Conceito de Luís Filipe Silva

Ficção Científica, Fantástico, Surrealismo, Realismo Mágico, Terror, Horror, Ciberpunk e História Alternativa - e por vezes, se fôr de excelente qualidade, ainda fechamos os olhos a um certo Mainstream...

[Conheça o Manifesto]

Conto

 

Omegalfa

 

Frank Roger

 

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Capítulo 7

Johanna é a primeira a comparecer, apertando o filho firmemente contra si. Mais pessoas juntam-se-lhes, oriundas de vários lugares. Apresentam vestes escuras e rostos abatidos. Algumas acenam na direcção dela com ar sombrio, outras saudam-na com murmúrios. Ela precisa de todo aquele apoio, aprecia o mínimo gesto de compaixão. Pois é muito, muito difícil.

Poucos momentos depois, já estão todos presentes e a cerimónia tem início. Johanna está tão subjugada pelas emoções para conseguir segui-la devidamente. Nascem-lhe lágrimas nas bochechas, que sobem para os olhos. Aperta o Timmy ainda com mais força, talvez para tentar obter energia do corpo quente do miúdo do que para o confortar. Timmy ainda é muito novo, e não compreende bem o que se passa, o que não deixa de ser conveniente.

Quando a cerimónia termina, destapam a cova e retiram o caixão. Johanna já não consegue conter as emoções. Cheios de cuidados, quatro homens depositam o caixão no carro funerário, o qual começa a afastar-se lentamente. Johanna e Timmy avançam diante deste, os restantes compôem a vanguarda. Deixa para trás o turbilhão emocional, enquanto a perda avassaladora é substituída por uma tristeza relativamente suportável.

Uma ideia domina o pensamento de Johanna: terá valido todo este esforço? A ansiedade, os problemas, o tormento? Haverá assunto que mereça o desfazer da morte de uma pessoa? Tinha obviamente uma opinião diferente da de Jacques, o seu falecido marido. Os homens deixam-se obcecar pelo trabalho, dão prioridade à carreira, alcançar o êxito na respectiva área é o mais lhes importa. E para cientistas brilhantes ainda deve ser mais assim. No entanto, retira coragem de saber que, dali em diante, as coisas serão cada vez mais calmas e positivas. Em breve, o seu período de solidão terminará. Caminha, de passo lento mas determinado.

 

Capítulo 6

Dois policias retiram Carlos da carrinha de autoridade sem qualquer cerimónia, agarram-no de modo a que não possa escapar-se e empurram-no pela rua. A princípio, cede de forma dócil, mas logo começa a impor resistência. Não demora muito tempo até que os polícias sintam dificuldade em controlá-lo, até que finalmente consegue libertar-se do aperto com um berro irado. Escapa-se deles, afasta-se a correr, apanha uma barra de ferro caída no pavimento e dirige-se para um terraço onde um homem jaz inerte no soalho, junto a uma cadeira virada e um jornal por abrir.

Ei-lo! É Jacques Cremers, o homem que estragou tudo com o seu maldito Projecto! Ninguém deve poder mexer no tempo, ninguém tem o direito de virar as vidas das pessoas normais do avesso! Quem quebre estas regras tão básicas tem de ser castigado! Ah, a doce vingança! O coração de Carlos bate apressadamente, corre em direcção ao homem, roda a barra de ferro com precisão fatal e continua a correr, impelido por uma fúria cega e um ódio irracional. Olha por cima do ombro, descobre o homem desprevenido sentado à mesa, a mexer o café e a ler o jornal. O filho da mãe! Teve o que merecia pelas suas teorias e acções criminosas! Alguém tinha de assumir a responsabilidade e agir! Carlos abranda o passo, procura um lugar para pousar a barra de ferro numa zona de construção. A paz interior regressa-lhe, o ódio e a raiva baixam para um nível controlável. Avança em paz pela rua.

 

Capítulo 5

Johanna tem a atenção dividida entre a TV, onde o marido está a ser entrevistado num talk-show, a responder às acusações (para não falar nas ameaças!) feitas contra si, e o filho, entretido a seus pés numa intensa concentração enquanto apaga as cores dos desenhos do livro.

No ecrã Jacques gesticula freneticamente. Declara-se inocente, explica que não existe qualquer ligação entre o Projecto que se encontra a desenvolver e o fenómeno inexplicável que assola o mundo. A opinião pública está mal informada sobre o Projecto, as pessoas dão mais importância ao jornalismo não científico dos tablóides que a dados de fundo bem fundamentados, reagindo à pesquisa científica avançada de um modo que só pode ser designado por superstição medieval, procuram desesperadamente um bode expiatório para um problema misterioso e rapidamente o encontram... Limitam-se a desconsiderar o facto que o tempo começou a andar às arrecuas muito depois da experiência, cegos que estão por uma falta de entendimento incontornável e pelo medo irracional. Prefere não entrar em detalhes no que toca ao Projecto, uma vez que uma explicação técnica sobre a experiência a um nível subatómico estaria muito para além do alcance dos leigos.

Timmy, entretanto, descolorizou quatro dos desenhos e concentra-se agora num punhado de peças pertencentes a um carro-miniatura que recolhe de todos os cantos da sala. Poucos minutos depois já conseguiu montar o carro e apresenta, orgulhoso, à mãe o objecto intacto. Johanna abana a cabeça, sorrindo. Por que é que todas as crianças se sentem impelidas a restaurar as coisas à condição inicial? Olha de forma analítica para o filho. Será que as roupas estão a ficar-lhe largas? Não tarda nada, precisará de comprar-lhe um tamanho mais pequeno.

No ecrã, o marido é apresentado aos espectadores, a quem é prometida uma explicação que eliminará todas as dúvidas sobre a realidade da situação.Johanna assiste mais uns momentos, olha para o relógio e desliga o televisor. Pega num jornal e começa a apagar as letras das palavras-cruzadas.

O choro de Timmy desvia-lhe a atenção. O choro começa a crescer, Timmy cai de joelhos, de repente pára de chorar, volta a ficar de pé e afasta-se a correr, cheio de sorrisos. Crianças, o que se há-de fazer?


Capítulo 4

Mal termina de reclamar o sémen, o sentimento de satisfação cede lugar a uma intensa ânsia, e à medida que a paixão se acende rapidamente esquece o delicioso cansaço. Johanna acompanha o ritmo dos movimentos dele, soltando pequenos ruídos que o excitam, mas o desejo gradualmente desaparece e ele separa-se dela. Sucedem-se mais carícias de amor, mas acabam por ficar deitados, um ao lado do outro, em repouso na cama.

Como sempre, tem o pensamento envolto em trabalho, no Projecto que não alcançou o sucesso esperado. Isto incomoda-o e não é o único. Sim, claro que compreendo, diz Johanna apaziguadoramente quando ele lhe conta, pela estafadésima vez, que o falhanço do projecto não está relacionado com os problemas com que se depara o mundo, as pessoas vêem relações onde não existem e os meios de comunicação incitivam o assunto de forma deplorável. Bem, a relação entre estes e a ciência sempre foi envolta em tensão, as pessoas preferem sensação à informação, e os meios de comunicação limitam-se a dar-lhes o que é pedido, sem espaço suficiente para uma cobertura científica sólida.

Johanna tenta mudar de assunto ao apontar a atenção de Jacques para a família. Timmy continua saudável, mas a caixa de comprimidos está quase cheia. Amanhã irá terminá-la, o médico fará uma visita e a condição de Timmy vai piorar consideravelmente. Para um pai, isto não é tão importante quanto o trabalho, por muito pioneira que seja a sua investigação científica?

Jacques salta da cama e começa a vestir-se. Johanna fica deitada por mais um pouco, enquanto o marido se retira para o escritório de modo a apagar mais informação do computador. Assim que o céu ficar mais iluminado, também se irá levantar, mas não precisa que as tardes sejam tão compridas. Afinal, tem um dia inteiro diante de si.

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Autor:
Frank Roger