Conceito de Luís Filipe Silva

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O Fim de Que FC?

Jorge Candeias -  Crítica |  16 Mai 2000

No EVENTOS nº 2.08, saiu um artigo levezinho sobre um tema pesado: o fim da FC. Ninguém o deve ter lido, a ajuizar pelo impacto que provocou. Ou, se o leram, ficaram à espera de artigo seguinte para tomar uma posição de firme condenação das ideias estapafúrdias do autor ou, pelo contrário, de entusiástico aplauso à sua perspicácia. Sabendo que a primeira hipótese é bem mais provável que a segunda, cá vem o autor dar continuidade ao tema, alguns números eventuais mais tarde.

Tentei no outro artigo, intitulado, precisamente, "O Fim da FC?", provar por A+B que esse fim não existe senão nas cabeças de algumas pessoas com tendências mais cataclísmicas. E usei para isso o argumento cinematográfico de que há, e pelos vistos cada vez mais, tremendos sucessos de bilheteira que não oferecem quaisquer dúvidas quanto a serem ou não Ficção Científica, da pura-e-dura. No mesmo número do EVENTOS, saiu um outro artigo sobre o mesmo tema escrito pelo Daniel Dias Tavares (que penso ter tido precisamente o mesmo impacto que o meu teve), onde ele se põe na pele dum puto muito xavalecoso, muito Star Wars pra cima, tudo o resto pra baixo, muito anti-secas, ou seja, anti-livros.

As abordagens dos dois artigos são bem diferentes, mas de facto há uma ideia comum: a de que o êxito estrondoso que tem a FC audiovisual não tem correspondência na FC escrita. Porquê?

No último PARADOXO, o João Seixas fornece uma explicação curiosa, adoptando algumas ideias do editor da Locus, Charles Brown. Dizem eles que «a FC e o Horror são dois géneros que viram os seus temas mais fortes serem-lhes furtados por Hollywood tornando inevitável que os livros passassem a seguir no rasto dos filmes. [...] Enquanto Hollywood repesca os temas clássicos da FC e os reveste com o colorido hipnótico dos efeitos especiais, a literatura publica obras cada vez mais credíveis, cada vez mais verosímeis e cada vez menos lidas. [...] As obras de FC são cada vez mais respeitáveis.»

Será mesmo assim? É certo que cada vez mais se olha para os escritores de FC como profetas do futuro, ou pelo menos de um certo futuro. Mas também é certo que Hollywood é uma máquina extremamente reticente a inovações de vulto. Filme de sucesso é filme que deve seguir uma receita preestabelecida para impressionar de modo eficiente o sistema límbico do espectador. E nisso Hollywood é extremamente eficiente. Quase assustadoramente eficiente.

Mas será que um género que vive precisamente da inovação pode ser ultrapassado por uma máquina que só inova em pequenas doses bem controladas?

Tenho sérias dúvidas, muito sérias mesmo. Embora tenha de reconhecer que algo se passa mesmo. E que os livros estão mesmo a ficar um bom bocado para trás.

Porquê?

Não é essa a pergunta certa. A pergunta certa é «quais livros?»

Hollywood baseia a sua maneira de filmar FC na maneira americana de escrever FC. Esta american way of SF consiste num conjunto de regras bem estabelecidas, de certo modo rígidas, ensinadas em ateliers de escrita criativa um pouco por todo o lado, e destinadas a prender a atenção do leitor, fazendo-lhe a cama e aconchegando-lhe a roupa ao corpo, preparando-o convenientemente para receber o que quer que lhe queiramos dar da forma mais confortável e aconchegada possível.

Este receituário tem funcionado. E, na maioria das circunstâncias, continua a funcionar.

Mas se Hollywood está a ultrapassar a literatura, o que isso significa é que o receituário vai em breve deixar de ser válido para ela. Porque é precisamente no receituário que trouxe a glória à FC à americana que reside a sua grande fraqueza, e é nele que está a crise.

Quem foi para a FC nas décadas anteriores, foi fundamentalmente em busca de novidade e liberdade criativa. Em busca dum sense of wonder que não encontrava numa literatura mainstream que já nessa altura era fundamentalmente umbiguista, em busca de uma aventura que desaparecera de outros lados, em busca de excitação, em busca de alternativas. Mas quando se assiste a uma série interminável de romances, contos ou novelas desenhados segundo o mesmo conjunto de regras, quando, ainda por cima, a especulação pura e simples deixou de ser irresponsável e já ninguém despede os cientistas por proporem seriamente as ideias mais estapafúrdias (que antigamente encontravam o único refúgio seguro no seio da FC), quando a aventura começa a repetir aventuras passadas, tudo o que atraía os leitores à FC desaparece.

Assim, mais vale ir ao cinema. É muito mais fácil. É muito mais cómodo. Está tudo muito melhor mastigado. Exige muito menos esforço. Há menos riscos envolvidos. É mais barato.

O principal problema da FC escrita, meus amigos, é a receita made in USA. É ela que está a estrangular a liberdade da FC, é ela que está a afastar leitores. É preciso acabar com ela.

Como? Fica prá próxima!

(c) Autor do Texto, (c) Luís Filipe Silva, 2003/2007. Não é permitida a reprodução não autorizada dos conteúdos.

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Autor:
Jorge Candeias

Textos:
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