Conceito de Luís Filipe Silva

Ficção Científica, Fantástico, Surrealismo, Realismo Mágico, Terror, Horror, Ciberpunk e História Alternativa - e por vezes, se fôr de excelente qualidade, ainda fechamos os olhos a um certo Mainstream...

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Conto

 

Eu Blogo, Tu Blogas

 

João Ventura

 

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Na blogosfera original, era o caos primevo. Blogues nasciam a toda a hora, e cada cibernauta ocupava uma parte substancial do seu tempo a escrever no(s) seu(s) blogue(s) e a ler os posts dos outros, a comentá-los, e a comentar os comentários que os outros faziam dos seus posts. No meio desta cacofonia entrópica, passou despercebido o aparecimento do «Aquele Que É».

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No departamento de Informática da Universidade da Califórnia em Irvine, EUA, Tom Holmes trabalhava no que viria a ser a sua tese de doutoramento. Tinha desenvolvido um programa para produzir cibermapas, projecções gráficas da Internet, com características baseadas em parâmetros fornecidos pelo utilizador. O miolo do programa utilizava a teoria dos grafos para construir a estrutura básica da representação e um conjunto de bots eficientemente programados percorria a web, actualizando permanentemente a base de dados do programa: uma espécie de IA distribuída. Eliminados os bugs mais evidentes, tinha começado a mapear a web a intervalos regulares, tentando analisar as variações ao longo do tempo, numa tentativa de apreender o seu carácter dinâmico.

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A trajectória blóguica do «Aquele Que É» foi de início discreta. Posts curtos, frases auto-referenciais, lugares comuns. Mas por qualquer razão obscura, os seus posts atraíam comentários, que suscitavam mais e mais comentários, de tal forma que um mês após o arranque, era identificado pelos apontadores como o blogue com a maior taxa de crescimento de tráfego desde sempre registada.

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Na mesma universidade, mas no departamento de Ciências da Terra e do Espaço, Rob Watson fazia um doutoramento em Astronomia. A simples menção do título da sua tese - «Uma contribuição para o estudo da dinâmica das proto-galáxias» - tinha um efeito garantido em qualquer conversa informal. O seu supervisor era um entusiasta da «fertilização cruzada» e encorajava os estudantes a procurar conhecer os trabalhos desenvolvidos noutras áreas. Naquele dia, à entrada da cantina, no enorme painel onde são divulgadas as mil e uma coisas que acontecem no campus, Rob viu um cartaz que dizia:

«O MAPA NÃO É O TERRITÓRIO»... MAS AJUDA A COMPREENDÊ-LO:
UMA NOVA FORMA DE CARTOGRAFAR A WEB.

E indicava o autor, dia, hora e sala. E dessa forma, Rob foi ao departamento de Informática assistir ao seminário dado por Tom.

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Um novo ponto crítico - mas que passou despercebido à maior parte dos visitantes - surgiu quando «Aquele Que É» passou a ter como subtítulo «No princípio era o Blogue»...

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Tom tinha preparado cuidadosamente a sua apresentação, na forma de um powerpoint sóbrio mas eficaz. Depois de explicar de forma não demasiado técnica a estrutura básica do programa, apresentou uma animação com uma sequência temporal de mapas da web, mostrando diversas formas de visualização disponíveis no programa, agora arcos ligando pontos representativos dos sites, com a espessura das linhas indicando número de ligações ou volume de tráfego, a seguir os sites representados por círculos, em que o tamanho de cada círculo representava a quantidade de dados armazenada e a cor estava relacionada com o tipo de dados, alternando entre as diversas representações com um toque no teclado. A sequência cobria um período de três meses, o que dava para perceber algumas alterações: havia claramente zonas em que a web crescia enquanto noutras parecia rarefazer-se.

A discussão foi animada, perguntas mais técnicas de alguns dos participantes, comentários mais gerais da parte de outros... Rob, depois de dizer que tinha gostado muito da apresentação, comentou:

- Isto é um bocado parecido com a evolução em certas zonas do espaço; os web sites parecem nascer, evoluir e morrer de forma semelhante às estrelas...

Quando acabaram as perguntas, Tom agradeceu mais uma vez a presença de todos, desligou o portátil, enrolou os fios de ligação ao projector e enfiou tudo na maleta, enquanto conversava com dois ou três colegas que entretanto se tinham aproximado do estrado. Depois de tudo arrumado, alguém sugeriu continuarem a conversar na cafetaria.

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Autor:
João Ventura