Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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26 Setembro 2009

Poucos Entenderão o que representou a escolha de A Espinha Dorsal da Memória para vencedor da edição de 1989 do prémio Caminho de FC. A ficção científica em língua portuguesa que então se publicava tinha a chancela da Caminho (cf. este meu texto sobre o percurso da FC nacional e o papel das editoras no seu desenvolvimento - ou falta deste). João Aniceto, vencedor em 1985, fazia a sua aparição regular com edições de vários milhares de exemplares patrocinados pela Sagres - romances inspirados em temas batidos no género, com alguma ambição literária embora por vezes lhe faltasse mão no material (lembro-me em particular da tentativa de descrever uma mesma cena sob o ponto de vista de quatro personagens em O Quarto Planeta - este tipo de truque quase cinematográfico só resulta quando cada novo recontar do mesmo evento oferece ao leitor novas informações ou uma apreciação completamente diferente, senão resulta maçudo) e uma peculiar falta de ouvido para o diálogo (lembro-me da discussão de um casal em A Lenda e de pensar se o autor nunca teria tido discussões conjugais na vida), eram contudo obras divertidas e com um enredo subjacente, inspiradas na ficção científica e que tentavam de facto fazer juz ao género.

Surgiriam, no entanto duas outras obras peculiares, cuja classificação como «ficção científica» era no mínimo questionável. Universo Limitada, de Isabel Cristina Pires, vencedora do prémio em 1987, ficaria na memória, a esta distância, como uma colectânea de contos muito curtos em que havia breves aparições de temas da FC - robôs, extraterrestres - mas com pouca intenção de enredo ou sequer de ilustrar situações ou estados de alma. Três Lágrimas Paralelas, de Artur Portela, seguia-lhe na esteira, embora deste recorde um conto que tentava apresentar uma Lisboa subordinada a uma invasão japonesa (se era uma invasão concreta ou apenas cultural, não consigo lembrar-me). Entendam que encontrar estas narrativas na colecção da Caminho foi um brusco choque de expectativas para o jovem de então, habituado aos sólidos contos americanos com enredos e percursos emocionais sustentados e extrapolação científica fundamentada. Talvez hoje a apreciação resultasse diferente, mas nessa época pouco contribuiu para sentir que haveria na língua portuguesa uma capacidade de fazer e escrever ficção científica como se fazia lá fora...

Bráulio Tavares foi uma espécie de redenção neste figurino. O conjunto de narrativas da Espinha Dorsal da Memória não só apresentam enredos de tronco inteiro como se encontravam escritos com um estilo sólido e profissional, literário, denunciando um autor que já se encontrava em actividade há algum tempo. Finalmente, contos que se podiam saborear. A FC brasileira afirmava-se assim, julgo que pela primeira vez, em terrenos lusos com qualidade e distinção. A fasquia da FC em língua portuguesa tinha sido elevada - e mais acima subiria, estou em crer, se a produção brasileira da época tivesse proliferado neste lado do oceano. 

Bráulio nunca participou nos encontros nacionais de FC. É possível que nos tenha visitado aquando da cerimónia de entrega do prémio pela Caminho. É possível que tenha sido entrevistado pelos jornais - desconheço. Fica aqui, no entanto, uma oportunidade de conhecer o autor, num debate a respeito de uma antologia de Edgar Allan Poe que se encontra a preparar para edição no Brasil.

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26 Setembro 2009

Passa Despercebida nos nossos noticiários uma singela descoberta que, se bem aproveitada, determinará o nosso futuro enquanto espécie. Existe mais água em Marte do que inicialmente pensado, e só não o percebemos por mero acaso (alguns centímetros) - eis uma situação de história alternativa, sem dúvida. Todos os motivos são importantes para incentivar o programa espacial e retomar a nossa colonização do sistema solar. Décadas de ficção científica avisaram-nos repetidamente que o sol não durará para sempre e que se queremos sobreviver precisamos de nos desmamar do planeta Terra e adaptarmo-nos às condições duras e insustentáveis do espaço profundo. Não será a espécie tal como a conhecemos que fará essa viagem, mas outra bem diferente, que resulte de séculos ou milénios de existência extra-terrestre e da resultante manipulação genética. A existência de água adicional em Marte facilitará a construção da primeira colónia - um pouco na senda dos nossos antepassados, à procura dos cursos de água para montar acampamento.

Passou despercebida, mas infelizmente não passam todas as verborreias insalubres dos nossos candidatos às presentes eleições. O triste rol de figuras que amanhã serão apontadas a dedo, num processo que não difere assim tanto da identificação do criminoso num line-up policial (igual necessidade de secretismo, vergonha e medo das consequências), para tomar os comandos deste navio-pedregulho, reflectem, creio, não o país, mas a descrença nacional perante cargos públicos e de liderança. Onde devíamos ter os melhores (melhores gestores, as figuras mais carismáticas, os pensadores mais articulados), resta somente uma panóplia de oportunistas e demagogos, de visão comezinha ou desligada da realidade. E nenhum, nenhum deles é capaz de tratar a Palavra com o respeito merecido. Alguns meses de Obama têm-nos demonstrado como os grandes discursos inspiradores ainda têm lugar nesta era cínica e descrente. Os discursos dos nossos são básicos e vazios de sentimentos e ideais. São a negação da capacidade da nossa língua enquanto veículo do pensamento elevado. Não há escritores decentes nas fileiras partidárias? Além do mais, todas as medidas são remendos. Todos os programas partidários se centram nesta e naquela desigualdade de um segmento da população, a decidir onde deve pousar o curto cobertor da nação, querendo destapar daqui para tapar dali, enquanto lentamente vamos, todos, ficando com mais frio e fome. Onde estão as visões estratégicas a 50 anos que salvaguardem o nosso contributo para a Europa e o mundo? Onde estão os planos para garantir a continuidade da língua portuguesa nos próximos séculos, perante a crescente importância de nos exprimirmos numa única língua nestes tempos de internacionalização efectiva? Vamos ser mais básicos: onde estão as medidas que nos ajudem a procriar?... Que portugueses, e que tipo de portugueses, e em que tipo de paradigma mundial, e a falar que língua, restarão ainda daqui a 100, 200 anos?

O quê? «É daqui a muito tempo? O futuro não interessa?» Sem dúvida, esse pensamento tem-nos servido até agora. Quando os últimos membros da espécie humana tiverem fugido da Terra, logo veremos quem ficou para trás para fechar as luzes...

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