Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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03 Setembro 2009

Não Deixa De Ser Espantosa a generosidade com que os autores estrangeiros oferecem as suas obras para leitura gratuita. Generosidade ou sagacidade, pois o grande inimigo do escritor não é o plágio mas o desconhecimento. Como qualquer passador de droga saberá (modelo exemplar de construção de um mercado cativo...), é na distribuição de amostras gratuitas que os agarramos... mas divago.

Periodicamente vão surgindo notícias de que se encontra mais ficção disponível, mais material para ler. É impossível digerir toda esta informação em tempo útil de vida - cada um de nós irá começar a precisar de primeiros leitores que pré-seleccionem o trigo do joio... esperem lá - não era essa a função do editor?

Fica aqui a nota de Buddy Holly is Alive and Well on Ganymede, um romance que parece ser uma viagem muito pessoal (qualquer vida criativa terminada abruptamente devido a um acidente de viagem torna-se numa história de infinitas possibilidades), Queen of the Iron Sands, o romance de FC de Scott Lynch que se encontra a publicar aos pedaços, e exemplos recentes de quem utiliza o Twitter para escrever (algo que pessoalmente considero ser levado ao exagero. Como dizia e bem a Virginia Woolfe, a ficção manifesta-se no parágrafo, não na frase, pelo que o limite de 140 caracteres é simplesmente idiota para esse fim). Contudo, parece ser na internet que o futuro da divulgação da Ficção Científica - e não só - se encontra, como afirma John Scalzi, alguém que tem conseguido construir audiência graças à sua presença contínua online.

O fenómeno parece ser tão popular como forma de apresentação de novos autores que existe já um sítio que inventaria e comenta a imensidão destas experiências: Web Fiction Guide. Sem dúvida que gostaria de ver algo semelhante surgir por cá. Não deixa de ser curioso o facto de, da quase centena de obras recebidas ao prémio Bang!, não existir uma única (que saiba) cujo autor tenha tentado experimentar este veículo alternativo.

 

Adenda ao Post Anterior: eis um artigo sobre os 25 anos do Neuromante, que tenta analisar a qualidade do romance enquanto antevisão de um mundo futuro. Eis um dos maiores problemas da Ficção Científica e de como é encarada pelos leigos. Por algum motivo, cada romance sobre tempos não existentes acaba por ser avaliado pelas capacidades predictivas e não pela unidade estrutural da história em si, como se o romancista fosse um ser iluminado que comunica com o futuro. É óbvio que falhará, como falhará inclusive qualquer ficção que descreva situações ou momentos que o autor não tenha assistido em primeira mão, motivo pelo qual não conseguido ficar convencido com os diálogos das biografias romanceadas. Sorte têm os autores de romances históricos, pois não se vêm confrontados com o juízo dos peregrinos a tempos idos («Ó Miguel Real, olhe que a vida a bordo daquela nau não era bem assim...») - ou pelo menos, até se inventar a máquina do tempo.

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01 Setembro 2009

Enquanto Evento Que Ninguém Celebrará, fez o ano passado (final do ano, se a memória não me atraiçoa, seria Outubro ou Novembro, pois foi na época em que começou a minha incursão de cinco anos na faculdade - sim, malta nova, na era medieval pré-Bolonha tirar uma licenciatura demorava cinco longos e extenuantes anos) vinte anos da publicação em Portugal das duas mais importantes obras do movimento Ciberpunk: Neuromante e Reflexos do Futuro.

A primeira é conhecida de todos, e praticamente dispensa apresentações. É a história de um mercenário caído em desgraça que se vê tentado a recuperar a vida anterior num golpe proibido e perigoso. Como o confirmaria mais tarde, Gibson procurou um enredo simples para apresentar aquele novo e complexo conceito do ciberespaço, um mundo em que mente e máquina se encontravam irremediavelmente ligadas. Naquele mundo havia espíritos, mas dependiam de plataformas físicas de processamento de informação e poderiam ser interrompidos, mantidos em suspenso, reinicializados. A informação era navegável, existia enquanto universo paralelo ao nosso, imediato mas invisível e acessível apenas aos iniciados. Que melhor droga conceptual para adolescentes inteligentes que cresciam na emergente sociedade informatizada em que hoje vivemos? Como encarar Case e a sua postura melancólica, sombria, perante a existência, senão como um reflexo da atitude desprendida, romântica, do jovem adulto que ainda não entrou definitivamente no frenesi do quotidiano do dever profissional e das dívidas bancárias? Como esquecer a célebre frase de arranque que equipara o céu cinzento a uma televisão sem emissão - uma tecnologia em mansa extinção, por sinal - e que de imediato estabelece o tema do livro? Criticado por muitos, foi no entanto, acredito, aquela poesia extremamente delicada do estilo que Gibson escolheu para a textura da sua visão que sustentou - e simultaneamente impossibilitou que se igualasse em qualidade - toda a panóplia de seguidores e imitadores do que se viria a designar por ciberpunk. Esta seria também a obra que encerraria a versão em capa dura da saudosa e curta colecção Contacto que João Barreiros orientou para a Gradiva.

Reflexos do Futuro, por outro lado, será, para sempre, a péssima escolha de título para a edição portuguesa de Mirrorshades, antologia organizada por Bruce Sterling, e que procuraria definir - de uma forma muito lata e pessoal - os temas que se poderiam considerar como «ciberpunks». Os óculos espelhados tinham sido adoptados pelos autores como um símbolo estético do «artista da rua», não o maltrapilho/hippie de antigamente, mas o jovem inteligente, audaz, autónomo, capaz de conversar directamente com a tecnologia do quotidiano e desta obter o poder necessário para subverter tradições e defrontar os powers-that-be. Sterling escolhera - já o movimento, longe de ser algo novo e excitante, começava a extinguir-se, embora entre nós estivesse a surgir - um conjunto muito concreto de autores, que lhe granjeou algumas polémicas, e designara os que seriam os temas essenciais. (Um aparte importante: a alegria pessoal de saber que Portugal veria a tradução deste livro - uma alegria que só quem atravessou uma época sem Amazon nem internet nem facilidades de encomendar no estrangeiro é capaz de entender, e esses, malta muito nova, não são vocês, garanto-vos - seria imediatamente cortada, qual bofetada dada com luva de ferro em brasa, assim de forma tão graficamente dolorosa, ao descobrir que a tradução estava assegurada pelo senhor Eduardo Saló, talvez um dos piores tradutores de que há memória nas letras nacionais e que tinha um infortuito pendão pelo género da ficção científica. E tal como prometido, eis que ciberpunk surgiria transformado em cibermaníaco - tradução sem dúvida indispensável, pois quem seria capaz de entender um termo tão recôndito como «punk»?... -, apenas para ressalvar uma das atrocidades que mereceram o devido repúdio numa crítica publicada na revista portuguesa Omnia.)

Depois destas obras - sem dúvida, seminais -, o silêncio. Só cortado, numa fugaz passagem, pela publicação descontextualizada, mais de dez anos depois, de Software de Rudy Rucker pela Caminho e Schismatrix Plus de Bruce Sterling pela Editorial Presença, este último numa edição completa que se queria definitiva e não inovadora para uma colecção nascente. Eis o que representou o movimento ciberpunk, a nível literário, no nosso país. Ficaram para trás - como ficarão, pois pouca ou nenhuma atenção é dada a livros que não sejam novidades internacionais ou que não tenham sido publicados nos últimos anos - as obras dessa época de Pat Cadigan, Lewis Shiner, Mark Laidaw, Tom Maddox, Paul di Fillipo, George A. Effinger, Walter Jon Williams, e outros.

Os autores ciberpunks, diga-se em boa verdade, depressa desbravaram outros terrenos, desligando-se do género que fugazmente ajudaram a fundar. Mas a obra ficou. Foi talvez um dos últimos movimentos pró-tecnologia e pró-ciência da FC do século XX, que logo enveredaria por uma fase de encantamento pelos temas vampirescos (sim, antes da Meyer, pessoal de memória curta, houve quem tentasse explicar cientificamente o vampiro, tendo daí nascido obras como O Império do Medo, do Brian Stableford e Children of the Night, do Dan Simmons - claro que estes eram vampiros a sério, e não as versões metrossexuais que encantam as miudinhas de hoje, por isso talvez não tenham tido sucesso milionário...) e outros temas mais esotéricos... e pelo caminho, a FC adulta - positivista, racional, activa, crítica do mundo - perdeu o rumo.

Paul di Fillipo evoca algo da época e do que o movimento significou para todos os envolvidos. É um artigo que sabe a pouco e que contudo abre muitas portas escondidas. Algures, intimamente, escrever ciberpunk ainda me sabe a actual.

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