos: vertigem, tontura, felicidade, loucura. Ou: o fundo do copo num bar a cheirar a azedo: olhos raiados de sangue, hálito podre, vergonha de encarar a família. Ou: as mãos que tremem pela manhã: comanda agora todas as acções, está acima da individualidade ou do orgulho. Ou: o estado anterior ao coma: o momento de glória em que o indivíduo percebe ter atingido, após tanto e tanto esforço, o extremo da surdez espiritual em relação a tudo o que o rodeia, atingiu o limite, já não vai poder voltar atrás. Nesse momento, surge o primeiro sorriso de genuína felicidade: é Robert de Niro a mirar-nos na cena final de Era Uma Vez na América…
Já não nos deslocamos lá por causa do vinho. Falo, obviamente, da ficção científica. Esse vinho costumava estar presente nos jantares de outrora, que terminaram algures numa transversal da Avenida da República, no saudoso mês de Janeiro de 1996, antes de Cascais se intrometer. O vinho corria pelas gargantas, fazia crescer, dourava as noites. Agora, vamos lá apenas para beber, e não interessa muito o quê. É verdade que percorremos um longo e difícil caminho. É também verdade que estamos cada vez mais bêbados, quase a perder a consciência.
"Lá" refere-se, obviamente, àquela Associação que nasceu da necessidade de uma promessa de glória que nunca chegou a ser cumprida, mas pela qual ainda se luta. Alguns dos sonhos que a pautavam: a união de vários clubes e fãs dispersos pelo país; as iniciativas de publicação; o malogrado Almanak, um nome que surge das profundezas do tempo; as entrevistas; a consagração dos nomes; o despertar, difícil mas conseguido, da FC falada em português, sem legendas. Resultados?
O Terrarium foi um major flop. A Editorial Caminho ainda não encontrou uma razão nova para acrescentar à familiar lista que tenta explicar a actual situação do mercado livreiro, mas insiste corajosamente nos mesmos motivos. Ninguém falou do belíssimo livro do Daniel. Ninguém quer dar dinheiro para os Encontros. O Pavilhão do Dramático vai ser derrubado. Nas sessões de escrita criativa, ninguém acaba por escrever nada. O livro do Causo anda aos pontapés, caído nos honrosos e bolorentos cantos das livrarias, geralmente em exemplares isolados. O João nunca mais criticou no Público. O Luís Filipe Silva promete que escreve e não escreve. A Céu também não. Se não fosse o destemido Macedo, a FC já tinha morrido neste país.
Mas também é verdade que: ninguém lê. Ninguém compra livros. Ninguém quer saber, perceber ou interessar-se por autores, temas, discussões ou ideias novas. Os 90% vieram todos passar férias alargadas neste país. Escrevemos para o nada, existimos para o nada está patente estas palavras, que deviam elogiar mas estão a saír-me com o acre gosto da ironia. Acontece que o bafo sabe-me a vinho podre, pobre, daquele que é vendido nas tabernas proletárias.
Página 3 de 5
Folhear
Autor:
Luís Filipe Silva