Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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01 Dezembro 2008

Leituras Aleatórias. Fantasy - The Best of the Year 2008, organizada por Rich Horton, é mais uma das antologias anuais que procura compilar os melhores contos publicados no ano transacto, neste caso no género «fantasia», de acordo com os critérios editoriais norte-americanos. Mais do que selecções rigorosas de acordo com princípios pré-estabelecidos, cada qual segue os ditames de gosto do organizador respectivo, mais subconscientes do que académicos, e na verdade é assim que tem de ser. O resultado, contudo, torna-se por vezes eclético e incompreensível.

Nesta antologia voltamos a encontrar «The Cambist and Lord Iron», de Daniel Abraham (o coitado, certamente por lapso, encontra-se omisso na secção das biografias no final do livro), que Kelly Link também seleccionou para a Year's Best Fantasy & Horror. «Stray» é uma selecção bizarra: este conto de Benjamin Rosenbaum e David Ackert apresenta-nos a estranha figura de um deus imortal que caminha entre nós, desprovido da glória e do poder do passado (ele que era mais poderoso que o mais poderoso dos reis). É aparentemente um deus africano, algo que não fica explícito, e que só nos é revelado pelas ocasionais menções de racismo e ambiente rural, informando-nos em simultâneo das questões de pele e de que possivelmente o cenário é o interior dos Estados Unidos algures na primeira metade do século XX. Contudo, a história limita-se a mostrá-lo a casar-se com uma mortal, a desviar as suspeitas do outro pretendente desta mulher face à sua verdadeira natureza, e a influenciar constantemente o que ocorre em seu redor, algo que lhe traz infelicidade pois sente que nada é genuíno na sua vida (quem diria que os deuses tinham problemas existenciais tão vincados?). Se ele encontrou guarida, contudo, quando foi a vez de se deparar com uma menina branca que tinha perdido toda a família, a rezar num cemitério, e pretendeu dar-lhe refúgio, um novo lar e uma esperança na vida, como qualquer deus que se prezasse, a mulher avisou-o de que, dada a sua cor de pele, era melhor não, e portanto abandona-a no meio da estrada. E acaba assim. Não sendo um conto particularmente bem escrito, repleto de interjeições intimistas que quebram o ritmo, e dada a natureza puramente circunstancial do protagonista (enquanto deus, não realiza nenhum feito divino, portanto poderia ser um qualquer outro personagem cujos fortes princípios morais contrariassem a decisão final, para os efeitos da história), eis um conto perfeitamente dispensável de publicação, e muito menos de inclusão neste tipo de antologias.

Melhor sorte não se reserva a «The Last Worders» de Karen Joy Fowler, autora de quem tenho uma excelente opinião a nível literário. Mantendo uma qualidade de escrita elevada, por vezes fazendo recordar-me Ursula Le Guin, eis a história de duas gémeas que estão tão unidas em pensamento e acto que se apaixonam sempre pelas mesmas coisas. Isto é complicado para elas, pois implica que se apaixonarão sempre pelo mesmo rapaz, e assim uma delas nunca será feliz. A solução que encontraram no liceu foi de fazerem um voto mútuo no qual nenhuma delas procurará aquilo que verdadeiramente pretende, o que é tramado em termos afectivos. Daí que, mais velhas, tenham chegado a uma conclusão: que seja o rapaz a decidir. E é assim que, após colocarem um detective privado na senda dele, viajam até San Margais (lugar inventado?), lugar onde foi registado o último movimento do seu cartão de crédito. O rapaz terá de escolher uma delas, só assim alcançarão a felicidade. Ao mesmo tempo, procuram «The Last Word», um café de stand-up comedy sem a parte da comédia. Supostamente o rapaz actuará nesse lugar, que se situa no final da escada que leva ao rio, no fundo do desfiladeiro, que outrora escravos subiam e desciam sem parar para trazer água fresca para a vila. O pormenor histórico não acrescenta nada à história, que parece resultar de uma colagem de incidentes, pensamentos e estilos (a cena surrealista na qual o discurso proferido pelo rapaz influencia a vida dos ouvintes, que não conseguem voltar para as suas casas, os seus cônjuges e filhos, e são obrigados a recomeçar uma nova vida, está completamente desenquadrado do estilo mundano e directo que perpassa todo o conto). No final, apenas uma das irmãs consegue entrar no «Last Word», e de facto, apenas uma delas entra, deixando a outra de fora, pela primeira vez separadas em acto e intenção. E acaba assim, mais uma vez. Torna-se difícil perceber qual a verdadeira intenção da autora. Quereria mostrar que cada ser faz o seu próprio destino? Que não há ligações eternas? Que todos estamos à espera da primeira cena do filme da nossa vida? Julguem por vós próprios. Na minha opinião, trata-se de uma das mais fracas narrativas do historial de Fowler e mais um contributo negativo para uma antologia que se diz ser de fantasia.

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30 Novembro 2008

C'Est Fini, Por Fim, o período de submissões para o Pulp Fiction à Portuguesa. A todos os que enviaram e que possivelmente ainda enviarão até ao final do dia de hoje, os meus agradecimentos. Saibam que a concorrência é renhida - recebemos quase uma centena de contos, e ao contrário do habitual, a maioria oriundos do território luso. Temos desconhecidos à mistura com consagrados. Temos contos de todos os aspectos, feitios e posturas. No final, quem sabe?, talvez haja material para um segundo volume, mas isso será decisão do editor. Para já, temos de fazer o primeiro. Descontraiam-se, apreciem o Natal, divirtam-se durante as festas com a família ou amigos. Novidades só para o próximo ano.

Caía.

O míssil era um peso morto, um ser estúpido e cego cuja única função seria rasgar os céus seguindo um caminho determinado à partida, o destino imutável ditado pelas regras da trajectória de vôo. Era demasiado massivo para se deixar perturbar com obstáculos no caminho. Acima de tudo, era determinado.

A cidade aguardava.

Não tinha asas, flaps, jactos. Não tinha forma de controlo. Não podia ser orientado. Um monstro do tamanho de um estádio olímpico com a capacidade de manobra de um rochedo.

Dois minutos, talvez menos. E depois o fim.

Hans teve um breve vislumbre das portas de Brandenburgo reduzidas a pó. Da Nationalgalerie a arder até não restar mais do que um monte de cinzas e memórias das obras destruídas. Do Tiergarten e os primeiros passeios de mão dada, em que fantasiava uma vida normal, família e filhos, antes da oferta da Wehrmacht que mudaria a sua vida. Das ruas da infância, da Potsdamer Platz e da Alexanderplatz sempre cheias de gente, das primeiras paradas em frente do Führer quando era mero soldado raso, dos primeiros espiões executados em hasta pública. Toda esta riqueza eliminada do mapa, a sua amada Deustchland ferida em pleno coração.

Surpreendeu-se ao notar que chorava. Para descarregar a frustração, pontapeou o corpo inerte do oficial britânico caido sobre o manípulo de soltura, que não conseguira abater a tempo. Se tivesse sido mais rápido, se tivesse percebido que o cão Aliado não estava morto...

Falhara ao Reich no último momento. E agora milhares de pessoas morreriam por sua causa.

A única consolação era de que ele próprio as acompanharia. Não havia forma de sair dali.

Mas talvez houvesse forma...

Correu para a tubagem interior da bomba, tentando recordar-se dos diagramas que haviam recuperado do submarino britânico. O míssil não passava de uma carapaça de urânio enriquecido com um detonador na cauda. Não conseguia detê-lo mas talvez conseguisse antecipar a explosão, fazê-la acontecer a meio da queda, evitar que fosse tão extensa.

Contudo, os painéis não davam de si. Alguém prevera a possibilidade de invasão. Estavam soldados de forma a serem invioláveis, pelo menos no curto espaço de tempo que lhe restava.

Berlim acolheu-o.

O grande clarão foi visto instantaneamente a quilómetros de distância. Os efeitos colaterais só começaram a chegar no dia seguinte.

Foi o princípio do fim do império teutónico.

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