Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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27 Setembro 2008

Em Cada Livro um Segredo, Em Cada História um Amigo. Em jeito de cantilena. Influências do Zeca. Como introdução à problemática do marketing editorial. Que é um formalismo do processo mediante o qual se coçam cabeças e arrancam cabelos à procura de ideias para formas inovadoras, engraçadas e cativantes de convencer o leitor a comprar este livro e não aquele. Encara-se o manuscrito com concentração e empenho a aguardar uma revelação, uma sugestão. O manuscrito nada diz. O manuscrito continua repousando, fechado e calado, sem traír conteúdos. Temos de pô-lo a gritar, diz o editor, e o gestor de marcas anui. Não se diz, afinal, dos livros que encerram vozes?, pergunta. O tipo da informática ia a passar, escuta a frase, e assoma à porta, dizendo, E que tal colarmos um pequeno chip de voz com bateria nas badanas, como os postais falantes, que se dirigisse ao potencial comprador no momento em que este abria a capa... O editor, ainda da velha escola, enxota-o, enojado pela ideia súbita de todos aqueles volumes numa livraria a berrar numa cacofonia de vozes femininas com promessas de sexo ou profundas e másculas carregadas de ameaça, mistério e acção («In a world gone mad...»). O gestor de marcas também o despacha, mas intimamente cofia a barba e começa a pensar, Hmmm!...

O principal obstáculo do editor e do gestor de marcas nesta missão divina encontra-se em si mesmos, e sabem-no bem. Eles conhecem o livro. Conhecem o tema que aborda, falaram com o autor ou leram as críticas estrangeiras. Talvez o tenham lido. Lê-lo não é essencial. O editor, cuja responsabilidade é de impor um cunho pessoal sobre a mercadoria, certamente terá cuidado de, no mínimo, passar os olhos pelo conteúdo. Para o gestor, contudo, ter lido atrapalha. Porque depois de se conhecer o livro intimamente não é possível voltar atrás, sem ao menos entrar-se num estado de amnésia. Ler implica atravessar o rio, e afastar-se da condição ignorante e virgem de todo o mercado, que ficou na outra margem. O que torna mais difícil adivinhar ou perceber o espírito do potencial cliente ao deparar-se com a obra, e por conseguinte, conseguir seduzi-lo.

Mas porque o editor e o gestor têm ambos um interesse particular naquele livro, estão à partida condicionados, e como na proverbial impossilidade quântica de medir efectivamente os blocos do universo, o acto de incidir o olhar já alterou a percepção. Todos os livros apresentam individualidade quando a ribalta os ilumina, individualidade que poderá ser positiva ou negativa, consoante as características. Um livro numa mesa tem uma presença de realeza que um livro numa estante não possui. Ao olharem para aquele romance ou ensaio, o editor e o gestor não conseguem olhar para a estante, para a montra, para a prateleira, aquilo que o leitor vê. Não é assim de admirar que a estratégia primordial seja sempre a de isolar o livro, numa bancada, montra ou expositor próprio. Quem não tem concorrência torna-se sempre no rei da festa.

Mas uma livraria não é feita de tronos, e a grande maioria dos livros reside em diversas camadas de visibilidade nos espaços de venda, uns na nobreza da entrada e das estantes dos tops, outros misturados na plebe dos genéricos ou dos temas especializados. O sucesso imediato de um livro decresce com a profundidade em que é escondido na loja. Sim, porque ao contrário da mercadoria generalista, os livros (e discos e filmes e demais artigos com característica individual) escondem-se, e não se expõem, na lógica do espaço de venda.

Daí que o livro tenha de berrar desde o fundo da gruta, e de ser ouvido acima dos demais, e que o gestor cofie a barba. Tudo vale, inclusive notícias pagas no telejornal. O manuscrito levará com um tratamento gráfico de excelência e uma capa catita. Frases declarativas, exclamativas, esperançosamente adequadas, descreverão o conteúdo com estilo insinuante, reverencial, descontraído, ou sóbrio, conforme o que se pense que agradará ao público. Um dia os livros terão bracinhos para se agarrarem às saias ou às malas das senhoras, saltarem para dentro das pastas ou para cima dos colos, arrancarem a PSP à força da mãos dos putos, prenderem-se às orelhas e óculos enquanto se abrem ante os olhos assustados e forçam o transeunte a lê-los. Terão cápsulas de pó atordoante que inibirá o raciocínio da vítima o tempo suficiente para o solíticito vendedor de loja lhe pegar no dedo indicador e concluir a compra, fenomonas, cheiro a maresia, sugestão de chocolate para os gulosos... Finalmente, o crescimento da população e a decadência económica permitirão que surjam os criados dos livros, criancinhas de tenra idade, filhos de refugiados, cuja função na vida será proporcionarem a si, cliente, a melhor experiência de leitura com aquela obra em particular: irão segui-lo, e ao livro, para onde for, segurarão eles, quando solicitados, as páginas em frente aos seus olhos para que não canse os braços, servirão como sombra na esplanada, e terminada a leitura, virão bater-lhe à porta todos os meses para limpar o seu exemplar e perguntar-lhe se desejaria lê-lo novamente; disponíveis a qualquer hora de qualquer dia, serão mantidos de reserva pelas editoras de renome em regime de escravatura barata. 

Até esses tempos, outros estratagemas são usados. Capas parecidas. Temas. Géneros. Promessas veladas. Aqui disparam-se tiros, vai gostar. Aqui fala-se levianamente sobre as experiências no mundo da prostituição, mas não se preocupe que não o incomodamos com moralismos. Aqui entram espaçonaves (e no fim, não entram). Aqui dispensamos ilustrações na capa, pois EU É QUE SOU ESCRITOR A SÉRIO E TUDO O RESTO É ESCUMALHA. Se gostou de x, vai gostar de y. Vá lá, experimente.

Já tentaram convencer uma criança a aceitar óleo de fígado de bacalhau dizendo que vai saber exactamente a chocolate? Já o tentaram a um adulto?

A verdade é que a única pessoa capaz de garantir a alguém que vai gostar de um livro é ela própria, depois de o ter lido.

O que é uma impossibilidade. Ou talvez não.

Graças à mecânica quântica e à Ficção Científica, podemos encontrar uma solução.

A mecânica quântica apresenta-nos a interpretação da multiplicidade de mundos, de Everett-DeWitt. Nesta, explica-se o fenómeno de decaimento de um estado quântico não como uma anulação de todas as possibilidades, excepto a que se concretizou, mas como o desdobramento da realidade em todas essas possibilidades realizadas, independentes entre si.

Entendo isto como o mecanismo como o momento presente, o agora, se gera. É de uma simplicidade extrema e de uma beleza atroz em termos narrativos. É aquele no qual o acto de escolher uma de entre as sete cartas sobre a mesa se torna num nó de implicações e consequências. Tudo é possível antes da escolha, antes da concretização. Os tambores rufam. A audiência sustém a respiração. Fazem-se apostas. Passam-se segundos. Você escolhe a terceira. O nó desaparece, transforma-se numa linha. A carta foi escolhida, as outras não. Tudo o resto se anulou.

Excepto segundo a interpretação de Everett. Nesta, todas as cartas foram igualmente escolhidas. Você optou apenas por uma das sete diferentes cartas, e também por todas elas, ao mesmo tempo. O que aconteceu é que o mundo se ramificou. Onde antes existia um universo em que não tinha ainda sido feita a escolha, passaram a existir sete universos, em que cada qual foi seleccionada uma carta diferente por si. E dali em diante passam também a existir sete versões suas que irão conduzir vidas autónomas, ignorantes umas das outras.

Em termos literários, é uma experiência exemplarmente Borgiana.

Porque uma decisão diferente num determinado momento conduz, nas mãos de um contista hábil, à inevitável sequência e acumular de efeitos pequenos, que ao final de meses e anos mostrarão o mesmo personagem, a mesma pessoa, com destinos sobejamente distintos, e assim ilustrar a particular aleatoriedade da existência humana num mundo sem destinos traçados e fixos, tão do agrado dos existencialistas. A borboleta bate as asas, mas não semeia tempestades, e sim, diferentes finais decorrentes da mesma história inicial.

(Como se poderia dizer que todas as histórias seriam variações da página em branco, mas Borges, em tempos, já o disse e muito melhor.)

Terreno propício para a Ficção Científica. Mais concretamente, para narrativas que tivessem por base acontecimentos históricos alternativos, e a especulação de como o mundo teria sido diferente daí em diante.

O termo correcto é na verdade, História Alternativa: HA e não FC, e nascer no seio do género fantástico deveu-se principalmente ao facto de ter sido inicialmente abordada no contexto das viagens no tempo e sob a luz da especulação racionalista que começou a tornar-se apanágio da geração de autores da Astounding e da Galaxy, que faziam uma perninha noutros géneros. Eram escritores que estavam assim melhor equipados com ferramentas de especulação literária para apresentar os efeitos possíveis de uma História que não acontecera exactamente como os manuais indicavam. O Sul teria ganho a guerra da Secessão; Hitler teria emigrado para os Estados Unidos, tornando-se em autor de pulp fiction; Castro teria aceite o convite de uma equipa de basquetebol americano e seguido uma carreira diferente; o Império Romano manter-se-ia activo até aos nossos dias (tema preferido neste género, desde os primórdios de Lest Darkness Fall, de L. Sprague de Camp [A Luz e as Trevas, Livros do Brasil] a Roma Eterna de Robert Silverberg [Publicações Europa-América]). Inclusive o próprio Saramago usaria desta técnica para discursar sobre os benefícios e malefícios dos revisores textuais em História do Cerco de Lisboa, cuja proposta de história alternativa começa com a recusa dos apoiantes do Conde D. Henrique em ajudá-lo a tomar Lisboa aos mouros, deixando-o com homens insuficientes para garantir a vitória (contudo, a seguir a recusa torna-se em arrependimento e muitos voltam para trás, pelo que a conquista de Lisboa acaba por acontecer como devia, faz deste livro possivelmente a única História Alternativa do mundo que se acobarda a meio, e assim se entende que o homem tenha ganho um Nobel...)

Mas a nível individual, e não Histórico, que nos interessa para esta discussão, também se abordaram as consequências das vidas paralelas. Em Down the Bright Way, Robert Reed fala-nos de uma tribo de Errantes que atravessam as diferentes Terras paralelas há milhões de anos para trazer paz e prosperidade e ajudá-las a combater um mal que ameaça a Humanidade em todos os múltiplos universos (não é um dos seus melhores livros). Moorcock une toda a ficção da sua autoria num conceito único de Multiverso que o liberta de uma suposta necessidade de garantir a coerência referencial entre todos os romances e contos seus. King refere-se a cada um dos planos de realidade como níveis numa Torre gnóstica inconcebível. Robert Jordan usa o conceito de Roda do Tempo para descrever universos rotativos (a História condenada a repetir-se) que são espelhos uns dos outros. Os universos paralelos de Robert Heinlein em O Número do Monstro englobam personagens míticos e literários, pois no Multiverso tudo pode ser real. Michael Kurland em A Teia do Tempo tece uma engenhosa e divertida história na qual a tentativa de encontrar uma formosa dama em perigo acaba por salvar o universo tal como o conhecemos. As Terras Paralelas da DC Comics juntaram nos anos 80 diversos personagens e versões de super-heróis e estabeleceram uma realidade consensual daquele universo narrativo aparentemente com muita importância para os fiéis seguidores.

No cinema, um exemplo particular, embora pouco notável, é o de Instantes Decisivos, filme no qual Gwyneth Paltrow apanha/não apanha a carruagem de um metro londrino, e por isso não descobre/descobre o affair do marido e a necessidade de mudar de vida. A história prossegue de forma extremamente banal, dizendo-nos pouco sobre a consequência das escolhas, e numa versão tem uma vida feliz e longa, e na outra nem por isso. Mais interessante poderia ter sido Melinda e Melinda, de Woody Allen (a mesma história contada numa versão dramática e numa versão humorística), se o resultado não fosse desprovido de alma.

Mas nem todas as pequenas variações, todos os instantes decisivos na vida de alguém, são cruciais. Obviamente que entrar ou não entrar num avião condenado a cair é determinante para o futuro, mas a nível literário nem assim se garante um impacto maior. É tudo uma questão de percurso emocional.

Porque às vezes basta o mero gesto de acender a televisão. Acender de manhã e ouvir a informação de trânsito, ou não acender e sair de casa ignorando que o caminho habitual está bloqueado. Ela que ouviu, tomou a Marginal e chegou ao consultório a tempo de atender o único paciente da manhã. O paciente, por sinal, era um antigo colega de liceu, que não via há anos. Estava ali de passagem, vivia no Norte mas uma conferência e uma dor de dentes inesperada tinham-no obrigado a procurar de urgência o dentista mais perto do hotel. Não a teria reconhecido pelo nome. Falaram expansivamente sobre o passado, e porque não havia mais doentes nessa manhã, ele incitou-a a que saisse mais cedo e almoçasse com ele.

A que não ouviu chegou tarde de mais, e não havendo mais marcações até à tarde, foi fazer compras ali perto, deixou passar as horas e engoliu uns folhados e uma sopa em pé ao balcão. Nesse mesmo restaurante e nessa mesma hora, noutra história, estava ela sentada com o antigo amigo, a almoçar decentemente e a relembrar-se de pessoas em quem já não pensava havia muito e situações caricatas de quando eram novos. Talvez houvesse ali uma insinuação romântica, um trocar de olhar de possibilidades, pois ela lembrava-se dele como divertido e espontâneo, embora o tempo não o tivesse tratado bem, pois tinha a barriga grande e estava quase careca. Mas esta não será desse tipo de histórias - ele encontrava-se casado e ela decidira-se há muito pela solidão. Também não se voltarão a ver, pois ele está condenado, neste cenário, a falecer dali a cinco anos de uma doença rara. É apenas um momento breve, uma oportunidade singela, na qual, mais do que rever a pessoa, ela relembra aspectos positivos da sua própria vida e o que a levou a tomar as opções pelas quais agora se regia.

Nesta versão, regressa bem disposta ao consultório, atende os clientes com um sorriso, enceta conversa com alguns deles, até que a senhora de meia idade com o filho gordo percebe nesta inesperada convivialidade uma licença para falar e passa duas horas a contar-lhe os pormenores de um casamento falhado enquanto ela trata as cinco cáries do puto, pelo que ela decide retomar a regra de não conviver com os restantes doentes. Na outra versão, é poupada ao falatório da senhora, mas a comida não lhe caiu bem no estômago, e passará a tarde com forte azia.

Voltam a casa. Uma abre uma garrafa de vinho no final do jantar e senta-se em frente à televisão a saboreá-la. O som está desligado, prefere acompanhar a dança de imagens com música clássica suave no que considera um contraste irónico. A outra não janta sequer, toma um comprimido contra a dor de cabeça, vai deitar-se cedo.

Nada mudou na vida destas duas mulheres, que são uma só. Amanhã acontecerá como se esta divergência não tivesse acontecido. Mas numa reside nessa noite uma aura de contentamento pacífico, que a faz repensar em más decisões tomadas no passado e decidir que talvez seja tempo de se perdoar a si mesma, ou repensar algumas. A outra ficará no escuro a pensar na porcaria que foi o dia e na porcaria que era a sua vida. Uma sente que o futuro pode afinal ainda revelar-se uma viagem interessante; a outra adormece a pensar que lhe faltam ainda tantos dias de amargura e solidão até chegar ao fim. Ainda que não mudem nada dali em diante, são pessoas distintas.

Então o livro que uma tivesse lido poderia influenciar a escolha da outra? Se assim fosse, num mundo de Ficção Científica, as editoras aproveitar-se-iam deste facto. Recomendações personalizadas de si mesmo de outra realidade. «Você adorou!» «Você disse que foi o melhor livro que leu deste ano!» «Você diz: Leiam, caros Antónios alternativos, é uma história de romance e aventura na antiga China como naquele livro de BD que a Joana nos emprestou na 4ª classe!». Grupos editoriais comprariam outros grupos numa grande auto-estrada de portais comunicantes entre dimensões, oferecendo exemplares a uma ou várias das versões alternativas de cada público-alvo para vender aos milhões restantes.

Mas depois havia o problema. Pois mesmo as pequenas variações durante o dia podem alterar os nossos gostos. Naquela noite, quase certamente as duas nossas protagonistas apreciariam livros diferentes. Recomendações personalizadas fechadas implicam que nunca iríamos encontrar livros de que não gostaremos, que odiemos, mesmo, e dessa forma não vamos conseguir entender porque gostamos do que pensamos gostar.

Não há mundos perfeitos na indústria da edição. Nem Multiversos.

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21 Setembro 2008

Nada É Mais Simples que o Conceito do Relógio e nada mais inútil. O relógio não produz, não transforma. Não influencia o tempo, não pode acelerá-lo nem torná-lo mais lento. Não é um metrónomo capaz de impor ritmos. O ritmo encontra-se em quem se deixa medir por ele. Em quem se impõe prazos e pressas. Inclusive não é absoluto. Um segundo é o que convencionámos que fosse. Não uma propriedade imutável do universo. Mesmo o dia é uma circunstância do planeta em que nos encontramos. Um planeta por si nada de especial, astro banal numa imensidão indiferente. O relógio é enganador. Finge saber o que desconhece - a hora, os minutos, os segundos que identificam este momento particular. Na verdade tudo o que sabe dizer-nos é o número de revoluções de cada uma das suas engrenagens desde que alguém lhes deu início. Depende totalmente das condições de arranque. Depende de acção externa verdadeira, de conhecimento preciso. Se este tiver falhado deixa de ser útil. Torna-se atrasado. Engana-nos nas horas. Engana-nos à traição. Ficamos furiosos quando descobrimos. Afinal já não temos meia hora. O relógio atrasado roubou-nos tempo de vida, tornou-nos mais velhos. Não perdoamos facilmente este engano. Mesmo o relógio mais belo do mundo, a engrenagem mais perfeita, esmorece se não conseguir manter o ritmo dos batimentos. Se estiver constantemente a ficar para trás. Encaramos com condescendência e paternalismo. Tão bonito e tão inútil. Como se todos os relógios não fossem inúteis. Como se a hora errada não fosse a mais sincera de todas, a que revela em todo o esplendor a futilidade do relógio. A ilusão do que informa. Como se o relógio tivesse memória. Como se o relógio soubesse de facto quando é dia ou noite. Medimos o tempo como nos medimos a nós próprios, fruto de um acumular de experiências e decisões e momentos. Como uma história lida. Mas o relógio não tem memória. O relógio é circular, sem fim nem começo. Devíamos trocar os relógios por ampulhetas. A ampulheta lembra-se. Guarda o tempo. Deixa o tempo acumular-se dentro de si. Se num plano vazio uma pedrinha tombasse a cada segundo de um céu proverbial, formar-se-ia um monte, uma colina, uma montanha. A montanha daria lugar às serras, aos picos. Eventualmente teríamos a Terra. Mas apenas porque é a Terra que nós vemos. Olhamos para o tempo acumulado como olhamos para nós mesmos, ou talvez o inverso. A ampulheta é mais esperta. A ampulheta sabe que o tempo é finito. É a peça dramática por excelência. O espelho da nossa essência. Cada um de nós com uma quantidade finita de tempo para gastar. Menos um segundo. Menos outro. Cada um de nós ampulheta. Estamos unidos pela memória. Por canções da nossa infância. Por produtos e frases e acontecimentos da mesma geração. Mas não devia ser. O que nos une é o tempo que nos resta. Iguala sexagenários e crianças. Doentes e condenados. Passageiros de avião que cai e vítimas da bomba que explode. A ampulheta a contar. As pedrinhas a cair. A montanha, a serra, a Terra e depois o nada. Que nos conta o relógio? Que nos diz de facto? O relógio inútil, enganador. O que mudaria na tua vida se. A pergunta milionária. Qual a tua decisão? Aquela que só tu podes tomar. Escolhes a ampulheta? Ou preferes o relógio?

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