Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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12 Setembro 2009

A História da História das Coisas, que Annie Leonard tão veementemente explica com paixão política (política no sentido lato em que representa uma visão de estruturação da sociedade e não o processo mesquinho e patético a que nos habituámos - e infelizmente perdoamos - nas nossas instituições e seus representantes), apesar de muito elaborada e em grande medida importante nos avisos que passa (ainda que caia em muitos lugares comuns que lhe empobrecem a mensagem, como a afirmação de que a nossa verdadeira felicidade reside nos amigos, na família e no lazer, e não na nossa função de consumidores, como se o sustentáculo de todo este sistema de valor baseado na posse de itens de luxo e modernidade não se destinasse precisamente a impressionar os amigos, a recompensar a família e em suma a colocar uma medida objectiva no valor individual para a sociedade, uma medida pela qual sentimos o apreço dos outros, porque é tão mais fácil e possível - e isto não é uma crítica mas uma constatação - possuir coisas do que desenvolver uma riqueza de princípios e actos e uma personalidade que os demais admirem), esconde, como se fossem afirmações de menor importância (a mensagem principal concentra-se, e bem, na necessidade de resolver o problema com a recuperação dos recursos naturais mediante um melhor desenho do produto), algumas afirmações perspicazes.

A primeira é de que não fazemos um estudo do impacto das nossas novas tecnologias, nem a nível unitário - o produto X - nem do efeito combinado de todas elas; o exemplo mencionado é a nível das substâncias químicas utilizadas na produção dos bens, mas qualquer tecnologia servirá de exemplo, e o impacto não se traduz apenas a nível bio-ecológico, mas em grande medida a nível social. Colocam-nos novos brinquedos, novas formas de agir, nas mãos, sem nos ensinarem a usá-los, e a seguir ocorrem grandes debates sobre comportamentos particulares deste uso. Por exemplo, o conjunto de casos nacionais sobre o uso de telemóveis pelos adolescentes, em particular nas escolas. Condenámos certos casos públicos de uso particular desta tecnologia - eles próprios tornados públicos porque a tecnologia o permitiu, nomeadamente na gravação vídeo e disponibilização online -, quando os próprios adultos não tiveram tempo de perceber um modelo de comportamento razoável que possam exemplificar e ensinar aos mais jovens. Devíamos esperar que estes se comportassem com mais comedimento que o usado pelos próprios adultos? Ou devíamos finalmente entender que, se queremos efectivamente actuar como educadores, há que primeiro, e de forma responsável, entender a distinção entre uso e abuso de uma nova tecnologia antes de a colocarmos nas mãos das gerações mais novas?

Numa outra vertente, o comportamento da sociedade ocidental perante o Terceiro Mundo é, sem dúvida, efeito secundário de um poderio militar que surgiu muito antes de se ter desenvolvido uma ética para o uso do mesmo. De igual modo que as crianças que se desenvolvem mais rapidamente que as outras na escola, começamos a usar a força recém-descoberta para atingir os nossos fins - eis a figura do bully, uma prática que comporta uma satisfação muito própria de domínio, e que só é abandonada quando a satisfação em outras áreas, nomeadamente na integração social, provoca uma mudança neste sistema de valores. A bem dizer, não mudamos verdadeiramente a nossa postura perante o Terceiro Mundo, pois continuamos, como aqui se explica, a utilizá-lo como fonte imediata de recursos de que não dispomos em casa; esta consciência culpada, no entanto, está atenta a alguns actos, e pelo menos, não é mais possível atitudes como a divisão geográfica e arbitrária de África que ocorreu entre as grandes potências há um par de séculos, ainda que tenhamos o poderio para o fazer. Diga-se de passagem que também não somos bullies inteligentes - afinal estamos também a consumir e a estragar o ambiente à nossa volta - e que, por outro lado, a designação «Terceiro Mundo» é também uma auto-vitimização oportunista - o miudo franzino já teve tempo suficiente de crescer e aprender a defender-se.

A reciclagem, tal como mencionado de passagem na apresentação, denuncia uma das grandes hipocrisias dos nossos tempos: não é eficaz. Alguns materiais não se conseguem reciclar facilmente, e os mais numerosos não se podem de modo algum. (Bem, no limite tudo será reciclado, daqui a uns milhares ou milhões de anos, mas convinha que o fossem num período mais imediato...) Os produtos não são concebidos para serem reciclados - e aqui os produtos no seu todo, o que inclui embalagens, folhetos, materiais de apresentação, e sim, também o transporte, armazenamento, e processo de eliminação. Colocar o recipiente no caixote correcto é uma contribuição miserável em todo o processo - teríamos contribuído mais para o ambiente se não tivessemos consumido o produto, pois em breve a falta de procura levaria a que não fosse mais produzido. Mas enquanto consumidores nunca nos organizaremos assim. A não ser que a própria tecnologia nos salve - por exemplo, se sejamos confrontados com mensagens de consciencialização no visor do TPA quando vamos pagar algum produto («este leite foi embalado em pacotes nocivos para o ambiente além do limite recomendado, tem a certeza de que deseja incentivar a empresa produtora com esta compra?»). O que seria uma reviravolta irónica.

Ocorre-me a adopção pelos supermercados nacionais da venda de sacos de plástico aos compradores. Uma medida supostamente destinada a obrigar a um comportamento responsável de reutilização de sacos de compras, como no tempo dos nossos pais (ainda me lembro das senhoras com as suas cestas). Mas a verdade é que os sacos de plástico continuaram a existir, e a um preço tão irrisório que não compensa, de modo algum, a inconveniência de ter um saco pessoal à mão quando surge a necessidade do consumo. É raro, aliás, o comprador que segue esta prática... resultado prático: os supermercados deixaram de suportar o custo de sacos gratuitos (os preços dos alimentos não desceram, por não?) e ainda por cima obtiveram uma nova fonte de receita. Inteligente a nível empresarial, irrisório a nível do ambiente. E contudo, satisfaz o borrego consumidor, outra vez enganado e contente. (Numa atitude mais inteligente, as lojas nos Estados Unidos oferecem sacos de papel, e em França não há sacos de tipo algum para ninguém.)

Não chegaremos lá com boa vontade. Os comportamentos só mudam quando se aplica dor ou recompensa - o velho sádico Pavlov tinha razão. Os custos escondidos de que a apresentação fala terão de ser traduzidos em sanções para as empresas ou custos explícitos no preço dos produtos. Pontuar cada substância considerada nociva para a saúde, por uma instituição governamental, em cêntimos ou euros, e depois aplicar este encargo ou imposto sobre o preço base dos produtos que a utilizem. Triplicar, quadruplicar o preço da gasolina. Tornar qualquer bilhete de avião numa pequena fortuna. Essencialmente, desacelerar a sociedade de consumo e desperdício e forçá-la a ser uma sociedade de (menor) consumo e (maior) reaproveitamento, usando o seu próprio mecanismo e sem a por totalmente em causa. Antes, claro, que a tal sejamos obrigados pelo mais doloroso processo da escassez de recursos, da crise, fome e guerra típicas do nosso passado.

Isto se quiseremos realmente resolver a situação. 

Ou então podemos continuar a assassinar árvores e a desperdiçar recursos para este triste fim:

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06 Setembro 2009

Estes São Exemplos das Histórias que formaram o ciberpunk, e por mera coincidência, ou por ter ficado atento ao tema, começaram a destacar-se no céu virtual como a inesperada descoberta de um padrão de ordem numa constelação meticulosamente aleatória. Questões de copyright e ética estão associados aos links que vos apresento a seguir, por isso peço que actuem em plena consciência - o uso que lhes deres revelará a pessoa no vosso íntimo. O primeiro é da leitura de Neuromante pelo próprio William Gibson, que há dez anos era vendida em cassetes áudio e que tive o prazer de encontrar então - é uma leitura verdadeiramente fascinante. O segundo é do próprio texto do livro, e de outros livros (incluindo um, Metrófago, de Richard Kadrey, que foi publicado na Argonauta e que servirá como adenda à lista de obras traduzidas que apresentei abaixo), disponíveis gratuitamente, embora desconheça se todos com a autorização dos respectivos autores. O correcto a fazer é apreciar a beleza da prosa e a seguir procurar o livro e agradecer financeiramente o autor pela sua compra. Foi afinal este estilo, esta melancolia intensamente visual, que ajudou a tornar o ciberpunk num dos mais influentes movimentos literários:
A year here and he still dreamed of cyberspace, hope fading nightly. All the speed he took, all the turns he'd taken and the corners he'd cut in Night City, and still he'd see the matrix in his sleep, bright lattices of logic unfolding across that colorlessvoid... The Sprawl was a long strange way home over the Pacific now, and he was no console man, no cyberspace cowboy. Just another hustler, trying to make it through. But the dreams came on in the Japanese night like livewire voodoo, and he'd cry for it, cry in his sleep, and wake alone in the dark, curled in his capsule in some coffin hotel, his handsclawed into the bedslab, temperfoam bunched between his fingers, trying to reach the console that wasn't there.

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