Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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01 Janeiro 2011

Efemérides de 2010 (III). Surpreendendo pela forma como se tornaria em objecto de interesse internacional, o projecto de escrita de noveletas steampunk ambientadas em cenários históricos luso-brasileiros que veio a constituir a antologia Vaporpunk começou de uma forma relativamente discreta.

A iniciativa partiu do Gerson Lodi-Ribeiro, conhecido autor, editor e antologista brasileiro, que tivera oportunidade de discorrer sobre o género steampunk com bastante detalhe no seu ebook Ensaios de História Alternativa. Aparentemente, tendo surgido a oportunidade conjunta de publicar-se pela primeira vez uma antologia de contos steampunk brasileiros, surgiu uma diferença de opiniões entre os participantes, sendo que o Gerson defendia que o steampunk é irmão do ramo da história alternativa, e logo apenas o formato noveleta, com a maior capacidade de elaboração, lhe poderia fazer justiça - poder pintar-se numa tela mais vasta, por assim dizer, do que na imagem concentrada, de postal, do conto.

Essa diferença tornar-se-ia irreconciliável e logo Gerson abandonaria amigavelmente o projecto inicial (que resultaria mais tarde em Steampunk - Histórias de um Passado Extraordinário, organizado por Gianpaolo Celli e publicado pela Tarja Editorial), para dar início a uma outra iniciativa - que não só pretendia oferecer aos autores a dimensão necessária para construirem universos paralelos, como a possibilidade «de receber trabalhos steampunks cujos enredos dissessem respeito, directa ou indirectamente, às culturas brasileira e/ou portuguesa, mostrando o impacto social do avanço tecnológico precoce na história dessa(s) cultura(s). Vaporpunks, por assim dizer. [...] Em resumo, [...] enredos que mostrem o impacto social do emprego amplo e precoce de avanços tecnológicos nas culturas portuguesa e/ou brasileira. Tais enredos podem se constituir em passados alternativos ou em presentes alternativos.»

Complementarmente, a intenção do Gerson era de abrir convite às participações portuguesas, precisando para tal de um coordenador além-Atlântico. Foi aí que me envolvi no projecto.

A intenção inicial, acordada entre nós, foi de convidar e desafiar directamente autores de cada mercado que tivessem já dado provas ou inclinações de conseguirem combinar elementos fantásticos e históricos, mas como isso em Portugal não se verificou frutífero, pela falta de respostas suficientes obtidas, acabei por abrir, apenas do lado lusitano, as submissões à participação livre - infelizmente, também com pouco interesse. (Por uma inclinação natural, e agora que reescrevo estas palavras, noto que nenhum de nós teve o pendor de considerar autores de puro romance histórico, e sim de incluir de imediato autores familiarizados com a Ficção Científica e respectivas técnicas narrativas, para os quais as exigências do steampunk não fossem de todo alienígenas.) Esta abordagem de convite directo não existia sem os seus riscos, pois, numa ausência quase absoluta de tradição steampunk nas duas literaturas, para a qual o projecto era pioneiro, e armados com o punhado de referências estrangeiras sem o discurso extra-literatura essencial para fertilizar qualquer género, poderíamos estar a colocar uma meta quase impraticável de cumprir no prazo apresentado. Foi assim com enorme satisfação que se veio a verificar que, não só os autores assumiram as dificuldades do projecto, como as ultrapassaram de forma excepcional e bastante surpreendente, em alguns casos.

Contudo, o efeito secundário mais importante acabaria por ser (a meu ver) a descoberta que a designação vaporpunk não representaria apenas um aportuguesamento de brincadeira do termo inglês, mas uma categorização séria, independente, um verdadeiro sabor local. Pois, ao contrário da interrogação que constantemente se coloca sobre a Ficção Científica, neste género foi possível encontrar-se uma abordagem portuguesa e brasileira distintas e bastante próprias dos temas abordados pelo mercado anglo-saxónico - distintas, inclusive, entre si, possivelmente devido, em parte, pela forma como a História de cada país é encarada internamente, e em parte, sem dúvida, pela relativamente menor representatividade dos autores portugueses (3 contra 5) face aos brasileiros.

É uma observação ainda incipiente e que requer mais produção literária, mais incentivos, obviamente, para se consolidar. Mas é já suficientemente notória para que o crítico norte-americano Larry Nolen, que também lê em português, tenha afirmado recentemente:

In mid-October, I received a copy of the Luso-Brazilian steampunk anthology, Vaporpunk, edited by Gerson Lodi-Ribeiro and Luis Filipe Silva.  Along with Fábio Fernandes, I helped translate the opening paragraphs to the eight stories in this original anthology.  Consisting almost entirely of stories that would be novelettes or novellas, Vaporpunk was both a joy to read and an absolute bitch to translate due to several authors writing in an nineteenth century idiom that is far more florid than what twenty-first century readers may be accustomed to reading.  For the most part, these stylistic choices added to the narratives and the emphasis on the alt-history aspects, particularly surrounding the Kingdom of Portugal and the Brazilian Empire of the 19th century, made this anthology stand out from the majority of steampunk novels and collections that I have read in recent years.

Ou seja, resumindo, a conclusão que penso se possa tirar é que, se não conseguimos até hoje edificar uma Ficção Científica assumidamente portuguesa, nem capacidade para a identificar que características a definiriam, existe uma forte probabilidade de desenvolvermos um Steampunk em língua portuguesa.

A isto não será obviamente alheio o nosso pendor cultural (dos dois países) para tudo o que sejam questões históricas.

Se tal não ocorrer atempadamente em Portugal, sem dúvida que o Brasil conseguirá. Não só o fenómeno steampunk tem sido seguido e debatido desde há uns anos (caso contrário não se teria chegado a uma sofisticação do debate literário que conduzisse à criação simultânea de duas antologias de inéditos) como tem estado a impor-se como movimento artístico, a par do interesse internacional, com o surgimento de eventos sociais subordinados à temática e à estética dos ditos «mecanismos de mola e óculos de aviador», e sítios Web como a Cidade Phantastica e o Conselho Steampunk com «lojas» em algumas cidades brasileiras - entre outros.

Sem falar na percepção que o meio internacional do Fantástico começou a ter da vertente steampunk brasileira, e para a qual Vaporpunk se apresentou como uma das principais contribuições. Conforme revelado acima, na citação de Nolen, este trabalhou em conjunto com Fábio Fernandes para traduzir os inícios de cada um dos contos e compilá-los numa espécie de carta de apresentação para editores estrangeiros, publicada na Beyond Victoriana com apoio da Tachyon Publications. Diga-se de passagem que o esforço poderá eventualmente trazer resultados positivos...

Uma nota final para o layout gráfico do livro, obra do editor Erick Santos, que assinou a capa e a composição interior, as quais contribuiram enormemente para o sucesso do livro enquanto objecto cultural, e que é a melhor vantagem competitiva para a pobre oferta possível actualmente nos e-books. É de uma perfeição quase absoluta dentro do género, como poderão comprovar (capa e versão completa):

Relativamente aos contos, aos contistas, às críticas granjeadas e ao significado do steampunk no quadro da FC, isso deixaremos para um futuro post... stay tuned. Para já, o livro encontra-se aqui.

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29 Dezembro 2010

Efemérides de 2010 (II). A segunda efeméride de 2010 é, obviamente, a preparação da antologia Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa. Depois de termos anunciado os vencedores, caimos num relativo silêncio - não obstante os contactos que foram sendo efectuados com os autores - do qual nem o eco saía, apenas cortado por uns teasers ocasionais no Fórum Bang!.

Quero deixar bem claro que a editora Saída de Emergência é absolutamente isenta de responsabilidade, e mais, tem continuamente incentivado e procurado alternativas para a conclusão do trabalho - o qual, se tem encontrado emperrado exclusivamente da minha parte, por motivos pessoais e não só. Apenas posso pedir desculpa e lamentar que as circunstâncias não sejam diferentes, e que não seja possível profissionalizarmo-nos neste mercado (significando para isso ter a possibilidade de dedicar tempo efectivamente produtivo - e não tempo roubado à família e às outras necessidades pessoais - sem quebra de rendimento). Aliás, é da consciência de todos os envolvidos que este projecto não fará dinheiro, tentando-se que não perca demasiado, o que torna todo o esforço inglório e injusto. Sim: inglório e injusto. Não é a roubar constantemente horas às noites e aos fins-de-semana que se sustenta uma literatura (pelo menos, uma que tente não se limitar a decalques de vampirada). Não é no torpor do período pós-laboral que se encontra a inspiração. Não é assim que se compete dignamente contra produtos internacionais realizados por gente focada no objectivo e devidamente remunerada.

Resta o alimento das palmadinhas nas costas, mas, como todos sabemos, apenas acontecerá se o resultado for excepcional (e depois de tanto tempo, não se quer menos do que isso); pelo contrário, e sem dúvida alguma, o pendor para a exigência desmesurada (como se o mercado nacional fosse daqueles a sério), para a inveja e frustração deslocada (sempre me surpreendeu quem vê assim tanta fama e glória na FC nacional) ou simplesmente para a inércia do costume alimentarão o habitual zumbido das críticas-varejeiras. A imprensa dar-lhe-á destaque mínimo ou inexistente, e haverá quem categorize a iniciativa como irrelevante ou um desperdiçar de oportunidade, pois não vão entender nem entrar na brincadeira. O ponto positivo é o do trabalho gráfico da editora, que, posso garantir-vos, está para lá de excelente e que por si só merece a aquisição.

Isto não é uma lamúria mas uma constatação. Como bem dizia o Heinlein - e nisto ele não perdoava -, «és parvo, esperavas que te agradecessem? Faz, mas é, o teu trabalho.» Ainda assim, diria eu com pena, há anos que este mercado não medra, mas um outro anagrama.

Para terminar, tomei conhecimento de comentários efectuados ao desbarato, anónimos ao que parece e tanto melhor, pelos quais se equacionava o presente atraso com a dedicação da minha pessoa a outras iniciativas entretanto concluídas. Ora, não só isto representa uma profunda ignorância de como funciona e se fecunda o espírito criativo (que não olha para o mundo com as palas dos asnos mas prolifera na diversidade), como esquece-se convenientemente de perguntar que tempo tem sido efectivamente dedicado a cada uma, e coloca-se, a meu ver, com igual inteligência - ou seja, estupidez - de quem apontaria o dedo a pais que, tendo um filho doente e hospitalizado, insistissem em alimentar e vestir, todos os dias, o irmão dele.

O bom sinal é que ainda continua a haver quem acredite e aguarde por um livro de qualidade. A essas pessoas, e aos autores - para lá de pacientes - e à própria editora, o nosso imenso agradecimento e apenas pedimos só mais um pouco de paciência. A parte mais difícil do caminho já ficou para trás.

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