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Passatempo Kate Wilhelm - 4ª semana - Cultura | 22 Jun 2009
A Gailivro acedeu gentilmente a associar-se ao TecnoFantasia para oferecer aos leitores um conjunto de exemplares da obra premiada de Kate Wilhem, Onde os Último Pássaros Cantaram, a qual lhe valeu um Hugo nos anos 70. Abordando um tema que está a preocupar-nos mais enquanto sociedade que na época em que foi publicado - a questão da degradação ambiental aliada à exaustão dos recursos naturais do planeta -, apresenta uma visão desencantada de uma espécie que travou o processo reprodutivo e existe num estado de paragem genética, tão incapaz de se renovar quanto o ambiente em que é forçada a viver.
O passatempo consistia em responder de forma criativa aos desafios propostos durante as 4 semanas do concurso. A resposta mais interessante seria galardoada com um exemplar do livro.
Um dos temas recorrentes em Onde Os Últimos Pássaros Cantaram é o da clonagem. Os membros do clã familiar Sumner, cuja história forma a base do romance, criam gerações atrás de gerações de cópias de si mesmos como forma de lutar contra a perda de fertilidade humana. Os clones estão tão próximos uns dos outros que desenvolvem uma empatia quase telepática, estabelecendo uma sociedade aparte, valorizando o colectivo e não o indivíduo. Os clones entram em pânico quando se encontram sozinhos por demasiado tempo. Por fim, apercebemo-nos que os clones não partilham o interesse do resto da humanidade em voltarem a reproduzir-se sexualmente, preferindo continuar o processo de clonagem até ao fim dos tempos.
O desafio para a segunda semana do passatempo Kate Wilhelm consistia em, com o limite de 250 palavras, descrever uma situação, apresentar uma cena, estabelecer uma história que inclua este confronto entre o individuo e o social, tendo a clonagem por base. E por sabermos que os nossos leitores gostam de desafios exigentes, acrescentámos a seguinte condição: o texto deveria ter uma veia humorística.
A participação foi menos reduzida e diversificada que na semana anterior, mas ainda assim surgiram resultados interessantes.
Vencedor - A Tecnologia Nunca É Perfeita..., por João Ventura
Magalhães 123 – clone nº 123 obtido a partir das células de um humano longínquo chamado Magalhães – não estava satisfeito. Estava de facto muito insatisfeito. A ideia de haver 255 outros indivíduos iguais a si era-lhe insuportável, obscena mesmo.
Magalhães 123 especializou-se em robótica, construiu uma empresa de produção de robots domésticos que foram um tremendo sucesso comercial. Mas em paralelo, no laboratório secreto na cave da sua casa, ia criando a sua opus magnum – o robot executor E666.
Tinha pensado que ultrapassar as leis de Asimov seria o mais complicado, mas o processo tinha-se afinal revelado infantilmente simples. O resto do trabalho foi fácil tendo em vista os objectivos principais que o robot teria de atingir: simplicidade e eficácia. Receber uma lista de indivíduos a abater e executar o trabalho rapidamente, minimizando danos próprios.
E666 era a mais perfeita máquina de matar alguma vez desenvolvida: aplicação de toxinas mortais sob diversas formas, armas brancas dos mais diferentes tipos, explosivos, armas lasers, E666 podia matar usando qualquer processo alguma vez utilizado na história da humanidade e mais alguns originais.
Quando a série Magalhães começou a ser dizimada, elemento a elemento, a polícia ficou confusa, e os crimes foram continuando. O único sobrevivente da matança foi Magalhães 132, que nunca soube a que devia a sorte que teve.
Magalhães 123 tinha fornecido ao robot, uma a uma, as identificações dos alvos a abater. Mas o inventor do E666 tinha – sem ter consciência disso – um pequeno defeito: era (levemente) disléxico.
Menção Honrosa - As questões dos Deuses, por Ricardo Silva
Dentro do complexo o clamor tornava-se um bulício. O homem de fato olhava com desdém para a sua réplica vestida com uma simples bata. A cópia encontrava-se crucificada num painel vertical de metal, das narinas escorria-lhe fios de sangue e na região do abdómen havia um buraco na bata que mostrava as entranhas expostas. Ao lado do homem de fato encontrava-se um bio-engenheiro de costas curvadas e profundas olheiras.
– É engraçado – começou o homem de fato a falar. – O corpo é igual e no entanto é uma entidade tão díspar da original.
Segurava um objecto afiado que reverberava à luz das lâmpadas. O homem de fato deixou a lâmina deslizar pelo seu rosto simétrico agora contorcido pelo terror. O clone gritou por misericórdia, mas o torturador apenas sorriu como resposta e rasgou-lhe uma bochecha. Ficou com o pedaço de carne ensanguentada na mão, a observá-lo com um olhar distante.
– Qual a grande diferença entre nós os dois? – perguntou o homem de fato, sem tirar os olhos do pedaço de bochecha empapada de sangue.
O bio-engenheiro olhou para o inquiridor com um par de olhos lânguidos e respondeu:
– Apatia.
– Apatia? Ouves os gritos lá fora? Estamos a matar-nos uns aos outros e em nome do quê? Da loucura? É pecado um Deus criar modelos à sua imagem? O resultado está à vista. – Apontou para o seu simulacro torturado. – O mundo foi atirado para o caos.
– Isto é o fim, senhor?
– É. Vamos beber um café e apreciá-lo com serenidade.
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Textos:
Passatempo Kate Wilhelm
Passatempo Kate Wilhelm - 3ª Semana
Passatempo Kate Wilhelm - 4ª semana